Maestro – A linha tênue entre uma grande obra e a banalização do drama

Adaptações biográficas não são novidades no cinema, na verdade, praticamente em toda temporada de premiação as cinebiografias dominam e na maioria das vezes são responsáveis por premiar diversos profissionais nas categorias de atuação. Em muitas destas obras, o cineasta opta por pegar um período de tempo da vida da pessoa e adaptar, ou tenta englobar toda a trajetória em um filme só. Isto, às vezes, resulta em obras que nunca atingem seu pico de qualidade.

É seguindo esta análise que venho falar do novo drama da Netflix e principal aposta da locadora vermelha no Oscar. O longa Maestro (Maestro, 2023) estreou no dia 20 de dezembro cercado de pompa, produzido por Martin Scorsese, Steven Spielberg e Bradley Cooper, que também dirige, escreve e atua no filme que conta a história de Leonardo Bernstein, um dos maiores maestros da história que ainda atuava como compositor e pianista, sendo o primeiro maestro dos EUA a ter reconhecimento mundial.

A obra tem todos os elementos de um drama clássico, abordando todo o período de vida de Bernstein partindo do ponto que conheceu sua esposa Felicia Montealegre (Carey Mulligan), passando pela sua ascensão como maestro nos EUA e no mundo, além dos seus relacionamentos extra conjugais, posteriormente o compositor se assumiu gay levando a seu divórcio durante a década de 70.

Existem aqui dois filmes a serem enxergado em Maestro, o primeiro e mais atrativo é a forma como vemos a narrativa como obra cinematográfica, neste ponto o longa está entre os melhores do ano em termos de cinematografia, trilha sonora, direção de arte, ambientação, figurino, maquiagem e direção, que inclusive mostra um amadurecimento gritante de Bradley Cooper atrás das câmeras justificando inclusive porque o próprio Spielberg sugeriu que o ator diretor seria ideal para conduzir este filme.

A primeira metade da narrativa é passada toda em preto e branco, mostrando o romance entre Leonardo e Felicia de uma forma delicada e precisa, lembrando clássicos dos anos 50 e 60, cheio de charme e personalidade. O roteiro assinado por John Singer e pelo próprio Cooper, conta a história do maestro, mas o foco é Felicia, que funciona como os olhos do expectador conhecendo e enxergando Bernstein, suas qualidades e defeitos, além do que faz dele um gênio.

A fluidez narrativa aqui e o trabalho de edição nesta primeira parte é um primor, a forma como os personagens interagem, os cenários mudando em poucos segundos e a direção intimista capturando emoções tornam esta obra única. Porém, o segundo ponto e talvez o mais importante, é perceber que o filme perde na sua segunda metade um pouco da qualidade quando abraça as cores. A decisão criativa é justificável, para mostrar dois pontos entre o relacionamento de Leonardo e Felicia, sendo que o começo soa como um conto de fadas e o segundo momento soa como um desgaste na relação.

Ao mostrar a deteriorização do relacionamento do maestro e sua esposa, Cooper acaba deixando exposto um dos principais problemas do filme, o medo de ser gay. Leonardo Bernstein era gay, o roteiro e a direção têm medo de mostrar os relacionamentos do compositor, tem medo de mostrar sua paixão por David Oppenheim (Matt Boomer) e outros homens que passaram em sua vida, ao colocar Felicia como foco, a trama perde em mostrar a complexidade de um personagem que enfrentava as barreiras sociais da época para assumir quem era, evidenciando uma obra que é totalmente anti-queer.

E as coisas acabam piorando, porque o filme acaba se tornando contido e apenas projetado para banalizar o drama da dupla protagonista. Maestro é como uma vitrine, você enxerga uma peça cara, mas jamais consegue tocar e isto fica evidente na forma como o expectador em diversos momentos não consegue imergir no drama dos personagens exatamente porque olhamos apenas a superfície daquilo que é evidenciado.

Existe uma linha tênue neste longa que só não se torna uma obra descartável, porque as atuações criam uma barreira que tornam tudo mais palpável. A atuação de Bradley Cooper é uma incógnita, enquanto em alguns momentos, a caracterização ajudada por uma boa maquiagem dar autenticidade na sua versão de Bernstein, em outros momentos quase beira ao caricato, porém não há dúvidas que seu melhor momento é na sequência do concerto na catedral, de longe um dos pontos altos do filme, onde Cooper realmente incorpora o personagem entregando uma atuação digna de Oscar.

Ainda assim, quem rouba a cena e dá sustentação ao filme, é Carey Mulligan, sua Felicia Montealegre é fascinante mostrando que a atriz consegue capturar toda a paixão, frustração e sonhos da personagem apenas com olhares e expressões. É impressionante o amadurecimento de Mulligan a cada novo papel, a atriz entende o peso que a personagem carrega ao abdicar em dos seus interesses pessoais para apoiar um homem de várias paixões que não escondia seus interesses fora do casamento, entregando uma atuação não menos que brilhante. 

De uma forma geral, Maestro é um ótimo filme, mas infelizmente não é um grande filme, mesmo tendo potencial para isto. Ao abdicar de explorar Leonardo Bernstein por completo, a sensação é que estamos tocando apenas a ponta do iceberg de uma pessoa talentosa e complicada que aqui é bastante simplificada em alguns momentos. Outro ponto é que o filme acaba decaindo na sua segunda metade, principalmente quando avança nas progressões de época, entregando lampejos de genialidade enquanto retrocede em outras sequências.

A verdade é que o drama acaba se tornando irregular no geral, ainda que a química entre Cooper e Mulligan seja magnética apoiada por qualidades técnicas que acabam salvando bastante esta obra que no final das contas finaliza com saldo positivo, fica a sensação de que poderia ser melhor. Ao terminar de assistir, fiquei com a impressão que o filme merece ser revisitado futuramente, pois ainda existem qualidades a serem apreciadas, mas não se engane, o ditado “por trás de um grande homem, existe uma grande mulher” está mais vivo do que nunca, mas poderia ser remodelado para “sem uma grande mulher, ele jamais seria um grande homem”.


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