O gênero denominado “filmes catástrofes” é um dos mais angustiantes da sétima arte, principalmente quando é baseado em fatos. Existe uma curiosidade humana nestas histórias que extrapolam a lógica e acabam entrando no campo da fé, conseguindo mostrar um instinto de sobrevivência que parecem inacreditáveis quando relatados em longas metragens. Ainda mais quando são bem conduzidos narrativamente.
Esta foi a sensação que tive ao assistir ao ótimo A Sociedade da Neve (La Sociedad de La Nieve, 2023), longa espanhol da Netflix dirigido por J.A. Bayona, de O Impossível (Lo Imposible, 2012) e baseado no livro “La Sociedad De La Nieve”, de Pablo Vierci, de 2008. Aqui, acompanhamos a história dos relatos reais da queda de um avião em outubro de 1972 numa montanha dos Andes. As 45 pessoas à bordo faziam, em sua maioria, parte de uma equipe de rúgbi amadora que saiu do Uruguai rumo ao Chile.
Esta cinebiografia comandada por Bayona não é um drama fácil de acompanhar. Mas, com certeza, merece nossa atenção a partir do momento que percebemos o respeito e o cuidado da narrativa em conduzir uma história tão incrível quanto dolorosa. Confesso que não sabia nada sobre esta história e não havia assistido ao filme Vivos (Alive, 1993) dirigido por Frank Marshall, que conta a mesma trama. Então tudo foi uma experiência nova para mim.
O primeiro ato de A Sociedade da Neve é bastante consistente na forma como a direção nos aproximas desses jovens cheios de sonhos e energia. E que estão prestes a embarcar numa viagem aparentemente normal para um jogo de rúgbi em outro país. Não existem saídas fáceis nesta história. Talvez o maior trunfo aqui é que Bayona não tenta amenizar em nada, nos levando para uma colossal montanha-russa de emoções.
A trama tem um ar documental, mas nunca esquece de ser cinema. A sequência dos primeiros vinte minutos é uma das coisas mais eletrizantes e assustadoras que você vai assistir neste início de ano. A cena inteira da queda do avião é digna de um filme de terror. Desde a primeira turbulência até a queda brutal em uma das dezenas de cadeias de montanhas de um dos lugares mais perigosos e assustadores do mundo: A Cordilheira dos Andes.
A partir deste ponto, A Sociedade da Neve se torna uma trama de sobrevivência, não só contra a resistência da natureza, mas contra a resistência do próprio corpo em meio às adversidades. O roteiro é muito bem desenvolvido, principalmente quando usa de uma forma inteligente a “narração em off” de um dos passageiros, como forma de relato das experiências e desafios dos personagens. Estreitando assim o elo de imersão com o expectador.
A condução da história é muito bem feita, mostrando o desafio dos passageiros em acharem comida, procurarem roupas para se aquecerem e acharem alguma forma de se comunicar com o mundo exterior. Tudo isso enquanto aguardam por um iminente resgate. Quando mencionei que o filme trata a história com respeito, vem da forma como Bayona escolhe dar rosto e nome não só para os sobreviventes, mas para os mortos. Sempre colocando letreiros na tela incluindo a idade para mostrar para o expectador as diversas vidas que se perderam nesta tragédia.
Outro ponto é o cuidado. Em termos técnicos o filme é um deleite. Não só pela fotografia estupenda em mostrar a beleza dos Andes, bem como sua imensidão hipnotizante, mas pela excelente trilha sonora de Michael Giacchino, intercalando momentos de tensão aos poucos momentos de calmaria ou êxtase. Entrando sempre nos momentos certos e elevando a carga emocional de um filme que nos toca a todo instante. O figurino, maquiagem, direção de arte, edição de som, mixagem de som e montagem são outros elementos que se destacam, fazendo desta obra algo diferenciado dentro de gênero.
As atuações são boas dentro do que se espera, falado em espanhol nativo (o que dá mais autenticidade), com muita entrega por parte do elenco que dá ainda mais veracidade a jornada desses personagens. O fato é que o longa realmente captura um senso de comunidade dos poucos sobreviventes e a cumplicidade dessas pessoas que precisam enfrentar as forças da natureza, além do próprio código de ética e moral para sobreviverem ao isolamento.
É através deste sentimento que o espectador é carregado durante toda a projeção, que pode cansar um pouco pela duração, mas Bayona consegue segurar o ritmo na maior parte do tempo. Sempre mostrando algum obstáculo ou dilema enfrentado pelos personagens, induzindo, inclusive, à impressão de calmaria antes de jogá-los de novo no olho do furacão. Não poupando cenas com avalanches, membros mutilados e nevascas assustadoras. Testando os limites da mente humana ao encarar a face da morte.
De uma forma geral, “A Sociedade da Neve” é um filme que requer atenção e paciência. É desta forma que somos recompensados com um longa eletrizante do começo ao fim que promete te deixar na ponta da cadeira. Além de resgatar nosso senso de humanidade através de pessoas que usam seus laços de amizade e perseverança para superar as adversidades. Com uma produção caprichada, roteiro bem estruturado e uma direção estupenda, temos aqui um dos longas mais imperdíveis deste início do ano, que mostra que, quando a esperança e a persistência acabam, os milagres acontecem.
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Engenheiro Eletricista de profissão, amante de cinema e séries em tempo integral, escrevendo criticas e resenhas por gosto. Fã de Star Wars, Senhor dos Anéis, Homem Aranha, Pantera Negra e tudo que seja bom envolvendo cultura pop. As vezes positivista demais, isso pode irritar iniciantes os que não o conhecem.