Wonka – O pai dos chocólatras

Chega a ser curioso como um personagem tão icônico para a cultura pop como Willy Wonka só tenha aparecido em live action em dois filmes antes da estreia do novo Wonka (2023). Isso se deve mais a certo protecionismo do seu criador, o escritor britânico Roald Dahl que ao desejo dos estúdios de lucrar, visto que, mesmo com o fracasso comercial da primeira adaptação de A Fantástica Fábrica de Chocolate (Willy Wonka & the Chocolate Factory, 1971), este se tornou um clássico cult no decorrer dos anos. Isso, aliado à fama do autor entre o público infanto-juvenil – são dele, também, Matilda, As Bruxas (adaptado como A Convenção das Bruxas em 1990 e 2020), James e o Pêssego Gigante, O Fantástico Sr. Raposo e O Bom Gigante Amigo, entre outros, sendo que os citados foram adaptados para o cinema e, exceto pelo último, todos possuem uma base fiel de fãs – fez com que uma nova adaptação fosse lançada em 2005. Dirigido por Tim Burton e com seu ator-assinatura Johnny Depp interpretando o famoso chocolateiro, A Fantástica Fábrica de Chocolate (Charlie and the Chocolate Factory, 2005) dessa vez foi um grande sucesso comercial e renovou a legião de fãs da história. Ainda assim, planos para adaptação da continuação do livro, Charlie e o Elevador de Vidro, acabaram não vingando e, somente agora, 18 anos depois, temos Willy Wonka de volta às telas, dessa vez em uma obra que apenas se apropria do personagem para contar uma história inédita, apresentando a juventude dele, algo que Tim Burton já havia mostrado brevemente em seu filme, mas que aqui é recontado, ignorando as ideias da obra de 2005.

Assim, Wonka traz o personagem-título, interpretado dessa vez por Timothée Chalamet, como um jovem pobre que chega em uma cidade com o sonho de se tornar um grande fabricante de chocolates e tornar a vida das pessoas mais feliz com suas criações, fazendo jus aos ensinamentos de sua falecida mãe (Sally Hawkins). No entanto, por ir de encontro aos interesses dos três maiores fabricantes de chocolate do lugar (interpretados por Paterson Joseph, Mathew Baynton e Matt Lucas), ele acaba se tornado cativo de uma dona de pensão, Sra. Alva (uma Olivia Colman caricata na medida certa), sendo obrigado a trabalhar para ela como forma de pagar uma suposta dívida contraída ao se hospedar no lugar. Apesar disso, ele não desiste de seu sonho e, com a ajuda dos amigos que faz na pensão – especialmente Noodle (Calah Lane), uma órfã que se torna sua principal parceira e amiga –, todos cativos que nem ele, Willy luta para continuar fabricando e vendendo seus chocolates, enquanto enfrenta a oposição dos empresários, que estão de conluio com o chefe de polícia (Keegan-Michael Key).

Como é possível perceber, é uma trama simples, mas que é conduzida com muita eficiência pelo diretor Paul King, que brinca com cores, efeitos e cenários de forma bastante lúdica, além de lidar com os momentos musicais com muita competência. Estes acabam se tornando um dos pontos altos do filme, com canções divertidas que lembram muito aquelas feitas para animações mais recentes da Disney, e com Chalamet lidando com desenvoltura não somente com a coreografia, mas com uma voz que, se não atinge um padrão Broadway para musicais, serve muito bem às canções apresentadas. É importante destacar isso, pois senti que, mais que nos outros filmes, o fator musical aqui é bem realçado, principalmente porque o próprio Willy Wonka canta quase todas as músicas e, se isso não funcionasse, todo o filme deixaria de funcionar.

Como protagonista, Timothée faz jus aos elogios ao seu talento, e mostra segurança e carisma, mas é preciso ressaltar que muito da qualidade do filme se deve não somente a ele, mas ao elenco como um todo, com destaque para a jovem Calah Lane, encantadora, Hugh Grant, que domina como um Oompa Loompa extremamente britânico (algo que Grant se especializou em fazer) e a já citada Olivia Colman (de quem já estou achando impossível esperar uma atuação ruim).

No entanto, nem tudo são flores. Falta ao filme algo que permitiria que ele saísse do campo da simples diversão passageira e o transformasse em um novo clássico para todas as idades. Dois pontos mostram isso: primeiro, Wonka sofre na tentativa de se tornar um filme o mais aceitável possível para o grande público, principalmente no que diz respeito à comédia, que oscila entre sacadas geniais e típicas do (às vezes, muito perverso) humor britânico com outras bastante questionáveis, inclusive algumas resvalando na gordofobia. O outro ponto é a quase que completa assepsia feita no personagem. Explico: ainda que a atuação de Chalamet se baseie mais no Willy Wonka de Gene Wilder (na primeira versão do filme), com sua energia quase maníaca e um lado sombrio oculto sem muito sucesso, o personagem, nesta versão, perde muito do seu caráter de estranheza por ter sua personalidade bastante suavizada. Seria possível argumentar que, como está sendo mostrada sua juventude, muito do que vimos dele ainda vai surgir com o decorrer do tempo. No entanto, isso não justifica ele ter se tornado uma espécie de Ana Francisca (da novela Chocolate com Pimenta) de calças, já que abrir mão desse lado do personagem é se afastar perigosamente da essência dele, do modo como foi criado por Roald Dahl. Isso que apontei não apaga as qualidades do filme, somente deixam ele um patamar abaixo do que ele poderia ser. 

Ao final, o que parecia, quando foi anunciado, mais uma daquelas ideias estúpidas que os executivos de Hollywood têm todos os anos para arrancar dinheiro do público com propriedades intelectuais de sucesso, se mostrou uma obra bacana, interessante e divertida. Se vai perdurar, como as versões anteriores do personagem, só o tempo vai dizer. Por enquanto, é um par de horas que provavelmente não vai mudar sua vida, mas que tem grandes chances de te deixar com um sorriso no rosto.


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