Mussum: O Filmis – Mais do que um trapalhão, um filho

Obs.: Esse texto pode conter leves spoilers

Chega às salas de cinema na quinta, dia 02 de novembro, o filme que conta a história de um dos personagens do quarteto de comediantes mais famoso da TV nacional: Mussum: O Filmis (2023) é baseado no livro Mussum – Uma História de Amor e Samba, de Juliano Barreto e acompanha Antônio Carlos Bernardes Gomes (o Mussum) desde sua infância até o estrelato, como integrante do grupo Trapalhões na TV, passando por seus dois casamentos e seus períodos como sambista e como militar.

Dividido em três fazes, podemos ver Mussum quando criança (Thawan Lucas Bandeira), em sua infância humilde e já demonstrando seu apreço pelo samba, sua grande paixão durante a vida inteira. Aqui, percebemos as dificuldades de uma criança que cresce em meio a uma comunidade, que tem seus sonhos tolhidos pelo apelo à segurança de uma boa profissão, e o esforço de uma mãe analfabeta (Cacau Protásio) para que o filho siga um caminho que ela julga ser o mais resguardado.

Em um segundo momento, encontramos “Carlinhos” (como era chamado antes de ganhar o apelido) já no início da vida adulta em sua breve carreira como oficial da aeronáutica. Nesse ponto, vivido por Yuri Marçal, é quando Mussum tenta engatar seu trabalho como sambista, mesmo que escondido da família, e decide largar a farda. Também é nesse período que ele conhece sua primeira esposa e tem seu primeiro filho.

Carlinhos se transforma em Mussum

É inegável que a biografia dirigida por Silvio Guindane possui diversos méritos. E um deles, certamente, é a ambientação. Cenários, adaptações, caracterizações: tudo feito de forma primorosa. Mas o maior destaque fica para as reproduções de cenas antigas refilmadas para o longa. É quase uma vigem no tempo (re)assistir os episódios que foram ao ar originalmente há 30, 40 anos, na TV.

Uma dessas cenas é o momento em que, atuando com Grande Otelo (Nando Cunha), Carlinhos recebe o apelido de Mussum. Nada confortável com a alcunha, o sambista se nega a ser chamado pelo nome do peixe e demonstra irritação cada vez que alguém o repete. Mas é trabalho inútil. O apelido pega e, não demora muito, surge o convite para atuar na Escolinha do Professor Raimundo.

Chamado pelo próprio Chico Anysio (Vanderlei Bernardino), Mussum vislumbra um ganho financeiro que poderia trazer para sua família a segurança que sua mãe sempre havia sonhado. Assim, a despeito da frustração de seus colegas do Originais do Samba, Mussum aceita o convite e dá início ao processo que o levaria em definitivo para a TV e para longe de sua carreira como músico.

Tão emocionante quanto engraçado

Quando você vai ao cinema para ver a biografia de um comediante, parece meio óbvio o que se vai encontrar: cenas hilárias e, talvez, até um pouco controversas a respeito da vida do protagonista. Detalhes que você não imaginava que existiam e polêmicas sórdidas. Não é o caso. Pelo menos, não como um todo.

Mussum: O Filmis traz ótimas cenas de riso e Ailton Graça, que dá vida ao personagem principal na fase mais velha, entrega o que eu considero seu melhor trabalho como ator dramático, numa caracterização que pode nos fazer confundi-lo com o verdadeiro Antônio Carlos.

Mas, para além das piadas, a química de Ailtom com Neusa Borges, que interpreta Dona Malvina, a mãe do comediante, em sua fase mais velha, e de Thawan com Cacau, na fase inicial da trama, nos apresenta cenas absurdamente comoventes! É impossível, para qualquer pessoa que tenha ou que já teve uma mãe, não se comover com Carlinhos ensinando Malvina a escrever o próprio nome ou com Mussum alimentando e cantando para a mãe debilitada, deitada em sua cama.

Ponto alto do filme, para mim, esse relacionamento. Apesar de parecer superprotetora, fica nítido que o cuidado excessivo de Malvina para com o filho era muito mais resultado do histórico de sofrimento (por conta de racismo e preconceito social) a que ela foi acometida a vida toda, do que qualquer espécie de narcisismo que se possa suscitar à personagem.

Uma ode ao samba e aos seus ícones

Seria muito difícil detalhar a passagem de Mussum pelo samba e pela TV sem elencar as pessoas que se envolveram com ele durante tal processo. E, como eu já disse antes, o trabalho de recriação de época não poupou esforços. Não à toa, Mussum: O Filmis recebeu seis prêmios Kikito no Festival de Gramado (entre eles, Melhor Ator e Melhor Atriz Coadjuvante, além de Menção Honrosa, por conta de suas caracterizações).

Nessa jornada, nos deparamos com Chico Anysio, Alcione (Clarice Paixão), Maurício Sherman (Paulo Mathias Jr.), Grande Otelo, Elza Soares (Larissa Luz), Jorge Ben (Ícaro Silva) e, claro, o restante do quarteto dos Trapalhões, Didi, Dedé e Zacarias (Gero Camilo, Felipe Rocha e Gustavo Nader, respectivamente). Isso sem contar os números musicais, que coloca à luz dos holofotes o grupo do qual Mussum fez parte! Dada a grande quantidade de referências, certamente eu devo ter esquecido de alguém nesta lista (peço desculpas, se for o caso).

Fato é que, merecidamente reconhecido pela crítica, como filme, a biografia entrega uma história comovente, mostrando relacionamentos com os quais facilmente podemos nos identificar – não se surpreenda se você sair da sessão com uma imensa vontade de tirar o telefone da bolsa e ligar pra sua mãe. Como biografia, talvez, ele fique devendo um tantinho, já que mostra, essencialmente, o lado positivo, afetuoso e dedicado de Mussum. Não é um filme que trata de assuntos polêmicos e nem acompanha o comediante até seus últimos dias, quando morreu, em 1994, durante um transplante.

Não julgo um demérito. Acredito, na verdade, que vale muito a ida ao cinema. A mensagem é positiva e enaltece pessoas e culturas negras. O saldo, no final, é bastante positivo.


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