Entre o Passado – O luto do que foi e que não foi

Uma reflexão intimista e poderosa sobre o luto de tudo que foi e de tudo que poderia vir a ser. Essa é a primeira descrição breve que me vem à cabeça quando penso em Entre o Passado (2021). A produção, com locação única, elenco reduzido e roteiro enxuto, assinado por Larissa Estevam e Ariel Nedehf, transborda uma diversidade de emoções surpreendente. 

Durante o velório de Maria Aparecida, sua filha Conceição retorna após longos anos longe de casa. A primeira aparição da personagem não é acompanhada de diálogo, mas já podemos ver que ela transborda um misto de sentimentos por estar no local, claramente desconfortável e abalada pelo retorno inesperado. A primeira troca de palavras com a tia já revela rancor e culpa, e nos minutos seguintes do filme vamos sendo apresentados a história de nossa protagonista e suas decisões passadas, que deixaram suas marcas na personagem e impactaram de maneira (talvez?) irreversível sua relação com a família. O ponto principal de conflito se dá com Anderson, prole de Conceição, porém filho afetivo de dona Maria Aparecida, sua avó de sangue. Entre farpas e acusações, ambos compartilham o sentimento da perda de uma mãe e, além, um outro tipo de luto, pela relação que nunca pôde ser desenvolvida entre eles. O tema do luto é representado com tanta verdade e intensidade que com certeza tocará a todos que já passaram por pelo menos um momento desses em suas vidas. 

A decisão de Conceição de abandonar a família após o nascimento do filho, enquanto ainda muito jovem, é uma realidade de muitas mulheres e abordada de maneira extremamente verossímil pela produção. A temática é trabalhada de uma forma densa e sensível ao mesmo tempo, de maneira que entendemos os atos da protagonista mas também vemos suas consequências naqueles ao seu redor. A dinâmica entre a personagem e seus parentes é intensa e permeada por sentimentos diversos. Embora os poucos diálogos sejam muito eficientes em nos passar o contexto daquela família, dos motivos e consequências da partida de Conceição, é no subtexto que grande parte da emoção se esconde. Apenas com olhares, os atores transparecem e dizem muito. As atuações são poderosas e cativantes, e o que não é dito pode ser pressuposto. Durante o curta, me peguei em diversos momentos reconstruindo momentos da vida da família que nunca foram mencionados verbalmente, mas que podem ser quase intuídos. Aqui, o roteiro, time de atores e direção trabalham de forma harmoniosa para nos contar muito mais do que aparentam em primeiro lugar. O resultado dessa sinergia é uma trama viva, que não parece uma história com começo, meio e fim, mas sim apenas um pequeno recorte, um trecho do drama de uma família que nos foi revelado por alguns minutos.

A direção de Larissa Estavam é, em si, um show à parte. Os enquadramentos, bem fechados, não trazem uma sensação de claustrofobia, mas nos aproximam tanto dos personagens que nos sentimos íntimos e próximos deles, gerando uma empatia instantânea. O espectador parece estar ali, na casa, acompanhando calado o desenrolar dos fatos.

Ao final, a trama de Entre o Passado não fala apenas de morte e perda, arrependimentos e culpa. Embora esses temas estejam evidentes em cada cena, cada olhar e cada frase dita, fica no ar uma esperança de recomeço. Laços há muito rompidos podem não ser reatados, mas outras relações podem surgir entre personagens que, após tantos anos passados, não são mais os mesmos, e podem estar dispostos a se reconhecer novamente e forjar uma nova história. Essa não é uma trama sobre partidas e finais, mas sobre uma volta para casa. Sobre retornos. Não é sobre fuga, mas sobre encarar as verdades que doem – e como doem. Por mais que a perda de um ente querido seja devastadora, a vida continua para quem fica e precisa reaprender a seguir em frente. E é justamente esse o sentimento que fica ao final do filme: daqui para frente, será um novo começo. Não um começo fácil nem agradável, mas necessário para que possamos continuar. E a estrada fica um pouco mais suave quando temos, ao nosso lado, aqueles que amamos – mesmo que nossas relações não sejam perfeitas.

Tocante, sensível, intenso e dolorosamente verdadeiro, Entre o Passado fisga o espectador de cara e permanece em nossas mentes muito depois de seu final.


Assista o filme completo aqui:


Victor Comenho

Jornalista, roteirista e escritor, apaixonado pela arte de contar histórias. Fã de narrativas de horror e suspense, perdido em mundos de fantasia e magia. Obcecado por musicais e dramas existenciais.


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