Loucas em Apuros – Uma escrachada comédia sobre a vida adulta feminina

Loucas Em Apuros (Joy Ride, 2023) conta uma surpreendente história de quatro amigas viajando pelo interior da China. Surpreendente, talvez, não pelo que as aguarda enquanto viajam, mas pela maneira como se escolheu contar essa história. Loucas Em Apuros não é uma comédia convencional, ainda mais quando se pensa em uma jornada protagonizada por mulheres.

A direção estreante de Adele Lim, que roteirizou Raya e o Último Dragão (Raya and the Last Dragon, 2018) e a comédia Podres de Ricos (Crazy Rich Asians, 2018), pende para o humor “proibido para maiores”, que o expectador deve estar bem mais acostumado a ver em filmes feitos, protagonizados e direcionados por e para o público masculino. E aqui ela acerta em cheio, colocando as personagens em situações super absurdas, mas com um texto que reflete muito da realidade de ser mulher, de ser uma pessoa asiática em terras americanas e de carregar o combo e ter essas duas características.

No filme acompanhamos Audrey, interpretada por Ashley Park, advogada com ascendência chinesa, única pessoa não branca de sua empresa (e a única mulher vista, na situação em que seus colegas de trabalho são apresentados). Audrey é uma advogada bem-sucedida que aguarda uma promoção para se tornar sócia. Essa oportunidade surge quando a empresa precisa firmar contrato como um cliente na China. Para seu patrão, que adora se afirmar como um “aliado”, Audrey seria a escolha perfeita por conta de sua origem.

Deduções firmadas em conceitos preestabelecidos

A questão é que, apesar de ser filha de chineses, Audrey foi adotada ainda bebê por um casal norte-americano, ou seja, ela sabe quase nada sobre seu país de origem. Assim, para ajudá-la nessa missão de trabalho, a advogada resolver levar, como intérprete, sua melhor amiga: Lolo (genialmente interpretada pela comediante Sherry Cola). Unidas desde a infância, a dupla se aproximou justamente por serem as únicas crianças orientais de sua cidade. De início, a decisão de apresentar as duas soa como uma atitude meio preconceituosa por parte de seus pais. Mas a amizade floresce, apesar as nítidas diferenças entre as garotas. 

Lolo, filha de chineses imigrantes em terras americanas, é autêntica, despojada e atrevida, enquanto Audrey é contida, dedicada e focada na sua carreira. A combinação já seria suficiente para formar uma bomba-relógio que explodiria a qualquer momento. Mas as coisas melhoram (ou pioram) quando se juntam a elas a prima de Lolo, Vanessa “Olho de Peixe Morto (a também comediante Sabrina Wu) e Kat (Stephanie Hsu), atriz amiga de faculdade de Audrey.

Assim, as quatro partem em uma jornada na tentativa de encontrar a mãe biológica da advogada, passando por toda espécie de situações absurdas e dispostas a romper de vez os estereótipos de “boa moça” que cercam as mulheres, principalmente as asiáticas.

“Loucas em Apuros” é desbocado, mas não é gratuito

Para os mais desatentos, o humor sem limites de Loucas em Apuros pode parecer que está lá apenas para chocar. Mas há algo de muito interessante em seu texto: a procura por si mesmo, por se (re)conhecer no mundo e as dificuldades de se tocar uma amizade frente aos desafios de ser uma mulher adulta. Entre tudo isso, ainda há espaço para criticar xenofobia e racismo, quando o roteiro e os diálogos ridicularizam situações do cotidiano que uma pessoa de origem asiática enfrenta – seja na confusão que pessoas brancas fazem entre chineses, coreanos e japoneses, seja na forma como nosso comportamento é excludente com pessoas que consideramos diferentes.

Audrey não se sente, nem chinesa, nem americana. Ela é vista como branca entre os orientais e como oriental entre os brancos. Estando juntas as quatro protagonistas, essas diferenças se acentuam, pois as quatro ostentam visões próprias sobre si mesmas, metas, reações e atitudes completamente diferentes diante das situações que lhe são impostas.

À sua maneira, cada uma delas enfrenta problemas únicos e, como amigas, todas esperam suporte umas das outras – ainda que, por um bom tempo, elas estejam, particularmente, tentando resolver suas próprias questões.

A surpresa não está onde a gente espera

É possível que você já saiba como um filme como esse termina. Qualquer filme que nos apresente amigos discutindo suas diferenças vai tentar nos passar a mensagem que, no fim do dia, a amizade verdadeira prevalece, não importa quais sejam os problemas. Mas esse não é o verdadeiro plot twist da trama.

Com uma reviravolta que muda tudo o que a protagonista pensava sobre si mesma, o final meio clichê de Loucas em Apuros é o que menos importa no filme. O foco, afinal, é na jornada coletiva das personagens. E é uma delícia vê-las evoluindo enquanto damos gargalhadas. Eu não acharia justo dizer que essa é uma “versão feminina” de Se Beber, Não Case (The Hangover, 2009), porque nunca achei interessante dizer que obras feitas por mulheres são “versões” de obras feitas por homens.

O filme de Adele Lim tem seus próprios méritos, uma assinatura única, e tenta mostrar mulheres como elas realmente são quando estão juntas: conversando sobre sexo, drogas, bebidas e pondo pra fora suas verdades – aquelas que, provavelmente, seriam julgadas se faladas com naturalidade em público, assim como homens, normalmente, já o fazem.

O que vamos encontrar aqui é a exposição dos estereótipos que as pessoas brancas criam de si mesmas, quando estereotipam pessoas não-brancas. A percepção das diferenças culturais entres os países asiáticos por essas próprias pessoas e muito, mas muito bom-humor, sem nenhuma preocupação com o choque que sua linguagem pode causar. Ou, talvez, focando justamente nisso.

Loucas Em Apuros, cuja versão brasileira do nome sofre dessa longeva falta de criatividade, que adora batizar de “louca” toda e qualquer comédia, é um filme super divertido, que consegue dosar boas pinceladas de drama, conflitos da vida adulta e uma deliciosa declaração de amizade incondicional.


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