Shrek 2 estreou em 2004. Todo mundo estava esperando por esse filme. Se você já tinha nascido em 2004, você estava esperando esse filme. Obviamente foi um sucesso e é até hoje considerado por muites – e por mim mesma -, o melhor da franquia. Nesse filme, em um momento completamente inesperado em que Shrek e Burro estão perdidos na floresta, surge ele, com a voz de Antonio Banderas, pelo laranja, chapéu emplumado e lógico, suas botas. Sua cena com olhos gigantes implorando para o ogro protagonista o levar junto na aventura se tornou sua marca registrada, a expressão “olhos do Gato de Botas” ficou cunhada desde então e ele roubou a cena no filme se tornando um dos mais queridos da franquia, ele mesmo, Gato de Botas.
Ele sempre foi tudo de bom, mas falando a verdade, se alguém pensasse em um filme spin off de Shrek, a primeira coisa que viria a cabeça, seria um filme do Burro, era o mais óbvio, ês fãs são enlouquecides pelo Burro. Porém, não me levem a mal, é um personagem ótimo, mas ele é muito mais um alívio cômico e um sidekick, companheiro do Shrek, é difícil imaginar ele sem o ogro. Por isso, um filme do Burro poderia ser um tiro no pé se feito de modo errado e cair nos erros de um Carros 2 (Cars 2, 2011), por exemplo, uma série de curtas para o Burro seria mais que suficiente, um filme ficaria cansativo e acabaria desvirtuando a personagem, claro, isso tudo na minha humilde, pessoal e intransferível opinião com a qual ninguém é obrigade a concordar.
Mas o Gato?! Ele sempre foi uma personagem que pareceu ter muito a oferecer, aquela personagem que você olha e pensa “eu preciso saber mais sobre esse cara”, ele é um gato que usa capa, botas e fala espanhol, minha gente, é claro que precisamos de mais dele!
Gato de Botas (Puss in Boots, 2011) veio então para contar a história de origem do personagem título, que era algo que gerava dúvidas, já que a Dreamworks Animation pegava esses contos de fadas e os usava de modos diferentes, nem sempre sendo fiel a sua versão original. Mas para, além disso, para esse filme foi criado um mundo dele e para ele, onde a personagem pôde brilhar à vontade.
O Gato do universo de Shrek é um perfeito swashbuckler, o herói de capa e espada, aquele tipo galanteador que resgata donzelas em perigo, sempre com muitas lutas de espada, piruetas, cavalheirismo e um senso de honra muito particular, já que muitas vezes essas personagens estão à margem da lei, o famoso ladrão honrado. Você já viu algum deles com certeza, Zorro, Os Três Mosqueteiros, Robin Hood, são todos heróis desse tipo e A Princesa Prometida (The Princess Bride, 1987), um excelente exemplo de filme do gênero, com histórias transbordando romance e sedução, mas com protagonistas cafajestes, anti-heróis/mercenários que não são maus, mas se tornaram foras da lei por conta das voltas que a vida dá.
E para Antonio Banderas não faltava experiência nesse tipo de obra, ele interpretou Zorro em A Máscara do Zorro (The Mask of Zorro, 1998) e A Lenda do Zorro (The Legend of Zorro, 2005) e ainda um pistoleiro chamado El Mariachi em A Balada do Pistoleiro (Desesperado, 1995) e Era Uma Vez no México (Once Upon a Time in Mexico, 2003), ele é basicamente um especialista e pode se divertir com esse repertório quando interpreta o Gato, e não faltam referências a esses filmes na animação.
O filme é dirigido por Chris Miller, já conhecido na empresa por ter dirigido Shrek Terceiro (Shrek the Third, 2007). O roteiro é de Tom Wheeler, que já tinha escrito roteiros para as séries O Império (Empire, 2005) e Surface (2005-2006) com David H. Steinberg que escreveu o roteiro de 2 American Pies e do curta O Natal do Shrek (Shrek the Halls, 2007), em colaboração com Brian Lynch que posteriormente faria parte do roteiro dos dois filmes de Pets e Will Davies que participou da escrita de Como Treinar o Seu Dragão (How to Train Your Dragon, 2010). E ainda conta com Guillermo del Toro como produtor executivo!
Falando de termos técnicos, o filme é impecável. 12 anos depois a animação continua lindíssima, os cenários foram muito bem construídos e pensados, quando o filme saiu eu o assisti no cinema em 3D e eu praticamente podia sentir os pelos do gato, o realismo é grande e a ideia era ser imersivo.
A estética mantém a direção de arte da franquia Shrek, mas agora ambientada em uma Espanha fictícia, o que mantém a ligação com a obra principal, mas não impede que o filme tenha uma identidade própria, mostrando mais uma vez o primor da Dreamworks para construir seus universos.
Contando também com muitas doses de western, filmes de faroeste, como bem colocou o próprio Banderas na época da divulgação, o filme vai ter muito de Sam Peckinpah e Sergio Leone em seu decorrer, ambos diretores aclamados por suas obras deste gênero.
A obra vai marcar a redenção de Chris Miller com o universo Shrek, ele sabe trabalhar e destacar o charme natural das personagens e mostrar o melhor delas ainda mais nas muitas cenas de ação, sem nunca desvirtuar quem são.
O elenco de voz original é estrelado, além de Banderas contando com, Salma Hayek como Kitty Pata Mansa e Zach Galifianakis como Humpty Alexandre Dumpty fechando o trio principal. A dublagem é excelente, com Alexandre Moreno como Gato novamente, Miriam Ficher como Kitty e Marcelo Garcia como Humpty, ambos os trabalhos são ótimos.
Como já adiantei, Gato de Botas tem uma identidade própria, que o faz ter uma coisas nova, ao mesmo tempo em que remete á Shrek, assim como sua temática, que não busca ironizar e alfinetar os contos de fada, mas contar uma boa história de aventura. Porém, assim como sua franquia de origem, o filme não é um conto de fadas ou uma história necessariamente mágica, ela traz personagens dos contos e tem elementos mágicos, mas continua com um pé forte no realismo.
Minha primeira alegria com o longa foi saber que a origem do Gato não seria como no conto original, com todo respeito ao senhor Charles Perrault, não tem nada a ver com a história do fazendeiro, seus filhos e todo aquele lance do Marquês de Carabás, nosso gato aqui é sim um malandro, mas não esse tipo de malandro. Na história do filme nosso felino ruivo está à procura de um trabalho, e recebe uma dica: o casal de criminosos Jack & Jill está de posse dos feijões mágicos – aqueles mesmo da história do João – e claro, plantando os feijões e chegando ao castelo do gigante, é possível encontrar a gansa dos ovos de ouro e assim, fazer fortuna. O dinheiro o interessa, mas fica claro logo de cara que existe algo pessoal no meio disso.
A busca pelos feijões e pelos ovos de ouro faz com que conheçamos dois novos personagens criados para o filme: Kitty Pata Mansa, basicamente uma versão feminina do nosso protagonista, uma ladra de mãos leves e muito sedutora, personagem original da obra e Humpty Dumpty, que vem de uma famosa rima da Inglaterra sobre um ovo antropomorfizado que cai de um muro, não você não leu errado, um ovo antropomorfizado. Lá fora a personagem é muito famosa e já fez ponta em vários livros e filmes com tema de fantasia, aqui ele um estrategista, o cérebro desse trio improvável que tem um passado doloroso de irmandade e traição com o Gato, também criado especialmente para o filme que para nós que não temos familiaridade com a rima, ajuda a nos afeiçoar mais ao personagem, conhecendo sua história desde o início.
Algumas pessoas questionaram as adições do filme por em Shrek termos personagens mais icônicas e mundialmente conhecidas, como Fada Madrinha e Os Três Porquinhos, mas o problema está justamente aí, Shrek já trabalhou com basicamente todas as personagens mais conhecidas dos contos de fadas, então para não pegar personagens já desenvolvidas, a ideia foi trazer nomes novos que no final acabaram funcionando muito bem, por se sustentarem sozinhos, sem se apoiar em histórias que quem assiste deveria conhecer previamente.
Os três partem em uma aventura sobre consertar os erros do passado e se redimir, com direito a muita ação, comédia e flamenco, tudo bem dosado e misturado. A história é boa, as piadas são boas e mais do que isso, inesperadas. O Gato de Botas em si já é um personagem excelente então a história não busca muito causar mudanças nele e sim contar sua história, sua aventura e coroá-lo como um herói do povo que não tem boa relação com as autoridades, assim como os já mencionados Zorro e Robin Hood, antes de ser contratado pelo Rei Harold no filme onde foi apresentado.
Kitty e Humpty são ótimas adições, não se tornam coadjuvantes á sombra do Gato, muito pelo contrário, ambos brilham de jeito próprio e o roteiro busca por isso, que essas personagens sejam lembradas e importem na narrativa. Óbvio, Kitty vai ser um interesse romântico, mas ela vem do mesmo mundo do Gato, não é boba e nem vai se deixar seduzir tão fácil, mas o foco mesmo é na relação com Humpty. A história dos dois não apenas se cruza como se une, eles buscam consertar os mesmos erros e se desculpar com as mesmas pessoas, mas falta em Humpty um aprofundamento maior que outras personagens da franquia Shrek já tiveram.
Eu me diverti muito reassistindo esse filme, e já estou cogitando até mesmo uma maratona Shrek. O sucesso do filme também rendeu uma serie animada, que eu não assisti, mas está disponível na Netflix chamada As Aventuras do Gato de Botas (The Adventures of Puss in Boots, 2015 – 2018) e com 6 temporadas, quase 80 episódios, pelo menos divertida ela deve ter sido, mas não influencia o universo dos filmes diretamente.
Além de abrir caminho mostrando que spin offs funcionam, já que três anos depois saiu o também divertidíssimo , cheio de ação e referências a filmes de espionagem Os Pinguins de Madagascar (Penguins of Madagascar, 2014).
Gato de Botas é um filme ótimo, muito caprichado e com uma história cheia de ação, aventura e comédia muito envolvente, perfeita para fãs de swashbuckler e de faroeste, ou simplesmente fãs do Gato de Botas.
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Bacharel em Cinema e Audiovisual, roteirista, escritora, animadora, otaku, potterhead e parte de muitos outros fandoms. Tem mais livros do que pode guardar e entre seus amigos é a louca das animações, da dublagem e da Turma da Mônica. Também produz conteúdo para o seu canal Milady Sara e para o Cultura da Ação TV.