Hana no Jikan – O Tempo da Flor – Temos Tokusatsu no Ceará

Existe fantasia no Ceará. Essa magia está nos locais, nas pessoas, nas obras literárias, performáticas, cênicas, musicais, também está no audiovisual cearense. Falar isso parece muito redundante nessa altura do campeonato mas às vezes é importante valorizar os caminhos assim como os objetivos finais. 

Pavimentando o caminho para a existência de grandes obras sobre fantasia houveram obras estudantis, utilizando-se dos recursos criativos para realizar as coisas como possível. 

Pensar o cinema como uma ideia na cabeça e uma câmera na mão, nada mais justo do que apontamos como produções estudantis de poucos recursos conseguiam trazer mirabolantes ideias à vida. Em 2016 estudantes da UFC trouxeram à vida uma história baseada em toksatusus (vindo do japonês ‘filme de efeitos especiais’), com viagens no tempo e luta entre gigantes. O gênero Toksatsu é conhecido por ser repleto de efeitos especiais e no estilo live action, podendo envolver histórias de heróis, magia, ficção científica em diferentes arquiteturas. Se atualmente não temos tantas obras de fantasia sendo feitas, imagina alguns anos atrás, de forma totalmente independente e por uma equipe de universitários. Hana no Jikan – O Templo da Flor é uma criação da Mirai Fantajii com a direção e roteiro assinados por Raphael Mirai

“A flor não se preocupa com o envelhecimento, com o vento que a leva quando perde sua raiz, não pensa no futuro em que estará no chão e nem no passado quando estava ligada à Terra. Deixa o tempo lhe atravessar. A flor é a senhora do tempo, e não o oposto. Tem em si o domínio sobre a duração.”

Logo de cara a história apresenta conceitos poéticos entre a flor e a sua relação com o tempo através de um texto sob uma tela preta. A autora dessa frase, nasceu em 1992 e faleceu em 2057 dentro da diegese da obra. Em nossa primeira cena vemos a protagonista Hana (Bárbara Sugizaki) recebendo o caderno e uma flor, flor essa responsável por possibilitar as viagens no tempo da nossa heroína durante sua missão. O mundo onde nossa história se passa é um mundo conhecido como Ishii no Sekai, esse mundo é ameaçado pela presença do maligno Irk (Léo de Oliveira) e a trajetória da série é focada nessa batalha entre o bem e o mal. 

Há toda uma construção cuidadosa de universo, especialmente se tratando da lógica por trás de viagens no tempo, apresentados ao longo dos quatro episódios disponibilizados da série no Mirai Fantajii Play. O papel de Hana como Ishii Senshi, uma de muitas protetoras espalhadas ao longo das diferentes épocas, é apresentado ao público ao longo dos episódios. Através dos conceitos não apenas narrativos mas estéticos desde a fotografia, passando pela direção de arte até a própria montagem e decupagem da série há enormes referências ao gênero tokusatsu. 

Mesmo não sendo a pessoa com maiores referências sobre o gênero em particular, vi muito de algumas animações da minha infância. Especialmente quando se falava do núcleo de antagonistas, a forma como o líder enviava seus lacaios para ir atrás da protagonista. Irk é esse mal que ameaça não apenas um tempo, mas toda uma dimensão, e ele tem à sua mercê várias outras almas para lhe servirem e métodos nem um pouco éticos ou indolores para estas agirem de acordo com sua vontade. Claro, houve pouca exploração da mitologia por trás desse personagem ao longo dos quatro episódios, mas há sim uma certa presença ameaçadora em cena digna de personagens de tokusatsu.

Hana no Jikan – O Templo da Flor é, para além de desejar ousar e realizar uma obra de tokusatsu no Ceará, sobre abordar também a viagem no tempo de uma maneira não tão explorada especialmente em obras nacionais. Não deve-se subestimar um trabalho de adaptação e criatividade como o tal meramente por não se tratar de uma obra de streaming, pois é em meio a necessidade onde as melhores coisas nascem. Inventividade é a arma daqueles fazendo cinema sem o orçamento de seriados da Netflix ou grandes filmes de Hollywood. Através de uma flor se viaja por mundos, por diferentes tempos, há uma poesia escrita na tela sobre como o tempo atravessa essas flores ao longo da série. 

Falando sobre poesia e criatividade, é importante pontuar o grandioso trabalho realizado entre a direção de fotografia e a direção da série. Assinada por Saulo Monteiro e Lully Pinheiro, a fotografia subverte os elementos do gênero tokusatsu trazendo uma tradução para uma realidade cearense e independente. Não feito de qualquer forma, os planos e movimentações fazem juz ao material de inspiração e outras obras do gênero existentes. Transbordando não apenas o conhecimento sobre a área de criação e fotografia, há um comprometimento com aquilo a ser criado. Com o passar dos episódios há uma transformação na execução da coisa, uma transformação na imagem perante os olhos do público e isso é ótimo de se ver. 

Assinados por Rafael Mirai e Artur Abreu, os efeitos visuais da série vão de ataques mágicos a cenários místicos e chegam até a uma luta de kaijus no episódio 4 do seriado. Como mencionado previamente não se vê muitas obras ousando como Hana no Jikan e outras do selo Mirai Fantajii sendo feitas no estado. Com elementos mágicos, pós apocalípticos, de ficção científica, Hana no Jikan – O Templo da Flor é um belo mergulho falando em cinema de gênero através da ótica e realidade do audiovisual independente. Os episódios do web seriado e outras obras cearenses estão presentes no Mirai Fantajii Play gratuitamente. É interessante passar pelos nomes presentes, não apenas no elenco, mas também na equipe técnica, reconhecendo ainda a aurora de pessoas que hoje são importantes profissionais de diversas áreas do audiovisual cearense.


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