Multiverso. Não é uma palavra nova, nem para a ficção nem para a ciência. Mesmo assim, é um artifício narrativo muito utilizado especificamente em obras de 2022. Seja como um filme ganhador do Oscar, uma sequência de um universo cinematográfico ou como vamos falar aqui uma obra brasileira seriada. Mila no Multiverso (2023 -) é uma série live action de ficção científica lançada pelo Disney+, explorando a relação da jovem Mila (Laura Luz) e de sua mãe enquanto viaja pelo Multiverso fugindo de misteriosas forças.
Constantemente me pego questionando onde estão as produções brasileiras de gênero. O cinema brasileiro é incrível sim e se beneficiaria muito de explorar os mais diferentes gêneros cinematográficos. É interessante ver como o seriado, mesmo sendo uma obra infanto-juvenil, bebe de muitas obras famosas de ficção. De Volta para o Futuro, Star Wars, são elementos às vezes bem sutis mas que integram a obra a tornando algo único em território nacional. Bem, aí que há alguns pontos negativos, a produção não parece ser exatamente nacional. Brasileira ou estadunidense, Mila no Multiverso se manteria a mesma obra. Isso se deve às vezes por ir com muita sede ao pote de referências de ficção científica e não usar tantos artifícios originais do patrimônio cultural e histórico do Brasil.
Elis (Malu Mader) é uma cientista, mas não sabemos muito sobre ela a primeira vista quando começamos a série, fora ela mexer com tecnologia e ter um aparelho relacionado ao multiverso. Interpretada pela atriz Malu Mader, a maior função da personagem é ser a mãe da protagonista por quem ela busca. A relação entre as duas é um tanto estremecida pelo fato de Elis estar sempre no seu mundo de tecnologia e não parecer dar muita atenção para a sua filha, à medida que o seriado avança podemos nos aprofundar na relação das duas. Toda essa dedicação da personagem de Malu Mader é melhor desenvolvida, especialmente como as diferentes Elis tem uma relação importante com as diferentes Milas ao redor do multiverso.
Nossa protagonista titular é interpretada pela atriz Laura Luz, estreante que garantiu em 2021 um grande trabalho não apenas para a Disney mas também para a GloboPlay. Sua personagem no seriado ganha, no seu aniversário de 16 anos, um misterioso aparelho que lhe permite viajar por entre vários universos. Há um certo carisma e inocência da personagem pelo qual responsabilizo tanto o roteiro quanto a bela escolha de elenco, pois o brilho no olhar da novata Laura Luz adiciona muito à obra. Apesar de ser uma jovem, a protagonista não é constantemente chata e repetitiva ou egoísta, algo bem raro para muitos personagens adolescentes em obras audiovisuais. A mesma falou sobre como as diretoras Julia Jordão e Jéssica Queiroz foram essenciais para o melhor aproveitamento de sua atuação em cenas, assim como as trocas com a atriz Malu Mader.
Equilibrando muito bem os dramas da protagonista e todo o caos em meio a dimensões sendo ameaçados por vilões com um misterioso objetivo, a série conta com oito episódios disponíveis no serviço de streaming da Disney. Se tratando desses antagonistas, responsáveis por desencadear toda a história de encontro e desencontro em meio ao multiverso de Mila e sua mãe, eles servem ao seu propósito narrativo. O maior dos problemas é mais por serem no geral a maior deficiência da direção de arte da série, parecendo apenas pessoas vestidas com aparatos de esporte pintados de preto. É bem destoante em meio a toda a concepção de arte para os novos universos, a qual foi extremamente bem trabalhada e inventiva. A inspiração em Stormtroopers de Star Wars é clara, só poderia ser melhor elaborado visualmente.
Levou um tempo para entender melhor o quanto a trama do seriado não era muito profunda em conceitos ou em seus personagens, até me lembrar de se tratar de uma obra infanto-juvenil. Os conceitos aqui apresentados não tem uma falsa pretensão de parecerem reais ou muito científicos, isso funciona bem para a obra. Os conceitos de diferentes universos não são de fato o foco da obra, mas sim as relações estabelecidas entre os personagens. Claro, não há um desenvolvimento de relações como em Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (Everything Everywhere All at Once, 2022), pois não é uma obra para o mesmo público. Mesmo assim, a série com certeza explora os conceitos de multiverso e também desenvolve melhor seus personagens do que a outra obra da Disney com ‘multiverso’ no nome lançada em 2022.
Quando se trata de elenco, o acerto continua com a obra trazendo nomes como Yuki Sugimoto, Dani Flomin e João Victor, como o grupo de amigos multiversais de Mila. A amizade é um teste quando você vai de um mundo para outro, o maior acerto aqui é mostrar como as relações são bem diferentes entre as dimensões. Yuki Sugimoto brilha como a melhor amiga de Mila em seu universo original, Juliana (Ju) e a brilhante inventora cuja a amizade precisa ser conquistada por Mila no universo onde ela vai parar. As interações de Sugimoto com Laura são realmente divertidas de se assistir, assim como as nuances e a personalidade da personagem Juliana. O personagem Vinícius/Vini, interpretado por João Victor interpreta o focado, mas apaixonado, rapaz, sempre tentando ficar focado na sua vida acadêmica mesmo que isso signifique sacrificar os seus sentimentos pelo seu namorado/ex. A naturalidade como a série trás um adolescente gay e a interpretação de João Victor é muito bem vinda, especialmente se tratando de uma obra de ficção-científica. Por último, completando o núcleo jovem temos Dani Flomin, o qual vou definir seu personagem como ‘peculiar’ tentando privar quem estiver lendo de qualquer spoiler. Interpretando Pierre, Flomin é parte integral da trama e compõe o núcleo de jovens protagonistas da série.
Mila no Multiverso trás uma história que surfa na onda atual de aproveitar o conceito de múltiplos universos, peca um pouco pela falta de identidade como produção brasileira, mas ainda assim se solidifica como uma ótima obra infanto-juvenil. Essa série está disponível no streaming Disney+ como a primeira série de ficção-científica nacional produzida e lançada pelo mesmo. Sua primeira temporada conta com oito episódios.
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Cineasta graduade em Cinema e Audiovisual, produtore do coletivo artístico independente Vesic Pis.
Não-binarie, fã de super heróis, de artistas trans, não-bináries e de ver essas pessoas conquistando cada vez mais o espaço. Pisciano com a meta de fazer alguma diferença no mundo.