Curtas de Animação Indicados ao Oscar 2023

Este ano a academia fez uma curadoria para a categoria de curtas-metragens de animação surpreendentemente 2D. Não temos nenhum curta inteiramente feito em 3D digital

A categoria sai do castigo em que foi colocada no ano passado e volta a ser exibida durante a premiação, porque claramente tinha sido uma ideia péssima remover oito categorias da noite para uma pré-premiação.

Sem filmes pesados ou com grandes experimentações dessa vez, todos seguem uma linha narrativa fácil de identificar e a maioria conta uma pequena história com início, meio e fim, mas todas muito cativantes, cada uma a sua maneira, e com suas técnicas específicas, alguns sendo mais fáceis de falar sobre do que outros. E novamente, os grandes e consagrados estúdios de animação estão fora da competição.


O Menino, a Toupeira, a Raposa e o Cavalo

(The Boy, the Mole, the Fox and the Horse, 2022)

Adaptação de um livro best seller homônimo escrito por Charlie Mackesy, O Menino, a Toupeira, a Raposa e o Cavalo é dirigido por Peter Baynton e pelo autor da obra original e contou com uma grande equipe espalhada por 20 países. O filme quase foi um longa, mas depois acabou sendo decidido por uma minutagem menor e com o apoio de grandes nomes da indústria do cinema é o favorito para levar o prêmio – e provavelmente o vai.

O curta com ares de O Pequeno Príncipe e Ursinho Pooh conta a história de um garotinho que se perdeu em uma floresta e com a ajuda dos animais que o acompanham no título tenta encontrar uma casa para viver.

A animação emula as ilustrações do livro e já é um show por si só, cada frame pode facilmente se tornar o fundo de tela do seu computador. Simples, porém delicado e fluído, o traço combina muito com toda a vibe sensível da animação e trabalha muito bem as cores em contraste com o fundo branco e nevado complementado pela linda trilha sonora. A voz original conta com grandes nomes e a dublagem brasileira não fica atrás, ambos os trabalhos são repletos de sutileza e cuidado, é fácil perceber o carinho das vozes com suas respectivas personagens.

Ao acompanhar a jornada desse grupo de amigos é impossível não se emocionar, enquanto buscam um lar para o garoto, eles vão falar sobre tudo e soltar vez ou outra frases para se pensar e refletir, sobre bondade, esperança, família, insegurança, em suma, eles conversam sobre a vida e como cada um se sente neste mundo. As falas podem parecer deslocadas ou gratuitas de início, talvez até forçadas, e na verdade talvez sejam isso mesmo, muites com certeza vão dizer coisas como “esse filme é uma coleção de frases de autoajuda e positividade”, mas a verdade é que mesmo tendo muitas falas desse tipo, para quem compartilha das inseguranças e medos das personagens, vai se sentir abraçade, entendide, acolhide, exatamente como as personagens são umas pelas outras ao longo dos 30 minutos de duração da obra.

O Menino, a Toupeira, a Raposa e o Cavalo pode ser assistido no Apple TV+ com legendas e dublagem em português disponíveis.


The Flying Sailor

(2022)

A still from The Flying Sailor by Amanda Forbis and Wendy Tilby, an official selection of the Shorts program at the 2023 Sundance Film Festival. Courtesy of Sundance Institute. All photos are copyrighted and may be used by the press only for the purpose of news or editorial coverage of Sundance Institute programs. Photos must be accompanied by a credit to the photographer and/or ‘Courtesy of Sundance Institute.’ Unauthorized use, alteration, reproduction or sale of logos and/or photos is strictly prohibited.

Na manhã de 6 de dezembro de 1917, no porto de Halifax, na Nova Escócia no Canadá, um navio francês repleto de explosivos colidiu com um navio norueguês. A explosão que o acidente gerou matou milhares de pessoas, feriu outras milhares e cegou algumas centenas. Mas no meio de toda essa tragédia, um causo curioso: um marinheiro foi lançado dois quilômetros no ar pela explosão e sobreviveu.

Dirigido e escrito por Amanda Forbis e Wendy Tilby, “O Marinheiro Voador”, em tradução livre, acompanha esse homem, lançado aos céus e sobre o que ele pode ter pensado e refletido enquanto voava.

Um curta simples, o de menor minutagem entre os concorrentes, com algumas imagens reais com intervenções em 2D, onde durante a maior parte do tempo vemos o protagonista girando no ar enquanto poeticamente imagens de sua vida e reflexões passam ao seu redor e por sua mente. Fazendo pequenos paralelos e metáforas como, por exemplo, um dia você soca alguém, e no outro é socado por uma enorme explosão. 

Um filme sobre como geralmente não pensamos em como as nossas vidas, as nossas existências são frágeis e efêmeras, mas nem por isso menos valiosas, nem por isso menos dignas, nem por isso valem menos a pena serem vividas e experienciadas.

The Flying Sailor pode ser assistido aqui, no canal do Youtube da The New Yorker.


An Ostrich Told Me The World is Fake and I Think I Believe It

(2022)

O representante do stopmotion na disputa e o meu curta favorito dentre os cinco. Escrito, dirigido e animado por Lachlan Pendragon, “Um Avestruz me Contou que o Mundo é Falso e eu Acho que Acredito”, em tradução livre, conta a história de Neil, um vendedor de telemarketing que percebe que está em um mundo de stopmotion e começa a questionar sua realidade.

Para mim o mais interessante na obra é a nossa visão. O filme não busca ser um stopmotion perfeito e polido, onde você esquece que aquilo foi feito por alguém, muito pelo contrário, o diretor quis que ao olhar para os bonecos fosse visível que aquilo é algo fabricado, irreal, então a tela tem dois níveis basicamente. A nossa frente está uma pequena tela de retorno, aonde vemos a animação final, mas ao fundo vemos um timelapse, ou seja, vemos os braços do animador movendo as personagens. Então é como se estivéssemos vendo um making of e um resultado final, tudo ao mesmo tempo.

Lachlan sabe usar bem a metalinguagem em sua obra e é impossível não se lembrar de obras como Matrix (The Matrix, 1999) ou O Show de Truman: O Show da Vida (The Truman Show, 1998), conforme além de perceber falhas em seu mundo, o protagonista começa a questionar sua própria vida, sua existência básica, a forma como é impossível progredir na empresa e a falta de profundidade na relação com seus colegas de trabalho. Sim, uma comédia divertida, mas que em suas camadas pode causar uma reflexão com a qual é bem fácil de se identificar.

An Ostrich Told Me The World is Fake and I Think I Believe It não está disponível no Brasil, mas o filme tem alguns uploads não autorizados por ai, em uma rápida busca é possível encontra-lo, apenas com o áudio original em inglês.


My Year of Dicks

(2022)

Inspirado no livro Notes to Boys: And Other Things I Shouldn’t Share in Public (Notas Sobre Garotos: e Outras Coisa que eu Não Deveria Compartilhar em Público, em tradução livre) escrito pela roteirista Pamela Ribon que também assina o roteiro do curta, produzido por Jeanette Jeanenne e dirigido por Sara Gunnarsdóttir, é uma animação em rotoscopia, coming of age, de amadurecimento,  que em seu título já carrega um trocadilho, já que “dick” em inglês – além de apelido para Richard – pode significar tanto pênis, como idiota/babaca. Então O título pode ser traduzido tanto como Meu Ano de Paus ou Meu Ano de Babacas, um leve spoiler do que está por vir.

O livro e o curta são baseados na vida da própria Pamela Ribon e quando em seus 15 anos durante os anos 90 ela estava determinada a perder sua virgindade e acabou tendo que lidar com a pior raça de todas, meninos adolescentes. 

As desventuras amorosas e sexuais de Pamela são retratadas de modo leve e divertido, misturando um pouco o modo como lidamos com esses eventos hoje com como lidávamos na época, para poder misturar o humor e o drama sem invalidar o que a protagonista sentia, sem também catastroficar tudo, como fazemos nessa fase da vida, com a animação assumindo novos estilos, aspectos e sofrendo intervenções conforme os sentimentos e situações em que a protagonista se envolve, evidenciando o que ela está sentindo ou pensando.

O processo foi todo feito a distância, então a própria equipe de animação e o elenco gravaram as cenas de referências, além de muitos vídeos feitos pela própria Pamela quando jovem que ela preservou e usaram fotos da casa de infância da autora para os cenários também, então para quem ainda pegou os anos 90, começo dos anos 2000, o filme é um prato cheio de nostalgia.

My Year of Dicks está disponível aqui no Vimeo, no canal da diretora, apenas com o áudio original em inglês, assim como um behind the scenes, mostrando como foi o processo de realização filme, e um making of, onde a roteirista, a produtora e a diretora conversam sobre o como a ideia surgiu e suas intenções com a obra.


Ice Merchants

(2022)

“Mercadores de Gelo”, em tradução livre, é escrito e dirigido por João Gonzalez e é o primeiro curta de animação português a concorrer ao Oscar e acompanha a vida de um pai e seu filho que moram no topo de uma montanha nevada, onde fabricam gelo para vender na cidade muitos metros abaixo.

Com seu estilo particular de cores e uma arte que vai muito para o exagero em alguns momentos, o filme chega a ter um aspecto onírico mostrando a rotina daquela pequena família solitária e como ela basta para as personagens, ali reside a felicidade, mesmo que assombrada por uma ausência, uma falta.

João incorpora muitas sombras e movimentos de câmera ousados no filme, muito bem complementados pela trilha sonora, tornando tudo ainda mais comovente e fortalecendo as metáforas e temas que a obra aborda de forma tão sutil e sem nenhum diálogo sobre família, saudade e solidão.

Ice Merchants está disponível aqui, no canal do Youtube da The New Yorker. Infelizmente não está disponível no Brasil, mas nada que usar uma VPN não possa contornar. E no canal de João Gonzalez é possível assistir a um making of em duas partes do processo de criação do curta, aqui e aqui.


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