The Last of Us (2023 -) está se aproximando da sua reta final e com a exibição do sétimo episódio deste último domingo, intitulado Left Behind(que em português ficou O Que Deixamos para Trás), podemos consolidar que já existe um padrão: sempre que os famigerados nerdolas reclamam muito do episódio, significa que ele foi maravilhoso. Foi assim com o terceiro episódio e foi assim com este que era um dos episódios mais antecipados pelo público, por se tratar da adaptação de uma história, de mesmo nome, que só pode ser acessada através da DLC do primeiro jogo.
Este texto contém spoilers. Continue lendo por sua conta em risco.
Depois de um episódio bastante focado nos conflitos de Joel (Pedro Pascal), nada mais justo do que mergulhar no passado de Ellie (Bella Ramsey) dessa vez. Esse é justamente o enredo da DLC e desse episódio, o passado de Ellie. Antes, reencontramos nossos protagonistas se protegendo do frio em uma casa abandonada, Ellie faz o que pode para socorrer Joel, mas sem muito sucesso. Joel, que saiu ferido do último encontro com saqueadores, usa o que lhe resta de forças para tentar mandá-la embora, talvez voltar para a segurança de Jackson, com Tommy (Gabriel Luna). Ellie se afasta e, por um breve momento, podemos até pensar que é isso que ela vai fazer, mas na verdade somos transportados para um flashback de seus tempos de escola na F.E.D.R.A.
Estamos em uma espécie de ginásio e Ellie acompanha os outros jovens que correm em volta do espaço sem muito empenho, ouvindo música em um velho walkman, até ser confrontada por Bethany (Ruby Lybbert), uma garota bem maior do que ela. Entendemos aqui a primeira informação importante da noite, Ellie não tem amigos. Ela tinha uma amiga, que não está mais ali naquele lugar. Depois de cair na provocação da outra menina e mandá-la para a enfermaria, Ellie é enviada para a sala do diretor, onde é obrigada a fazer uma escolha, parar de arrumar confusão e corresponder ao potencial que a organização vê que ela possui ou continuar se comportando mal e não ter outra alternativa a não ser receber ordens, provavelmente de pessoas parecidas com a Bethany. A figura do diretor aqui é interessante porque, apesar de representar uma instituição que sabemos ser fascista e opressora, ele não usa de força para punir Ellie, na verdade, ele nem a pune de verdade, apenas dialoga com ela. E, porque ele se importa? Ellie quer saber. Bom, porque ele vê nela uma possível líder, porque aquela pessoa acredita que está fazendo o que é certo, independente do que as pessoas falam ou pensam sobre a F.E.D.R.A, “nós sustentamos todo o resto”. Mais uma vez, a série reforça a intenção de manter sempre as coisas meio dúbias, nem totalmente ruins nem totalmente boas.
O quarto de Ellie é um amálgama de nostalgia e escapismo; vemos figuras de dinossauros, astronautas, suas revistas em quadrinhos e o volume um do livro de trocadilhos que a vemos lendo para Joel nos capítulos anteriores. Mas, apesar de estar rodeada de coisas que compõem o seu mundo e seus interesses, Ellie sente-se sozinha. A cama vazia do outro lado do quarto indica que ela costumava dividir aquele lugar com a amiga que não está mais lá. É visível que aquela ausência pesa pra ela. Seria de se esperar, então, que quando a tal amiga aparecesse em sua janela de surpresa, Ellie a receberia de braços abertos, né? mas, obviamente que não é bem assim, porque estamos lidando com uma personagem que não sabe como processar os próprios sentimentos.
Quando Riley (interpretada pela carismática Storm Reid) entra em cena é que o nosso flashback ganha vida de verdade. Para que o episódio funcionasse, precisávamos nos apaixonar imediatamente pela dinâmica entre as duas personagens e isso acontece com uma facilidade absurda. Graças às atuações marcantes e muito sensíveis de Bella e Storm, a química entre as meninas fica muito palpável, o que já nos deixa apreensivos, porque mesmo quem nunca jogou nenhum dos jogos, para chegar até aqui onde chegamos precisou entender que é perigoso se apegar aos personagens que conhecemos.
Pois bem, após uma breve discussão dentro do dormitório, Ellie é convencida por Riley a fugir das instalações da F.E.D.R.A. para viver a melhor noite da sua vida e ela aceita, mas só depois de se negar, é claro, como manda a cartilha de todo bom herói antes de uma grande aventura. E as duas seguem viagem para a surpresa que Riley preparou, pulando terraços, invadindo prédios e roubando garrafas de whisky de pessoas mortas, coisas comuns para adolescentes que vivem em um mundo pós apocalíptico, sem nunca deixar de se alfinetar pelo caminho, em um diálogo entrecortado que, mais uma vez, mostra a força do que não está sendo dito dentro da série.
A verdade é que Ellie está tentando lidar com uma mistura de sentimentos muito conflitantes dentro de si, ela está ressentida por ter sido abandonada sem maiores explicações pelo que deveria ser sua melhor amiga, mas também está muito animada, não só com seu retorno mas com o que lhe foi prometido. Ao mesmo tempo que ela não consegue esconder o desapontamento com a revelação de que Riley agora faz parte dos Vagalumes, a força armada adversária da F.E.D.R.A, mas embora ela consiga ser bastante vocal sobre isso, confrontando Riley o tempo inteiro sobre sua decisão, o que realmente a preocupa é que essa filiação significa obrigatoriamente um afastamento entre as duas, algo que ela não consegue sequer cogitar, por isso há uma certa necessidade em comparar as duas organizações, provar que uma é melhor do que a outra, como quando comparam as lanternas, por exemplo. Porque Ellie sente mais do que uma simples amizade por Riley, e nós notamos isso logo no começo, e ela precisa convencer Riley a mudar de ideia e voltar para F.E.D.R.A, que aqui significa, para ela, o convívio com ela.
E uma dupla camada de tensão vai crescendo entre as duas a medida em que elas vão adentrando o shopping abandonado, o local das grandes surpresas (sim, porque são mais de uma) que Riley preparou. Nada mais justo do que um episódio de descobrimento e amadurecimento de uma personagem se passar em um shopping. Descobrimos que o local ainda possui eletricidade e Riley, através da direção de Liza Johnson e fotografia de Ksenia Sereda, nos guia pela alegria e nervosismo genuíno de um passeio com sua melhor amiga, por quem você secretamente nutre uma paixão. Abrindo aqui um grande parêntese para exaltar o enquadramento da imagem acima em que as luzes e as vitrines das lojas remetem às cores da bandeira lésbica. Acompanhamos as duas amigas por todas suas descobertas pelos corredores, de escadas rolantes à aproximações desconfortáveis.
É debaixo das luzes de um adorável carrossel que entendemos um pouco as motivações de Riley. Diferente de Ellie, a ela não foram oferecidas as mesmas perspectivas de futuro, ela está prestes a fazer dezessete anos e pegar o seu primeiro trabalho dentro da F.E.D.R.A, o pelotão dos esgotos. Riley não só não concorda com as diretrizes daquele lugar como também não é valorizada dentro dele e, por isso, fugiu. Ellie parece compreender o ponto de vista da amiga e por um momento, parece que vamos esquecer os problemas e simplesmente curtir todas as atrações clichês de um encontro adolescente: as icônicas máquinas de foto instantânea, os jogos de fliperama, incluindo demonstrações épicas de fatality. Mas, embora as personagens estejam tão entretidas que não se lembram dos riscos do mundo em que vivem, nós somos lembrados dele, diferentemente da DLC, que por ter uma necessidade maior de ação, tinha mais inimigos na figura dos infectados, aqui só precisamos de um deles, basta um estalador perceber a presença delas para significar uma grande ameaça. Podemos traçar um paralelo igualmente trágico com a vivência LGBT no nosso mundo, para nós também nunca é totalmente seguro se apaixonar e demonstrar afeto e alegria em locais públicos, como um shopping por exemplo.
Não muito depois disso, Riley leva Ellie até o esconderijo em que esteve dormindo nos últimos dias e a presenteia com o volume dois do livro “Cem Trocadilhos” e seria tudo muito divertido se Ellie não descobrisse também, nesse mesmo esconderijo, um pequeno arsenal de bombas que funciona aqui como um balde de água fria, lhe despertando daquela noite, que parece ser um sonho, para a cruel realidade que se seguiria dali em diante, não só elas estariam separadas como seriam inimigas. Somente quando Ellie ameaça ir embora é que Riley revela a verdadeira motivação para todo aquele planejamento. Riley está de partida para Atlanta e Ellie não pôde ir junto. Tudo essa surpresa seria então uma despedida.
A dor de ser rejeitada e abandonada é muito forte, mas ainda assim não o suficiente para fazer Ellie ir embora. Afinal de contas, se ela fosse, ia desperdiçar as últimas horas que poderia ter com Riley, e talvez a última chance para realmente dizer o que sente por ela. Ela retorna, descobre a última surpresa – ou maravilha – do shopping, uma área de fantasias de Halloween, e as duas ensaiam uma conversa honesta e mais melancólica sobre toda essa situação. Meio que em uma última tentativa de salvar aquela noite, as duas dançam usando máscaras de Halloween ao som de uma música conhecida dos fãs da franquia de jogos, colocada aqui com outra roupagem, mais envolvente.
Provavelmente tomada pela coragem provinda da urgência, Ellie implora mais uma vez que Riley não vá embora, colocando toda a sua argumentação em um beijo. Temos pouco tempo para celebrar não só o beijo, mas o fato de Riley corresponder ao beijo, demonstrando ser um sentimento mútuo, antes que as coisas voltem a desmoronar. O estalador aparece, elas lutam como podem contra ele, mas acabam, ambas, sendo mordidas por ele.
Nós já sabemos que Ellie é imune, mas naquele momento elas não sabiam, não tinham como saber. O desespero e o desânimo que se abate sobre elas é de cortar o coração. Uma decisão muito acertada foi de não ter mostrado a transformação de Riley ou que Ellie teve que fazer depois que ela se transformou, fica tudo subentendido e tenho certeza que imaginar tal cenário já foi devastador o suficiente. É uma decisão que nos respeita e não apela para trazer a tristeza. Nos despedimos do flashback com as duas abraçadas e de mãos dadas, uma sem conseguir abrir mão da outra.
Quando voltamos então para o presente, entendemos ainda mais o desejo de Ellie em salvar Joel custe o que custar, não só isso como compreendemos sua tentativa desesperada de fazer um curativo em seu ferimento. Quando ela encontra linha e agulha e decide voltar para onde ele está, os dois dão às mãos, e Joel intimamente agradece por ela não ter ido embora. Independente do que aconteça dali para frente, pelo menos eles estariam juntos até o final, Ellie não vai abrir mão disso, nunca mais.
VEJA TAMBÉM
Crítica | The Last of Us – 1×06: Kin
Crítica | The Last of Us – 1×05: Endure and Survive
Roteirista e podcaster bacharel em Cinema e Audiovisual. Ex-potterhead. Escuta música triste pra ficar feliz e se empolga quando fala de The Last of Us ou Adventure Time. É viciado em convencer as pessoas a assistirem One Piece, apreciador dos bons clássicos da Sessão da Tarde e do Cinema em Casa e, acima de tudo, um Goonie genuíno.