Um dos filmes mais bem recebidos da temporada de premiações deste ano – concorre a 9 Oscars, entre eles Melhor Filme, Direção, Ator (Colin Farrell), Atores e Atriz Coadjuvantes (Brendan Gleeson, Barry Keoghan e Kerry Condon, respectivamente) e Roteiro Original –, Os Banshees de Inisherin (The Banshees of Inisherin, 2022) é a nova obra de Martin McDonagh, diretor, roteirista e dramaturgo britânico que já havia conseguido igual recepção com seu filme anterior, Três Anúncios para um Crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri, 2017). Seu filme atual, diferente do anterior, que era um drama pesado sobre uma mãe que busca justiça pela morte da filha, tenta retomar um pouco a comédia bizarra que o diretor apresentou em sua estreia – que também foi sucesso de crítica e lhe rendeu sua primeira indicação ao Oscar como roteirista –, Na Mira do Chefe (In Bruges, 2008). Além de terem em comum o tom, Os Banshees de Inisherin e Na Mira do Chefe partilham os mesmos protagonistas, Colin Farrell e Brendan Gleeson. Neste novo filme, eles são amigos de longa data que vivem em uma ilha na costa da Irlanda, nos anos 1920, quando Colm (Gleeson) decide, sem nenhum motivo aparente, deixar de falar com Pádraic (Farrell), o que surpreende não somente este como toda a pequena comunidade na qual eles vivem. Na busca por entender o que houve e retomar a amizade, Pádraic causa uma série de transtornos tanto em sua vida, como na de seu (ex)melhor amigo, de sua irmã, Siobhán (Kerry Condon), e do simplório Dominic (Barry Keoghan).
Através dessa premissa simples, McDonagh tenta fazer uma comédia de costumes e, ao mesmo tempo, busca questionar o porquê de mantemos determinados laços afetivos e como esses influenciam em nossa vida. No entanto, por uma série de escolhas equivocadas, as intenções se perdem no caminho. O primeiro dos grandes problemas do filme é a ausência de um ponto de partida sólido: apesar de em vários momentos a decisão de Colm ser questionada, não somente por Pádraic, e até mesmo dele tentar explicá-la, torna-se muito difícil para nós, enquanto espectadores, conseguir aceitar uma decisão tão radical tomada de forma tão aleatória. Há a insinuação de uma afetividade romântica entre eles, que se for analisada a fundo e com muita boa vontade poderia se concretizar como subtexto e mudaria bastante a perspectiva sobre o filme. Porém, até isso é tão sutil que fica difícil aceitar essa leitura. A única explicação dada – ele está cansado da simplicidade de Pádraic e deseja silêncio para viver – seria completamente aceitável se não houvesse uma escalada de drama e de violência tão absurda (e incoerente) a partir disso.
No entanto, até a violência seria entendível se o filme não pesasse no drama. Esse é o outro grande problema. A comédia, nas raras vezes que surge, é frágil demais para gerar mais que sorrisos amarelos. Essa sensação de desequilíbrio de tom acaba tornando o filme bem mais longo que suas quase 2h de duração, com a narrativa somente se acelerando nos 20 minutos finais.
Essas questões prejudicam uma obra que, de outro modo, mereceria a aclamação que vem tendo, já que tecnicamente é um belo trabalho – com destaque para a trilha sonora e a fotografia, ambas nos imergindo em uma Irlanda ao mesmo tempo crua e onírica –, assim como o elenco entrega atuações irrepreensíveis, destacando-se Kerry Condon, que transforma sua Siobhán na personagem mais bem escrita e interessante do filme, uma mulher presa em um lugar (físico e emocional) que não a enxerga como ela é: inteligente, decidida, forte, gentil. A sua libertação, e consequente partida para uma vida além daquele lugar, é o melhor momento do filme e deixa em nós um desejo de acompanhar essa personagem por mais tempo. Também Colin Farrell e Brendan Gleeson têm suas chances de brilharem, com o primeiro mostrando claramente, mas com sutileza, a transformação pelo qual seu personagem passa, enquanto o segundo transmite uma melancolia e um senso de propósito que poderiam ser comoventes se ele não fosse sabotado pelo roteiro, num registro bem diferente de seus trabalhos usuais.
Isso mostra que McDonagh sabe conduzir muito bem seu elenco, mas que seus roteiros possuem falhas que, em maior ou menor grau, prejudicam a experiência com seus filmes. Isso já era visível em Três Anúncios para um Crime, que no conjunto funcionou muito bem, mas que tinha uma ou outra decisão narrativa, no mínimo, questionável (como a “redenção” inexplicável de um personagem racista). Em Os Banshees de Inisherin, infelizmente, essas decisões equivocadas se sobressaem às qualidades do filme. E, independente da aclamação da crítica e das premiações, é só mais uma obra de potencial desperdiçado.
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Cineasta e roteirista, formado em Letras e graduando em Cinema, respira literatura, filmes e séries desde que se entende por gente. É viciado em sci-fi e terror, e ama Stephen King, Spielberg e Wes Craven. Tem mais livros em casa, e séries e filmes no computador de que seria humanamente possível ler e assistir, mas não vai desistir de tentar. Não consegue lembrar o que comeu ontem, mas sabe decorado os vencedores do Oscar de melhor atriz do últimos trinta anos (entre outras informações culturais inúteis).