É complicado saber, sem uma pesquisa minuciosa, desde quando, exatamente, o apreço pela vida das celebridades se tornou tão notório interesse do público. Para além dos filmes em que atuam, dos discos que lançam, das músicas que compõem, o que artistas, pessoas famosas ou até mesmo os bilionários midiáticos fazem quando não estão em sua área de atuação é tão importante quanto – ou, algumas vezes, até mais do que – seu trabalho propriamente dito.
E, naturalmente, como faz parte de suas vidas, suas mortes também se tornam notícias e atiçam a curiosidade da massa, ainda que parte dessa massa não seja seguidora de quem quer que seja o famoso que venha a morrer. Mesmo hoje eu tenho a nítida lembrança de quando foi noticiada a morte polêmica de Whitney Houston, aos 48 anos, em 2012.
Inicialmente cercado de mistérios, o fato ocorreu em 11 de fevereiro daquele ano. Dias depois foi divulgado que em sua corrente sanguínea foram encontrados 5 tipos de drogas: maconha, difenidramina, alprazolam, ciclobenzaprina e cocaína, confirmando que a causa da morte não foi “acidental”.
Eu não consigo dizer o quanto disso é planejado, o quanto é coincidência, mas chega aos cinemas no dia 12 de janeiro deste ano, a um mês do aniversário de 11 anos da morte da cantora que foi considerada “A Voz” da América, o filme I Wanna Dance With Somebody – A Hitória de Whitney Houston (I Wanna Dance With Somebody, 2022).
Interpretada aqui pela muito talentosa Naomi Ackie, que você deve conhecer por Star Wars: A Ascensão Skywalker (Star Wars: Episode IX – The Rise of Skywalker, 2019), Whtiney nos é mostrada com uma disciplinada cantora, dedicada mãe e, acima de todas as coisas, uma filha muito, mas muito esforçada.
Eu não preciso pensar muito pra entender o trabalho que deve ser pra um roteirista ou para um diretor tentar dividir um roteiro que conta a vida de uma artista tão grandiosa, tão querida e, ao mesmo tempo, com uma vida tão polêmica, envolta em relacionamentos abusivos (dos próprios pais, inclusive) e numa queda vertiginosa de carreira ocasionada pelo uso excessivo de drogas.
No filme, acompanhamos Whitney desde sua adolescência, quando ainda cantava na igreja e era backing vocal de sua mãe, a cantora Cissy Houston, vivida aqui por Tamara Tunie. Passamos pela sua descoberta, sua voraz ascensão, seu sucesso estrondoso e, claro, o desgaste de seu casamento, de sua voz e de sua saúde. Muito embora eu tenha dúvidas se não foi investido tempo demais da trama nessa parte menos glamourosa da vida da cantora.
Obviamente, nem tudo é verdade – ou inteiramente verdadeiro. Mas o essencial foi preservado: o talento indiscutível de Whitney Houston. E me deixou feliz perceber que o filme termina, não com sua morte, mas homenageando um dos momentos mais icônicos de sua carreira: a apresentação do medley cantado no American Music Awards, em 1994. Mesmo momento que abre o filme.
E se você percebeu uma semelhança com Bohemian Rhapsody (2018), isso não é mera coincidência. Os dois filmes têm o mesmo roteirista: Anthony McCarten que, apesar de ter adotado analogias parecidas nos dois casos, me pareceu que foi bem mais duro em se tratando de “I Wanna Dance…”
Quase a segunda metade inteira do filme é dedicada aos problemas pessoais da cantora. E, muito embora haja uma clara intenção de mostrar uma certa, digamos, “redenção”, ainda ficou muito sutil a divisão entre “culpabilização da vítima” versus “todos ao meu redor me sugando sem limites”.
E digo isso, porque, para mim, seria um caminho muito óbvio a fuga da realidade por meio do uso de drogas quando, em dado momento da sua vida, você percebe que quase todos ao seu redor vivem de sugar você e seu talento e seu dinheiro… E que não dão a você sequer o direito de se sentir frágil quando você passa por um momento complicado como a perda de um filho, ainda na sua barriga.
Mas um mérito que certamente não pode ser negado a esse filme é a coragem de tratar com naturalidade a sexualidade de Houston, veementemente ocultado pelos pais, extremamente católicos e que morria de medo de que o fato prejudicasse a carreira da filha, sua galinha dos ovos de ouro.
E aqui Robyn Crawford (Nefassa Williams) é o “Grilo Falante” de Whitney, passando boa parte de sua vida acompanhando a “ex-amada” (e depois melhor amiga) tentando protegê-la da melhor forma que pôde, inclusive do marido, o polêmico Bobby Brown (Ashton Sandres), violento, alcoólatra e que chegou a ser preso por porte de drogas em 2002.
Por fim, I Wanna Dance With Somebody é um filme longo, cujo tamanho pode ser sentido enquanto se assiste, mas também é uma ode aos grandes sucessos de Whitney Houston e ressalta várias vezes seu imenso talento vocal e o quanto sua passagem pelo mundo da música foi importante pra história dela. Whitney quebrou vários recordes ao longo da carreira, se tornou a vocalista mais premiada de todos os tempos e foi, sem sombra de dúvidas, a maior voz de sua geração. Independentemente de qualquer coisa, o filme já vale apenas pela trilha sonora.
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Gay, Nerd, jornalista e podcaster. Chato o suficiente pra achar que pode se resumir em apenas quatro palavras. Fã de X-Men e especialista em Mulher-Maravilha. Oldschool – não usa máquina de escrever, mas bem que poderia. There’s only one queen, and that’s Madonna!