Já é praticamente canônico que adaptações de jogos de videogame para o audiovisual são fadadas ao fracasso. Um dos responsáveis por essa “fama” é um cara chamado Paul W.S. Anderson. O diretor é culpado por pérolas como Mortal Kombat (1995), o recente Monster Hunter (2020) e, claro, quatro dos seis filmes da franquia Resident Evil – o primeiro e os três últimos -. Inspirado em uma das mais famosas franquias de games de todos os tempos, os filmes de Anderson acabam aproveitando apenas uma certa premissa de seu material de origem e descamba pra algo completamente diferente dos jogos, ganhando vida própria e se tornando tão ruins que dão a volta e acabam divertindo um público (como eu), ao mesmo tempo que mata de ódio os fãs gamers. Além desses Resident Evil ainda teve algumas outras tentativas de adaptação, algumas animações e um filme de 2021 que tenta respeitar suas raízes (e de certa forma até consegue se aproximar levemente disso), mas nenhuma bem sucedida.
Até que a Netflix anuncia uma série original baseada nos jogos, e com o anúncio a promessa de uma nova tentativa de levar ao audiovisual algo aceitável. Entretanto, mais uma vez, a maldição do Vírus T parece ter atacado novamente mais esta adaptação, e o que tivemos foi uma desastrosa tentativa de continuação/spin off dos jogos, extremamente confusa e mal elaborada.
Em Resident Evil (2022) temos um enredo dividido entre dois períodos de tempo. O primeiro se passando após alguns anos do surto que acarretou na destruição de Raccon City pela Umbrella na tentativa de deter uma infestação zumbi no resto do mundo (ou seja, os eventos dos três primeiros jogos da franquia). Aqui temos um Albert Wesker (Lance Reddick) chegando à cidade de New Raccon com suas duas filhas adolescentes, Jade (Tamara Smart) e Billie (Siena Agudong). A nova cidade foi construída pela Umbrella na África do Sul para abrigar seus funcionários e para que a corporação continuasse realizando suas empreitadas no ramo da “biotecnologia”. Enquanto isso, no outro tempo, temos um período bem mais à frente, quando o mundo parece já ter sido afetado quase que por completo pela epidemia que transforma pessoas em zumbis, e nele temos uma Jade mais velha (Ella Balinska) pesquisando o comportamento das criaturas e tentando sobreviver naquele caos.
Por melhor que tenha sido a intenção de Andrew Dabb, desenvolvedor e um dos roteiristas da série, nos oito episódios que compõem a temporada, é lamentável a confusão em que o espectador é metido desde o primeiro momento. No tempo mais ao futuro, mesmo que em muitos momentos nos lembramos dos filmes de Paul W. S. Anderson, há um potencial: o clima apocalíptico e as cenas de ação são sempre uma oportunidade ótima de entretenimento, mas quando se inicia uma perseguição extremamente mal montada, com sequências dolorosas de se assistir, toda a esperança em uma possível boa adaptação se esvai rapidamente, e quando o arco de New Raccon começa a ser desenvolvido percebemos que a tentativa de criar um drama escolar adolescente em meio a algum mistério sobre Wesker, é ainda pior.
Além de um roteiro esdrúxulo e mal aproveitado, ainda temos personagens extremamente caricatos que parecem ter saído de alguma comédia de gosto duvidoso, destoando completamente de um certo clima de drama que o enredo tenta sem êxito desenvolver em ambos os arcos. A vilã, Evely Marcus (Paola Nuñez), CEO da Umbrella, é algo entre o patético e o medonho, protagonizando alguns dos momentos mais vergonhosos da série (entre muitos), e suas motivações são as de um vilão de uma produção infantil sem o menor resquício de imaginação. A introdução de novos conceitos (que pelo menos eu que joguei os quatro primeiros jogos não conhecia) na mitologia do universo parecem ter sido tirados de algum folhetim barato de ficção científica e jogados sem nenhum cuidado na série, desperdiçando qualquer possibilidade de acrescentar algo minimamente interessante ao que já tínhamos no material de origem.
E nem vou perder meu tempo esculachando os “efeitos especiais”, já que o tempo que perdi assistindo já é meu limite. Resident Evil é mais uma desastrosa tentativa de adaptar essa franquia tão clássica e querida, e arriscaria dizer que foi a pior delas, me fazendo olhar até com mais benevolência para os filmes de Paul W. S. Anderson.
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Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.