Top Gun: Maverick – A glorificação do macho hétero revisitada

Ao lado de Brad Pitt e Leonardo DiCaprio, Tom Cruise é um dos poucos astros hollywoodianos que ainda mantém a fama que adquiriu no final dos anos 1980, com um nome reconhecível para as novas gerações e, consequentemente, com o poder de vender um filme apenas com o seu nome – ainda que as bilheterias mais expressivas que ele conseguiu nas últimas décadas tenham se restringido à série Missão: Impossível. No entanto, diferente dos outros citados, ele parece ter deixado de lado a vontade de ganhar prêmios (principalmente o Oscar, claro) e resolvido focar em manter seu nome em alta com projetos de grande orçamento, voltados para a ação e ficção científica. 

Quero deixar claro que não vejo nenhum problema nisso, porque, tirando um ou outro trabalho medíocre (como Rock of Ages e a nova versão de A Múmia), são filmes de entretenimento de alta qualidade, principalmente os que fazem parte da citada série Missão: Impossível, ou no caso de No Limite do Amanhã (2014), só para ficarmos em obras da última década.

Apesar desse foco em blockbusters, fiquei surpreso com a notícia de que Top Gun – Ases Indomáveis (Top Gun, 1986), o primeiro grande sucesso de sua carreira, ganharia uma continuação, mais de 30 anos depois. Por ser um filme com uma narrativa tão contida em si, sem muita margem para uma história que trouxesse algo de novo sobre os personagens, acreditei que seria apenas mais uma obra a se aproveitar da onda de saudosismo e reverenciamento dos anos 1980 surgida na década passada.

Com a estreia de Top Gun: Maverick (2022), parte do que imaginei estava correto: realmente, há bastante saudosismo no filme, e ele reverencia o filme original como parte de uma época mais simples e, teoricamente, melhor. Por isso, é cansativo, em pleno 2022, mais uma vez assistirmos a história do macho branco e hétero que não segue as regras e é “punido” (não ser reconhecido como o macho alfa poderoso é o que eles acreditam ser uma punição) por isso. E por ser esse homem “transgressor”, somente ele consegue ensinar aos outros (principalmente aos mais jovens) como viver a vida corretamente.

No filme, Pete “Maverick” Mitchell (Tom Cruise) é um veterano da Marinha dos EUA que participa de um programa do governo como piloto de testes. Após contrariar ordens que buscavam encerrar esse programa, ele é enviado, como forma de castigo, de volta à Top Gun, um curso de formação de pilotos do qual ele já havia participado no começo da carreira (e no primeiro filme, claro). No entanto, dessa vez ele assume o cargo de instrutor, com o objetivo de treinar um grupo para uma missão que visa destruir uma usina nuclear que está prestes a entrar em funcionamento, e que pertence a uma nação estrangeira. Entre os pilotos que irá treinar, ele reencontra Bradley “Rooster” Bradshaw (Miles Teller), filho de seu falecido amigo Goose (Anthony Edwards), cuja morte, ocorrida no filme anterior, Maverick se responsabiliza. Além disso, ele reencontra também Penny (Jennifer Connelly), com quem teve um relacionamento no passado. 

Apesar de termos essa narrativa tão antiquada e repetitiva – que é uma variação da história do filme original e já soava velha naquela época –, Top Gun: Maverick é um filme bem melhor que seu antecessor, tanto a nível dramático quanto na própria forma como é filmado. Ainda que repita o clichê do veterano sábio ensinando os jovens arrogantes e imaturos, a narrativa é fluida, e, mesmo utilizando todos os clichês possíveis para esse tipo de história, consegue envolver ao não pesar demais a mão nos momentos mais dramáticos. 

Além disso, o trabalho do diretor Joseph Kosinski é muito mais eficiente e discreto que o do falecido Tony Scott, diretor do filme original. Ainda que vez ou outra ele caia na tentação de emular Michael Bay (com tomadas de trabalhadores ao por do sol que só servem para glorificar as Forças Armadas dos EUA), as cenas de ação são excelentes, com uma fotografia (ainda mais quando vista em IMAX) que transforma até mesmo o rosto de Tom Cruise numa paisagem a ser explorada. Nas cenas aéreas, a montagem permite que saibamos com clareza o que ocorre, e apesar da óbvia evolução dos efeitos visuais em relação ao primeiro filme, fica visível também como esses efeitos apenas complementam o que foi filmado em locação (e por locação, incluo os aviões reais que foram pilotados).

Acima dos defeitos e qualidades do filme, o que realmente sobressai, e aquilo que mantém nossa atenção durante todo o tempo, é aquele que abre esse texto: Tom Cruise. Não é à toa que esse Top Gun leva o nome de seu personagem no título, já que toda a narrativa é concentrada nele, diferente do filme original, que ainda encontrava espaço para desenvolver (pouco, é verdade) outros personagens. Excelentes atores como Miles Teller e Jennifer Connelly ainda se esforçam para sair do clichê com o pouco material que têm, mas o show é mesmo de Tom Cruise. Felizmente, ele, além de astro, é ótimo ator, que só melhora com a idade, e isso é essencial para que possamos torcer por Maverick mesmo ele sendo a já citada glorificação do macho branco hetero. Há um pequeno esforço para que isso não seja tão forte e escancarado quanto no Top Gun original, mas, se não fosse o bom trabalho do ator e a direção de Kosinski, seria difícil para quem não é público-alvo do filme – os saudosistas da tal época mais “simples” e/ou fãs do primeiro filme – conseguir se envolver com uma história que só regurgita outras já vistas centenas de vezes.

Claro que o grande público, que só busca um par de horas de diversão, vai se sentir em casa com o filme. Mas permanece o questionamento: até quando serão gastos milhões e milhões de dólares nessas narrativas que apenas se repetem, sem entender e nem assimilar as mudanças de cada época?


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