Bel-Air – Uma página novinha em folha

Essa é uma história sobre como a vida de Will Smith virou de ponta cabeça, mas não, não estamos aqui falando de um tapão injustamente prejudicial ao ator ganhador do Oscar, mas sim do seriado Bel-Air (2022 -). Baseado em Fresh Prince of Bel-Air (1990 – 1996), mais conhecido aqui no Brasil com Um Maluco no Pedaço, obra na qual o ator Will Smith estreou e protagonizou como um personagem homônimo a si. Foi essa a série responsável por ter começado a carreira bem sucedida do ator, um dos grandes astros das últimas décadas. Recentemente a mesma recebeu um especial com a reunião do elenco no HBO Max e gostaria de começar  texto falando sobre se você espera uma comédia como a série original, estará se decepcionando e desperdiçando uma grande obra dramática que é Bel-Air.

Partindo do mesmo conceito do seriado original, acompanhamos a história de Will Smith (Jabari Banks) quando, após uma violenta briga, ele termina preso e quando solto, graças a ajuda de seu tio Phil (Adrian Holmes), o protagonista é ameaçado de morte por um criminoso local de sua cidade natal. Não se trata só de uma briga ou falta de responsabilidade, o personagem principal é forçado a se mudar e viver com sua família mais abastada em Bel-Air para se manter vivo. A ideia de reimaginar o seriado de comédia com uma temática mais direcionada ao drama veio do curta dirigido por Morgan Cooper de mesmo nome. Ele é um dos desenvolvedores do seriado, ao lado de Malcolm Spellman, TJ Brady e Rasheed Newson.

Tentando ao máximo me distanciar da ideia de comparações, acho importante ressaltar como, mesmo sendo uma comédia, o seriado original é extremamente importante, abordando assuntos relacionados a racismo, especialmente para a época que foi lançado. É exatamente por isso que a inventividade como assuntos atuais relacionados a racismo, meritocracia, pertencimento e abandono parental são abordados e tecidos ao longo da temporada da nova versão. Nessa reinvenção podemos mergulhar mais nos conflitos destes personagens e também os trazer para um novo contexto e uma perspectiva mais realista. Tendo Will Smith, o personagem, como protagonista, Bel-Air ainda se solidifica como um seriado sobre uma família negra e rica em meio a um mundo ainda racista. Com o passar do tempo o racismo presente na sociedade não mudou muito e a luta ainda é constante, é importante levar em consideração isso quando pensando sobre o seriado. 

Levando em consideração o racismo presente na sociedade, é importante ressaltar como o seriado foca muito em nomes negros não tão conhecidos em Hollywood. O elenco não é repleto de pessoas famosas, na verdade, grande parte dele é formado por atores e atrizes que não são grandes nomes conhecidos. Qual a relação disso com racismo? Bem, estruturalmente as obras audiovisuais americanas optaram por ignorar talentos negros e a ideia de dar cada vez mais visibilidade para mais talentos negros. Se a indústria cinematográfica continua com inúmeros brancos sendo indicados nas mais diversas premiações, nos mais variados papéis, cabem muitos mais talentos negros na indústria. Bel-Air trabalha muito bem com estes talentos, e espero que isso possa significar ver cada vez mais papéis sendo ocupados por esse elenco.

Em 2022 trazer uma série tão focada em negritude e o que significa ser uma pessoa negra, mesmo de classe alta, nos EUA é extremamente relevante, e levar em consideração a violência policial e a história do protagonista é fundamental. Tornando as coisas mais complexas que isso, a série nos traz o interesse amoroso de Will na forma da personagem Lisa, interpretada por Simone Joy Jones, filha de um policial. A história trás nuances sobre a luta do povo negro nos EUA, não sendo exatamente um condutor da mesma, mas no final valorizando a história do movimento e a luta neste sentido. Essa questão contra a violência policial cada vez mais tem ganhado força no audiovisual, após os acontecimentos trágicos de 2020, e o personagem do tio Phil, fazendo uma corrida política, é empurrado a levar em consideração seu posicionamento quanto a polícia. A modernidade da série funciona muito bem, não apenas no quesito enredo mas no quesito adaptação. 

Quase como uma nova mídia, Bel-Air em sua primeira temporada consegue pegar elementos de sua série de origem e lhes dar uma pegada mais realista e dramática. Novos arcos servem para dar mais camadas a personagens normalmente postos na trama apenas para servir seus propósitos narrativos. Existem muitas obras, modernas e mais antigas, que falham em criar seus personagens e lhes darem uma tridimensionalidade para além de servirem apenas a uma trama. A rivalidade entre Carlton Banks e seu primo Will, por exemplo, com Carlton sendo interpretado por Olly Sholotan, mergulha cada vez mais em problemas do ‘antagonista’ e o faz mais relacionável para uma audiência no ano de 2022. É muito bem vinda a relação de como os personagens desenvolvem melhor sua fraternidade, apesar de conflitos iniciais, dando camadas realistas não apenas para a relação, mas também para seus personagens e possibilitar a abordagem de temas importantes como ansiedade e abuso de substâncias pela série. 

Quanto às suas personagens femininas, cada uma se mostra extremamente diferente da anterior e o seriado faz isso de vários pontos de vista, carreira, vida familiar e também a vida amorosa. A atriz Cassandra Freeman interpreta aqui a tia Viv, que no seriado original foi interpretada pelas atrizes Janet Hubert e Daphne Reid, não apenas a matriarca da família Banks, mas uma artista. Uma artista com uma relação complicada com seu trabalho nas artes, envolvendo sua família e o significado de ser uma artista negra no meio artístico no geral. Como sua relação com a arte afeta o seu relacionamento como mãe e esposa é totalmente abordado na série, de uma forma até bem responsável e podendo trazer uma visão ao mesmo tempo realista e também otimista. Sua filha mais jovem, Ashley (Akira Akbar), tem um enredo extremamente simples, de estar apaixonada e como lidar com essa paixão. Sem entregar muito, a série é extremamente cuidadosa abordando o que significa ser jovem e estar apaixonada, assim como uma visão moderna da juventude sobre sexualidade e gênero. 

Dois dos personagens cuja as maiores contribuições na série original eram servir de alívio cômico puderam passar por uma importante repaginada para essa versão moderna. Eles são Hillary, a filha mais velha da família, e Geoffrey, mordomo dos Banks. Em vez de uma socialite mimada, nossa Hillary (Karyn Parsons)  não é completamente daquela forma e acostumada a gastar o dinheiro dos pais, ela busca exatamente sair das mãos da sua família e conquistar sua independência e está frequentemente em conflito com sua mãe. Já o mordomo assume um papel completamente diferente, em vez de lidar com a bagunça causada pela família, Geoffrey (Jimmy Akingbola) é originalmente da Jamaica e cresceu em Londres. Seu trabalho no seriado é lidar com o trabalho sujo necessário para seu chefe, Philip Banks, e proteger a família usando de meios nem sempre muito convencionais.


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