Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore – Correria, bagunça e uma franquia abaixo da média

Uma nova franquia de Harry Potter tinha tudo para dar incrivelmente certo, considerando o quando os fãs da saga do jovem bruxo são apaixonados pelas histórias e por aquele universo. O problema é exatamente contar com o quanto estes fãs seriam apegados aos personagens apresentados na franquia original, então as coisas passaram a mudar de uma nova franquia para uma prequel da franquia anterior. A apresentação do personagem de Jude Law, um Dumbledore mais jovem e sem o mesmo senso de estilo, foi o começo dessa mudança da franquia que deixou de ser Animais Fantásticos e virou Harry Potter antes de Harry. No segundo filme, além de termos de lidar com Johnny Depp – mesmo com o processo sobre agressão do mesmo – tendo o seu personagem no título do filme, perdemos muito da narrativa para o fan service trazendo os Lestrange, Hogwarts e até a cobra de estimação do próprio Voldemort.

Tentando ao máximo não julgar a franquia baseado em como a autora e portanto maior beneficiada financeiramente pela mesma recentemente vêm atacando pessoas trans de forma gratuita na internet, é importante ressaltar como essa franquia falha com seus objetivos. O primeiro filme deveria ter apresentado uma história para além de Harry Potter, além de apresentar uma franquia focada nos animais fantásticos do mundo mágico, isso foi abandonado e seu segundo filme focou no antagonista. O antagonista tinha até tudo para ser um grande e marcante vilão se não tivessem escolhido um conhecido agressor para o interpretar. Além de tudo, o segundo filme se largou da ideia inicial da franquia e tentou rechear ao máximo seu enredo com referências a Harry Potter, perdendo a identidade desenvolvida em seu predecessor. 

Os Segredos de Dumbledore (2022), terceiro filme da franquia Animais Fantásticos, não deixa de lado o universo Harry Potter mas tem uma história mais focada no mundo mágico e sua mitologia que seus antecessores. Sim, existem fan services, uma cena em particular é feita apenas para os fãs da primeira franquia do ‘Mundo Bruxo’, mas a história do filme faz com que as referências sejam mais naturais e menos forçadas do que o segundo filme da franquia. Uma das melhores partes do filme é como o estúdio Warner substituiu o fraco e criminoso Johnny Depp por Mads Mikkelsen, que dá ao antagonista um ar mais original e menos caricato. Além de tudo, o foco do filme no personagem de Jude Law, que viria a ser o diretor de Hogwarts, consegue explorar partes importantes da história do bruxo, passando até por sua família e sua relação com Grindelwald. 

Sim, o relacionamento entre Alvo Dumbledore e Geraldo Grindelwald é uma importante parte do filme que merece estar na categoria LGBT do seu devido streamming quando lançado. Isso ainda não significa um bom trabalho quando se trata de relacionamento LGBTQIA+, especialmente considerando quanto tempo o ‘Mundo Bruxo’ levou para abordar uma relação entre pessoas de mesmo gênero e quando o faz é uma relação mantida apenas em palavras e olhares. De uma forma ou de outra a mensagem ainda é que a demonstração de afeto física entre pessoas não heterossexuais é algo sujo e errado enquanto temos desde os primeiros filmes, há 20 anos atrás, mostrando sempre casais héteros sendo afetivos. Aqui falamos muito do passado dos personagens, antes de se tornarem inimigos, mas o filme opta por falar e não mostrar – uma das ferramentas mais fracas do cinema. 

Um dos problemas desse filme é exatamente parecer um longo capítulo final de uma história a qual acompanhamos a um bom tempo, mas não é nada disso. Embora seja conhecimento dos fãs da saga de Harry Potter, o romance de Grindewald e Alvo nunca foi de fato mencionado antes desse filme e nunca vimos essa interação. Outro ponto é como os personagens parecem passar por mudanças – físicas e de personalidade – sem qualquer desenvolvimento de um local a outro. Dois personagens presentes e com arcos ao longo dos três filmes pelos quais as mudanças e repaginadas de visuais passam são os personagens Tina Goldstein e Credence, vividos por Alison Sudol e Ezra Miller respectivamente. A franquia parece um erro muito recorrente ultimamente, parece que cada filme era parte de um plano de franquia diferente e foram mudando isso ao longo do tempo e terminaram numa terra de ninguém. 

Falando de personagens e suas aparências, um dos pontos altos da franquia e diferença da saga Harry Potter sempre foi seus figurinos com cores mais vivas e capazes de se destacar e isso foi totalmente mudado neste filme. Os personagens parecem estar todos em tons monocromáticos, algo que não seria problema se nos dois prévios filmes não fosse tão diferente. Parecia um desejo de passar a imagem mais próxima ao que era feito em Harry Potter, onde as cores das roupas eram frequentemente frias, sem saturação e escuras. Triste escolha do departamento de arte e figurino, se posso dar minha humilde opinião. Não se trata de não gostar do que foi feito apenas, mas não entender a razão de tantas coisas serem mudadas sem qualquer razão e dar a esse filme uma sensação de fazer parte de uma franquia totalmente diferente dos anteriores. Até mesmo um ‘plano astral mágico’ foi apresentado do nada nesse filme para os encontros e confrontos de Alvo e Geraldo, sem qualquer menção prévia ao mesmo. 

Pontos altos do filme são focados em raros momentos onde ele decide expandir o universo do mundo bruxo e não apenas ficar tirando leite de pedra da fanbase prévia ao filme. Saber sobre a escolha de líderes da comunidade mágica, ver mais da mitologia do mundo bruxo e como funciona a fé neste mundo. Esse filme é dos três o que menos tem ‘animais fantásticos’ mas usa como um ponto narrativo essencial uma das criaturas apresentadas. Brevemente falar aqui sobre o protagonista Eddie Redmayne, que interpreta o Newt Scammander, o ator foi indicado ao Oscar por interpretar uma mulher trans e ele faz um trabalho decente com seu personagem, mas quando você pega o arco dramático do mesmo ao longo dos três filmes ele não possui nenhuma mudança real ou desenvolvimento fora se acertar com seu irmão e minimamente ter um interesse romântico. 

Neste terceiro capítulo da franquia somos apresentados a alguns novos personagens, outros são literalmente apagados do enredo sem uma razão plausível. A chance de brilhar é dada a alguns personagens, porém, se me perguntarem, a franquia teria se beneficiado muito se tivesse contado com um mergulho real de tais personagens. Um dos personagens é o veterano Jacob Kowalsky, um veterano da primeira guerra interpretado por Dan Fogler que serviu mais de humor nos filmes anteriores, mas nesse pôde contar com um arco mais sólido, mesmo ainda sendo o alívio cômico da franquia. Outra importante personagem é a interpretada por Jessica Williams, Professora Lally Hicks, acho que a primeira personagem negra com um papel importante não associada a vilania ou morta. Não vou questionar a razão de termos levado tanto tempo por termos uma personagem negra minimamente importante e como disse, não associada a vilania ou morta, porque o fato do filme se passar na Alemanha nazista na segunda guerra sem qualquer razão real é um forma meio indireta de responder essa pergunta. 

O filme peca no acúmulo de enredos, tentando abordar muita coisa e desenvolvendo pouquíssimas, seus personagens fazem parte de um jogo com suas funções e apenas isso, sem uma chance de realmente ter qualquer avanço em suas narrativas. Vemos muitos personagens chegando do local A para o local B, mas não há qualquer desenvolvimento real para nos mostrar como e porque isso aconteceu. O filme aborda a política no mundo mágico e bem, seria interessante ter mergulhado mais nisso em vez de o rechear de personagens e arcos que seriam extremamente mal desenvolvidos. No final das contas é esse o legado deixado pela franquia caso escolham que esse seja o último filme, algo extremamente bagunçado, fraco e sem real desenvolvimento, feito para sugar o dinheiro de fãs da criação de uma mulher transfóbica cujo passatempo favorito é ofender pessoas trans na internet. 


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