Michael Bay é um nome capaz de despertar espasmos de ódio em grande parte da crítica, na mesma proporção que atrai milhões de pessoas para verem seus filmes, e isso, incrivelmente, pelo mesmo motivo: suas obras não exigem compromisso emocional profundo e nenhum tipo de esforço cerebral para serem apreciadas e entendidas. Além disso, é inegável, mesmo para seus maiores detratores, que Bay possui um estilo único e facilmente reconhecível, que alia fiapos de roteiro repletos de cenas melodramáticas e piadas infantis e tolas, com um visual baseado em enquadramentos que transformam a mais simples das ações (como caminhar) em um ato de heroísmo em câmera lenta, assim como busca uma supervalorização do ideal estadunidense de vida, através do apoio ao militarismo e de cenas que focam na bandeira dos EUA e em pores do sol com helicópteros em primeiro plano (entre outras breguices).
Quando está no seu melhor – caso do primeiro Transformers (2007) e de A Rocha (The Rock, 1996), – ele entrega filmes de ação que, se não inovam, são bem estruturados e proporcionam picos de adrenalina e tensão que mantém o máximo de atenção do espectador enquanto o filme dura. No seu pior, porém, realiza obras que mais irritam que entretém, o que se tornou constante nos últimos anos, muito por conta dos filmes da franquia Transformers.
No período em que permaneceu ligado aos filmes dessa série, Bay perdeu-se na megalomania e nos excessos que já existiam em suas obras, mas que se tornaram cada vez mais evidentes e suprimiram boa parte do potencial de entretenimento que seus filmes, normalmente, proporcionavam. Mesmo com as bilheterias cada vez mais monstruosas de cada filme, e com um ou outro exercício avulso de direção – como 13 Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi (13 Hours, 2016) e Sem Dor, Sem Ganho (Pain and Gain, 2013) – algo havia se perdido, e muito do dinheiro arrecadado pelos filmes da série Transformers se deviam mais à força da marca que ao fator diversão ligado ao nome do diretor. O ápice disso se deu com Transformers – O Último Cavaleiro (Transformers: The Last Knight, 2017), um filme tão exagerado em tudo, que se torna desagradável e uma tortura ao ser assistido. E, ao que parece, não fui voz isolada, visto que a bilheteira do filme caiu muito se comparada com os filmes anteriores, mostrando que o público poderia estar cansado da visão do diretor. Assim, confesso que a boa vontade que sempre tive com Michael Bay, que me fez perdoar a maioria das bobagens que ele geralmente exibia em suas obras, quase se perdeu totalmente após esse filme.
Apesar disso, fui de coração aberto assistir Ambulância – Um Dia de Crime (Ambulance, 2022), já que acreditei que nada poderia ser pior que o último Transformers. Na pior das hipóteses, eu perderia duas horas de minha vida assistindo a costumeira ode ao macho hétero que o diretor sempre gostou de mostrar. Porém, fui surpreendido com uma interessante mistura de filmes de roubo, faroeste urbano (?) e Velocidade Máxima (Speed, 1994). Na história, os irmãos Danny (Jake Gyllenhaal) e Will (Yahya Abdul-Mateen II) realizam um assalto a banco que dá errado e são obrigados a sequestrar uma ambulância, fazendo como reféns uma paramédica (Eiza González) e um policial baleado (Jackson White). Segue-se uma perseguição por Los Angeles que, óbvio, deixa um rastro de destruição. É um enredo simples, defendido por um elenco bom e carismático. Há um mínimo de desenvolvimento dos personagens e, apesar deles serem praticamente estereótipos com diálogos, em sua maioria, terríveis, conseguimos nos importar com eles, muito devido ao talento do elenco. Além disso, surpreendentemente, Bay evita como pode sexualizar Cam (Eiza González) e ainda inclui um personagem LGBT que não está lá para servir de alívio cômico.
Apesar de seguir vários clichês dos gêneros que “homenageia”, eles são bem conduzidos, com cenas de ação que realmente geram tensão, e não são somente pirotecnia do diretor. Destaco as perseguições de carro que acontecem, que mesmo não inovando, não se perdem em cortes excessivos e permitem que o espectador se localize espacialmente e saiba o que de fato está acontecendo. Além disso, mesmo se segurando em relação aos seus exageros habituais, Michael Bay não deixa de lado seu prazer em explodir coisas ou detoná-las à base de balas.
Por tudo isso, Ambulância é um filme que lembra muito mais o trabalho do diretor realizado nos anos 90, como o já referido A Rocha e também Os Bad Boys (Bad Boys, 1995), resgatando esse tipo de ação para a atualidade e acrescentando algumas (poucas) bem-vindas atualizações. Isso de modo nenhum é defeito, pelo contrário, traz um alívio ao nos fazer perceber que Bay ainda pode realizar um filme de ação eficiente no que se propõe e que entretém o bastante pelo tempo que dura. Fica a esperança de que ele continue nesse caminho, proporcionando entretenimento, e não irritação.
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Cineasta e roteirista, formado em Letras e graduando em Cinema, respira literatura, filmes e séries desde que se entende por gente. É viciado em sci-fi e terror, e ama Stephen King, Spielberg e Wes Craven. Tem mais livros em casa, e séries e filmes no computador de que seria humanamente possível ler e assistir, mas não vai desistir de tentar. Não consegue lembrar o que comeu ontem, mas sabe decorado os vencedores do Oscar de melhor atriz do últimos trinta anos (entre outras informações culturais inúteis).