Ridley Scott é, sem dúvidas, um dos diretores veteranos de Hollywood mais proeminentes da atualidade, e certamente um dos mais versáteis, trabalhando com os mais diversos gêneros e temas em seus filmes, e é sempre interessante esperar por qual será a próxima empreitada do premiado cineasta. Mas há um tema, entre retornos à ficção científica e aos épicos medievais, que aparentemente vem o interessando nos últimos tempos: a excêntrica vida dos milionários. Do que eu me lembro de sua filmografia a primeira vez que Scott visitou o reino dos ricaços foi em Todo o Dinheiro do Mundo (All the Money in the World, 2017), onde conta a história real do sequestro de J. Paul Getty III, neto do bilionário do ramo do petróleo J. Paul Getty, então um dos homens mais ricos do mundo, e de como este último se recusou a pagar o resgate do jovem por acreditar que se tratava de um golpe arquitetado pelo próprio ou por algum de seus outros familiares. De fato uma história intrigante, e que rendeu um filme interessante, mas não muito mais do que isso.
Agora, Ridley Scott retorna a este mundo das famílias tão ricas quanto problemáticas com Casa Gucci (House of Gucci, 2021), que nos traz a história de Maurizio Gucci (Adam Driver), herdeiro da família de origem toscana famosa por ter criado a renomada grife de produtos em couro que leva seu sobrenome, e de como o casamento com uma jovem de família muitíssimo mais humilde colocou em risco não só sua herança e a empresa, como também sua própria vida. Uma história que já vinha sendo cogitada para virar filme há muito tempo – e que de certo deve ter passado pela cabeça de Ryan Murphy para uma possível temporada de American Crime Story -, mas que finalmente foi realizada por Scott, com grande alarde após o anúncio da escalação de Lady Gaga no papel da segunda e mais interessante protagonista dessa história, Patrizia.
Por mais que não tenham em comum os mesmos roteiristas, Casa Gucci inicia tomando uma decisão semelhante à Todo o Dinheiro do Mundo ao optar por expor como é ridícula e absurda a vida das pessoas que tem mais dinheiro do que nós podemos imaginar. Mas também de como essas famílias, verdadeiras dinastias acumuladoras de capital, parecem estar destinadas ao infortúnio da desconfiança mútua e incessante. Scott pinta várias caricaturas na família Gucci, desde o pai, Rodolfo (Jeremy Irons), carrancudo e esnobe, o tio, Aldo (Al Pacino), ganancioso e falastrão, o primo, Paolo (Jared Leto, irreconhecível), excêntrico e emocional, até finalmente chegarmos em Maurizio, bobalhão e mimado. Patrizia, filha de um pequeno empresário do ramo dos transportes de carga, sem muitas perspectivas a não ser herdar o “império” do pai, vê em Maurizio uma oportunidade de ter um futuro diferente, e isto fica evidente nos olhos da personagem no exato momento em que escuta do rapaz seu sobrenome.
Entretanto, uma das decisões interessantes do roteiro é não colocar Patrizia de imediato como uma golpista aproveitadora, dando uma segunda camada à personagem, de modo que por vezes nos flagramos refletindo se em algum nível ela realmente não sente amor por Maurizio, o que se mostra um ótimo caminho para nos prender a atenção, ainda mais se já sabemos como acaba a história do casal. Por outro lado, vemos Patrizia tentar se encaixar àquele mundo cafona, e mesmo que de um certo modo estético ela consiga, com as roupas e o porte, fica óbvio que terá dificuldade de burlar sua origem familiar. Mesmo que, para o desgosto do sogro, Patrizia ganhe o direito de ter o sobrenome Gucci, ela jamais será uma Gucci de berço.
Porém o grande problema do filme é não se deixar entregar por completo ao escárnio e à extravagância, já que são nos momentos em que se deixa levar por isso, os quais o filme se mostra mais intrigante. Me interessa ver ricos sendo estúpidos, ricos brigando entre si, ricos perdendo seu amado dinheiro (e é isso que me faz querer ver a série Succession), mas o o roteiro parece ter medo de deixar esse clima tomar conta do filme, talvez pela realidade trágica de seus acontecimentos, talvez por um certo respeito aos envolvidos, mas nada que para mim justifique contar essa história tão potente de uma forma tão linear e morna. Não à toa, se existem sequências memoráveis do filme para mim são as que envolvem a relação entre Aldo e Paolo, ao ponto de me fazer desejar que o filme fosse sobre eles, e que só não o é porque ao final não acontece um assassinato entre os dois.
Talvez Scott deva repensar seu interesse neste universo já que nunca parece encontrar um tom cômico de ironia e bizarrice que este necessita. Ou quem sabe deva mesmo continuar se testando. O fato é que Casa Gucci não fez justiça ao que essa história tão espalhafatosa poderia conceber no cinema, nos entregando não mais do que uma atuação dedicada de uma Lady Gaga em busca de seu Oscar, e alguns gritos de Al Pacino, o que, admito, nunca é demais.
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Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.