Fazendo a primeira estreia da Marvel Studios exclusivamente nos cinemas após o início da pandemia, Shang Chi e a Lenda dos Dez Anéis (Shang-Chi and the Legend of the Ten Rings, 2021) chega para marcar o primeiro filme do MCU com o elenco majoritariamente asiático. O filme poderia cair em muitos erros, pautados em xenofobia e racismo, algo bem comum em produções americanas. Há um misticismo no filme e essa é uma das almas dele, assim como a humanização de seus personagens e a importância de uma família.
Começamos nosso texto falando em particular da minha parte favorita do filme, nosso antagonista e também o pai do personagem principal. O personagem tem não apenas uma origem ambígua, mas duas. Na época de Ouro dos Quadrinhos, algum homem branco e cis pensou que seria uma boa ideia criar um vilão chamado Mandarin. Este vilão era o portador de dez anéis mágicos com poderes e ambição de dominar o mundo. Precisamos ressaltar o fato de Mandarin ser uma fruta e o quão esse vilão incorpora traços problemáticos de caracterização de personagens asiáticos, uma trope conhecida como yellow perril (ou perigo amarelo),
Dando continuação às falhas das origens dos personagens que inspiraram o nosso antagonista, ele ser o pai do personagem principal o torna baseado em Fu Manchu, personagem que nos quadrinhos foi renomeado quando a Marvel perdeu os direitos para esse nome e foi chamado de Zheng Zu. O personagem foi interpretado por Tony Leung e o filme o recriou totalmente mantendo apenas o fato dele ser pai de Shang Chi e possuir os dez anéis. Desta forma o filme lava e limpa o personagem de qualquer estereótipo asiático e nos entrega um personagens com humanidade e motivações pautadas em “reaver sua família” chamado Wen Wu.
Boa parte do filme se inspira levemente em diferentes personagens dos quadrinhos da Marvel, com laços com a mitologia do personagem principal. Uma dessas personagens é a irmã dele, chamada no filme de Xu Xialing e é interpretada pela atriz Meng’er Zhang. A personagem não existe de verdade nos quadrinhos mas existem elementos dela nas personagens como Zhen Bao Yu (filha de Fu Mancho), Sasha Hammer (filha do Mandarin nos quadrinhos com a vilã e irmã do vilão do Homem de Ferro, Justine Hammer (e Irmã Adaga (irmã de Shang Chi). Mais um exemplo de como o filme se esforça e é bem-sucedido em limpar grande parte das origens racistas da mitologia. A personagem de Zhang é uma das grandes surpresas do longa, com seus enredos, seu passado, suas incríveis cenas de luta e também a sua ambição.
As cenas de ação do filme são verdadeiramente de tirar o fôlego, trabalhando as artes marciais com incríveis visuais e efeitos especiais. É interessante como Shang Chi e a Lenda dos Dez Anéis parece algo nunca antes visto quando se trata de filmes da Marvel mas também combina vários elementos imagéticos de filmes do gênero de fantasia e ação chineses. A experiência de ver as lutas e os efeitos especiais é uma das coisas mais tristes em não poder experimentar o filme em 3D IMAX. A forma como as cores trabalhadas ao longo da sequência final combinam tão bem, dando uma conclusão demasiadamente satisfatória para esse novo e fantástico mundo apresentado.
Agora sim podemos falar do pote de ouro no final do arco íris, a performance de nosso incrível Simu Liu como o protagonista. Personagem envolvido contra sua vontade numa batalha entre grandes forças e com habilidades para evitar a grande dizimação de um povo. Ao longo do filme somos apresentados a esse homem que passou sua vida treinando para ser um assassino, treinamento esse coordenado por seu próprio pai. O coração de Shang Chi não estava alinhado com os desejos de seu pai de se tornar um assassino e assumir sua organização criminosa. A forma como Shang Chi tem todo um carisma ao longo do filme é uma das razões do filme ter sido tão bem sucedido para uma estreia durante a pandemia.
É incrível como Simu Liu se diverte ao longo de sua trajetória como o herói, mesmo o filme não nos trazendo o personagem se divertindo muito, fica bem claro o quanto ele se entrega ao personagem. E depois de terminar o filme você vai querer ver o rosto de Simu Liu no futuro da Marvel Studios. O filme consegue fazer referência à filmes da Fase 1 muito esquecidos e ignorados pelo próprio estúdio, como Homem de Ferro 3 (Iron Man 3, 2013) e O Incrível Hulk (The Incredible Hulk, 2008), e até filmes da Fase 4 (com a presença de uma Viúva Negra em uma de suas cenas). Com todo respeito à Viúva Negra (Black Widow, 2021), mas Shang Chi e A Lenda dos Dez Anéis deu o verdadeiro pontapé para a Fase 4 da Marvel nos Cinemas.
Mesmo o primeiro filme envolvendo a real magia do universo Marvel tendo sido Doutor Estranho (Doctor Strange, 2016), é em Shang Chi e a Lenda dos Dez Anéis que o mundo fantástico e mágico da Marvel têm a chance de brilhar – de inúmeras formas. Toda a expansão desse universo por um viés mágico nos faz questionar e ansiar pelas próximas oportunidades de vermos a Marvel adentrando esse mundo mágico. A presença do elenco todo do filme, com o retorno de algumas fases do MCU, além das incríveis atrizes Michelle Yeoh e Fala Chen, tornam o filme uma experiência ainda mais gratificante. As escolhas feitas, tanto imagéticas quanto de roteiro, são de fato fantásticas e o elenco do filme, além de todo o resto, funciona muito em conjunto.
Um dos outros pontos altos do filme é como o humor parece extremamente natural e fluido , especialmente quando envolvendo a personagem de Awkwafina, Katy. Longe de ser extremamente fiel aos quadrinhos, o filme se beneficia muito de corrigir erros perpetuados por gerações passadas e reinventa muito para o nosso público moderno. Se torna cada vez mais importantes intervenções como estas para colocar fim em representações racistas muito perpetuadas por anos nos quadrinhos.
Dirigido por Destin Daniel Cretton, o primeiro filme da Marvel estrelado por um elenco majoritariamente asiático e o vigésimo quinto filme do MCU, pode ser assistido nos cinemas (de forma segura, especialmente para todes vacinades) e estará disponível no Disney+ 45 dias após sua estreia nos cinemas sem nenhuma taxa adicional.
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Cineasta graduade em Cinema e Audiovisual, produtore do coletivo artístico independente Vesic Pis.
Não-binarie, fã de super heróis, de artistas trans, não-bináries e de ver essas pessoas conquistando cada vez mais o espaço. Pisciano com a meta de fazer alguma diferença no mundo.