Jungle Cruise – Perdidos na selva da mediocridade

É notório que Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra (Pirates of the Caribbean: The Curse of the Black Pearl, 2003) foi um divisor de águas na produção dos estúdios Disney. De início visto como uma aposta arriscada, pois adaptava em forma de filme um brinquedo do parque de diversões do estúdio, com um ator – Johnny Depp – que nunca havia sido conhecido por fazer blockbusters, além de um alto orçamento, terminou por se transformar numa das franquias mais lucrativas, não somente da Disney, mas da história do cinema. Assim, seria óbvio que o estúdio tentaria aproveitar o próprio sucesso e tentaria levar às telas mais filmes baseados em outros brinquedos. O primeiro escolhido foi Mansão Mal-Assombrada (The Haunted Mansion, 2003), lançado bem próximo do primeiro Piratas do Caribe, mas que, ao contrário deste, foi um enorme fracasso. Isso fez com que o estúdio concentrasse esforços nas continuações de Piratas do Caribe, que, inicialmente, foram altamente lucrativas, até que, depois de 5 filmes, mostraram claros sinais de esgotamento, tanto por seguir uma fórmula que cansou o público quanto pelo desgaste na imagem pessoal do seu protagonista, envolto em escândalos de violência doméstica.

No entanto, uma vez que uma ideia se prova um sucesso, jamais um estúdio irá abandoná-la completamente. Assim, com a produção de um novo Piratas do Caribe ainda indefinida, chegamos à Jungle Cruise (2021), mais recente tentativa da Disney de capitalizar (ainda mais) em cima dos seus populares brinquedos. Infelizmente (ou não?), é um filme que fracassa em quase tudo que se propõe: cafona, quando poderia ser nostálgico; aborrecido, quando se pretendia enérgico; e claramente ofensivo quando tenta trazer uma representatividade LGBTQ+.

A história – se é que podemos chamar de história uma correria desenfreada – traz uma cientista, Dra. Lily (Emily Blunt) que, junto ao seu irmão, McGregor (Jack Whitehall), viaja até a Amazônia brasileira, no período da Primeira Guerra Mundial, em busca de uma mítica árvore cujas folhas teriam o poder de curar qualquer doença. Para encontrar tal árvore, eles contratam um piloto de barcos, Frank (Dwayne ‘The Rock” Johnson), e enfrentam perigos da selva e de perseguidores reais e sobrenaturais, o Príncipe Joachim (Jesse Plemons) e o conquistador espanhol Aguirre (Edgar Ramirez), respectivamente.

É uma história simples, que até poderia render um filme interessante e mais divertido, caso não fosse uma junção desequilibrada de outros filmes melhores, como o próprio Piratas do Caribe – que apesar das qualidades, envelheceu mal, e não deveria servir de modelo tão óbvio, mas isso é assunto para outro texto – e a maior de todas as aventuras de matinê, Os Caçadores da Arca Perdida (Raiders of the Lost Ark, 1981). Apesar de realizar um trabalho decente, o diretor Jaume Collet-Serra claramente ficou à mercê do que o estúdio esperava e faltou a ele um pouco de uma visão que poderia dar um mínimo de personalidade ao filme. Das duas, uma: ou poderiam ter apostado num estilo mais voltado para a matinê clássica, e aí eu destacaria um diretor cujo trabalho se encaixaria perfeitamente nesse caso, que seria Joe Johnston (Rockteer, Capitão América: O Primeiro Vingador); ou tratariam tudo com muita ironia, galhofa e cinismo, obviamente sem deixar de lado o apelo familiar que se espera de um produto Disney. Esse exercício de imaginar o que poderia ter sido serve apenas para mostrar que a história tinha sim potencial, a despeito de sua origem simplória.

Chega a ser decepcionante perceber que estão presentes alguns elementos que tornariam o filme, se não memorável, ao menos divertido e inteligente. A começar pelo elenco. Se The Rock se mantém como um ator limitado, usando apenas de seu imenso carisma para tentar sustentar o filme, o mesmo não pode ser dito de Emily Blunt e Jack Whitehall, que fazem milagres com o rascunho de personagens que lhes são entregues. Ela, além de render um ótima parceria com The Rock – que, infelizmente, o roteiro insiste em transformar em um romance sem graça –, ainda se sai relativamente bem ao fazer de sua Lily uma mulher atrevida, teimosa e espirituosa, que defende a si mesma nas cenas de ação. Whitehall, por outro lado, tem o papel mais ingrato: foi amplamente divulgado que seu personagem seria assumidamente gay, o primeiro de uma aventura Disney, mas essa suposta representatividade é, para ser gentil, extremamente tola, visto que sua sexualidade é apenas insinuada e, para piorar, ele assume o estereótipo do gay afeminado e frágil, quase uma donzela em perigo. Ainda que o ator se esforce para dar o mínimo de dignidade ao personagem – e quase consegue, algumas vezes, apesar do filme tentar sabotá-lo constantemente – chega a ser ofensivo todo o tratamento dado a ele. O restante do elenco, de Jesse Plemons, passando Paul Giamatti e Edgar Ramirez, nem se esforça para tirar seus personagens da unidimensionalidade, sendo o caso de Plemons o mais grave, pois seu Príncipe Joachim é tão caricato que soa mais ridículo que ameaçador.

A direção de Collet-Serra, apesar da referida falta de personalidade – cuja culpa maior é das amarras impostas pelo estúdio –, se esforça para dar um ritmo dinâmico ao filme, ainda que sem muito sucesso. O diretor busca alternar a ação necessária que uma obra dessas exige, com momentos de respiro, nos quais possamos tentar conhecer melhor os personagens, mesmo que estes pouco tenham a apresentar. Outro ponto de destaque é a tentativa de mostrar a Amazônia não como um local exótico e povoado por selvagens, mas como um ambiente que causa maravilhamento. Até isso, no entanto, é atrapalhado pelo excesso de CGI, que muitas vezes torna a ambientação extremamente artificial.

Infelizmente, tudo é feito da forma mais superficial possível, deixando visível em cada frame que esse não é um filme, mas um produto. E isso sempre é a morte de qualquer projeto, que deixam de ser classificados como bons ou ruins e entram no limbo daquelas obras que nenhum estúdio ou realizador deseja adentrar: as dos filmes completamente esquecíveis.


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