Particularmente, não gosto de criar expectativas por filmes ou séries porque em geral a obra não vai atingir o tamanho daquilo que eu estou esperando dela. Posso dizer que as melhores experiências que eu tive com filmes foram aqueles que eu não sabia nada sobre – ou muito pouco –, aqueles que eu vi o cartaz e escolhi assistir. Porém, não tinha como eu não criar expectativa sobre esse filme. Vi o trailer no dia que foi lançado, durante um passeio com uma amiga da minha irmã que estava passando uns dias aqui em casa, em março do ano passado, mais ou menos duas semanas antes da pandemia ser decretada e por conseguinte o isolamento social em Fortaleza. Nesse trailer tocava uma versão de “Say my name” do Destiny’s Child e eu tenho que confessar que tenho um fraco por boas utilizações de músicas pop em contextos estranhos, como um trailer de filme de terror. Mas eu fui ver o trailer mesmo porque era o filme novo da Nia DaCosta (já indiquei filme dela aqui no Veja Mulheres), não porque tinha a música, nem porque era um filme de terror, muito menos porque era produzido pelo Jordan Peele. Eu gosto demais do Jordan Peele, mas as pessoas no Twitter estavam todas falando que o filme era dele, sendo que quem dirigiu foi a Nia DaCosta, e ninguém falava dela e eu fiquei chateada por isso.
E como vocês podem ver, depois dessa grande história, a coisa é que a expectativa foi criada e alimentada por mais de um ano, a gente pode dizer por quase dois já que eu meio que acompanhei os tweets que a Nia DaCosta postava sobre o processo de montagem do filme. Daí que finalmente o filme estreia e, minha gente, as minhas expectativas foram atingidas e superadas.
Queria só deixar um aviso aqui pra vocês antes de seguir com as primeiras impressões sobre o filme: eu não sou fã de filme de terror, na verdade eu nem consumo muito esse gênero, eu não vi nenhum dos filmes da franquia, incluindo O Mistério de Candyman (Candyman, 1992), filme que dá origem ao de 2021, e também não li o conto The Forbiden de Clive Barker – que inspirou tanto o filme de 92 quanto esse. Então, se você tem expectativa que eu fale empolgadamente sobre o gênero ou referencie algum desses elementos no texto a seguir, daqui em diante você tá por sua conta em risco.
A Lenda de Candyman (Candyman, 2021) fala sobre esse monstro, podemos dizer assim, que surgiu e foi assim nomeado em Cabrini Green, um bairro na periferia de Chicago. A lenda diz que se você disser seu nome cinco vezes em frente a um espelho, ele aparece no reflexo para te matar. Um enredo simples, bem clássico, quase clichê até. A história também não é super-mirabolante. A gente vai conhecendo a lenda, as histórias por trás, os mistérios que a rodeiam através de um casal – Anthony (Yahya Abdul-Mateen II) e Brianna (Teyonah Parris) – que acabaram de se mudar para Cabrini Green e logo ficamos sabendo que o bairro é supostamente mal-assombrado. Daí você já espera uma fórmula dos filmes de terror, né? Mas não é assim que vai acontecer.
Nia DaCosta, na verdade, acaba por subverter algumas fórmulas ou vai utiliza-las de forma muito inteligente. Durante o filme, algumas piadas são feitas sobre isso. Em certo momento, uma personagem abre uma porta para um porão escuro e assustador e ela decide não descer as escadas, diferente do que todo personagem em filme de terror faria. Ou em outro momento em que uma das personagens pretas fala algo como “quem vai ser idiota de dizer Candyman cinco vezes em frente ao espelho?” E corta para uma adolescente branca e entediada desafiando as amigas a fazê-lo. Um ponto interessante sobre isso aqui é que, no filme as personagens pretas tem uma relação forte com espiritualidade e têm consciência que não devem ir mexer com o que tá quieto.
Assim como nos filmes do Jordan Peele – é impossível não fazer associação à filmografia dele, até porque ele foi um dos roteiristas – a gente vai ter aqui as questões raciais referenciadas e intrincadas na construção da narrativa. Como o processo de gentrificação dos bairros periféricos ou guetos, como é mais comumente chamado nos EUA, o apagamento da memória do povo negro, a ancestralidade e, o que é o ponto principal pra mim, como a supremacia branca transforma os homens pretos em monstros que vão ser temidos tanto pelos brancos, como por sua própria comunidade. Diferente dos filmes do Peele, pra mim, Candyman não transforma a experiência preta em uma metáfora sobrenatural para demonstrar como a realidade é impossível para pessoas pretas nos EUA, ele tem os elementos do terror, do sobrenatural e, ainda assim, isso não é tão aterrorizante quanto ser preto nos EUA.
Além disso, a diretora pega alguns elementos da narrativa e os transforma em linguagem. É o exemplo do espelho pra onde tem-se que olhar para dizer para invocar o monstro. Já no início do filme, as cartelas iniciais trazem as logomarcas das empresas produtoras e estúdios invertidas, como se nós espectadores estivéssemos vendo o reflexo ou ainda, como se estivéssemos dentro de um espelho. Ela vai usar também, tanto reflexos em espelhos e outras superfícies, como sombras para construir os quadros e a tensão. Ela se utiliza também dos espaços negativos dos quadros, fazendo com que a gente esteja sempre em estado de alerta. Temos que citar também o teatro de sombra, forma de arte que dá origem aos primeiros cinemas, e como ela utiliza ele para mostrar a história que alguma personagem está contando. De fato, aquelas histórias estão e permanecem nas sombras.
Poderia citar ainda a trilha sonora, como o filme usa do silêncio absoluto em vez de trilha por cima de trilha para criar tensão, e também os momentos em que ficamos no escuro, sem imagem. Mas aí eu já me estendi demais e a expectativa a essa altura já triplicou de tamanho. Tudo isso que falei é o que me chama mais atenção nessa primeira assistida e é o que me faz ficar empolgada porque, além de ser um bom filme de terror – altos sustos, mortes sangrentas, etc – é um filme cheio de complexidades e significados que vão mexer com você em vários níveis. Entendo o adiamento no lançamento porque, de fato, é um longa pra se ver no dispositivo sala de cinema. Espero que a expectativa que eu estou criando e alimentando e tornando grande e forte aqui com esse texto pra vocês seja a mesma que eu tive mais de um ano atrás e que foi recompensada hoje.
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Uma capricorniana Bacharel em Cinema e Audiovisual. Diretora, roteirista, curadora e uma DJ formidável nas horas vagas. Grenda divide seu tempo entre o cinema, o cigarro e o litrão barato. Sabe dar conselhos e sermões como ninguém e dentre todos os seus vícios, o maior deles é a tabela de Excel.