Alguém da nobreza conhece e se apaixona por uma pessoa do povo e, com isso, passa a viver um dilema: deixar de lado as obrigações da realeza e viver esse amor, ou continuar seguindo as regras e sacrificar a relação? Muitas vezes vimos esse típico conto de fadas acontecer, até mesmo fora da ficção. O que, então, Young Royals (Netflix, 2021-) traz de novo, que a faz ter tamanha qualidade?
Em meros 6 episódios, a história criada por Lisa Ambjörn, Lars Beckung e Camilla Holter consegue trabalhar clichês de narrativas de romance e de séries adolescentes, e muitas vezes, subvertê-los. Ao apresentar o romance entre Wilhelm (Edvin Ryding), príncipe da Suécia, e Simon (Omar Rudberg), um simples filho de imigrantes, a série nos mostra, além de uma história de amor crível e extremamente cativante, um breve painel da juventude sueca, com suas dúvidas e complicações afetivas que, apesar de pertencerem a um contexto social muito diferente do vivido por nós, brasileiros, permite uma identificação imediata, pois são questões comuns a adolescentes de qualquer lugar do mundo.
O ponto central da narrativa é o já citado romance entre Wilhelm e Simon, uma relação que é construída com delicadeza e que, o mais interessante, procura evitar cair no clichê do supostamente hetero se descobrindo apaixonado por outro homem. Não é que a sexualidade de Wilhelm não seja uma questão: diferentemente de Simon, que já inicia a história como gay assumido, o príncipe tenta, inicialmente, negar a atração e o sentimento que surge. Aqui, temos um primeiro ponto de subversão, neste caso, das narrativas homoafetivas, pois Wilhelm teme admitir o que sente não por que necessariamente veja a homossexualidade como algo negativo, mas mais por ser alguém da realeza, o segundo na linha de sucessão ao trono e que, por isso, possui cada passo vigiado pela opinião pública. Essa questão, aliás, é o que dá o pontapé inicial à série, visto que o príncipe é flagrado em uma confusão numa boate e isso faz com que seus pais o coloquem em um prestigiado colégio interno, onde ele conhece não somente Simon, mas três outros personagens importantes para a história: a irmã de Simon, Sara (Frida Argento), um primo distante de Wilhelm, August (Malte Gårdinger), e Felice (Nikita Uggla), que inicialmente tenta engatar um romance com o príncipe.
Aqui, há outro trunfo da série, pois os adolescentes são interpretados por atores que realmente passam a imagem correspondente à idade – diferentemente das dezenas de séries nas quais adultos tentam se passar por adolescentes, de formas muitas vezes constrangedoras – além de trazerem uma diversidade étnica que aproxima a série ainda mais da realidade. Além disso, todos estão ótimos em seus papéis, com destaque para a dupla central, Edvin Ryding e Omar Rudberg, que transbordam carisma, personalidade e uma química que nos faz realmente acreditar no que sentem um pelo outro; e Malte Gårdinger, cujo August nos causa pena e ódio, muitas vezes simultaneamente.
Apesar do relacionamento entre Wilhelm e Simon ser o fio condutor, é interessante perceber que os dois personagens não são limitados a isso, pois possuem questões independentes que os tornam mais complexos e realistas perante o público. Isso se aplica também aos coadjuvantes citados anteriormente: Sara possui Síndrome de Asperger e um desejo intenso de ser aceita, cometendo até ações reprováveis para isso; Felice sofre pressão materna para se encaixar em padrões sociais e de beleza, mas sob a insegurança que isso causa, traz força e coragem; e August disfarça a insegurança com arrogância, e tem que lidar com o suicídio do pai e a possível perda do status financeiro e social.
No entanto, apesar de todas as qualidades que a série possui, o motivo que a fez ressoar tão forte em mim é bastante pessoal. Por muito tempo, narrativas românticas adolescentes relegaram personagens LGBTQA+ aos papéis de melhor amigue e/ou alívio cômico, ou carregavam de drama e sofrimento a questão da descoberta do personagem como alguém queer. Tratar um romance entre esses personagens como algo natural, cujas tensões surgiriam por questões que não fossem limitadas à sexualidade desses personagens seria algo impensável até poucos anos atrás. Não quero dizer com isso que deveriam deixar de lado problemas específicos da vivência LGBTQA+, mas sim que amor é amor independente da sexualidade dos envolvidos e isso tem que ser naturalizado. O meu eu adolescente jamais imaginaria que viveríamos o momento em que obras como Love, Victor (2020 -), Sex Education (2019), e a própria Young Royals mostrariam como é, de fato, ser um adolescente queer.
Por isso, Young Royals é uma série indispensável, que termina deixando a sensação de termos visto algo único, ao mesmo tempo que nos faz desejar ver ainda mais sobre a vida daqueles personagens. Agora é aguardar uma segunda temporada que mantenha a qualidade ou a supere, ou, caso não haja renovação, guardar esse trabalho lindo e sensível no coração e rever sempre que possível.
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Cineasta e roteirista, formado em Letras e graduando em Cinema, respira literatura, filmes e séries desde que se entende por gente. É viciado em sci-fi e terror, e ama Stephen King, Spielberg e Wes Craven. Tem mais livros em casa, e séries e filmes no computador de que seria humanamente possível ler e assistir, mas não vai desistir de tentar. Não consegue lembrar o que comeu ontem, mas sabe decorado os vencedores do Oscar de melhor atriz do últimos trinta anos (entre outras informações culturais inúteis).