Chico Ventana Também Queria Ter um Submarino – A propriedade universal da água

O novo filme do uruguaio Alex Piperno chega aos cinemas brasileiros após as premiações no Festival de Berlim e Festival Mar Del Plata, ambos ano passado.

O filme trata de um funcionário de um navio cruzeiro na Patagônia que, nos recôncavos do convés, descobre portas que o transporta magicamente para outros lugares do mundo. Nisso, ele cria um elo com a dona de um apartamento em algum lugar da América do Sul.

Curioso Alex Piperno ter essa atração por títulos longos, como seus Lloren la Locura Perdida de Estos Campos (2019), La Inviolabilidad del Domicilio se Basa en el Hombre que Aparece Empuñando un Hacha (2011), assim como os títulos de cordéis, folhetins europeus ou latino-americanos como os de Dias Gomes “Odorico, o Bem Amado ou Os Mistérios do Amor e da Morte” (1962), o de Gabo “A incrível e triste história de Cândida Eréndira e sua avó desalmada” (1972) ou o suassunesco “A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-E-Volta” (1971).

E assim como seus hermanos, Piperno costura seus temas pelos retalhos do realismo mágico. Seu protagonista é carregado de uma melancolia virtuosa na sua construção, o personagem está submerso nela, e essa inundação o acompanha. Pode existir portas mágicas que nos permitem abandonar lugares, mas e quando o lugar está dentro de nós? Seu cotidiano é mudado por um evento mágico, mas até onde abala seu silêncio diante das portas para histórias também silenciosas e silenciadas?

Por vezes essa característica é exacerbada demais, prejudicando o vínculo que o espectador precisa ter com o personagem para que mergulhe em mais laços. Por ora, o filme parece confiar-se em sua montagem para fazê-lo, o que ocorre muito bem entre cenas, mas peca entre atos. Os pequenos retalhos são mais bem costurados que os grandes pedaços de pano e nisso dá uma impressão dúbia: sentimos falta de algo, de um pedaço que não sabemos se é narrativamente proposital para o oferecimento de tal sensação ou se a existência desse bocado faria uma diferença melhor. A linha entre a simplicidade e a escassez é tênue.

Regado de belos planos e uma fotografia quase fantasmagórica, Chico Ventana Também Queria Ter Seu Submarino tem uma relação profunda com o elemento água, amplamente presente em todo o filme. Começamos nitidamente ao redor da embarcação, e naquele mundo líquido, quase infinito, encontramos a pequenez do homem diante de sua extensão, assim como na Bíblia que descreve o início da criação como uma “imensidão líquida”:

E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas.

(Gênesis 1:2)

Por diversas vezes, encontramos o protagonista com mangueira na mão fazendo seus ofício, no típico papel da água como agente de limpeza e purificação nas variadas culturas, como Rio Ganges, chuva asteca e outros.

Curioso que as portas que levam nosso personagem para outros lugares fica no convés, na parte debaixo do navio. É lá, abaixo das águas que outras “águas” rolarão. Mas lembremos que o símbolo alquímico para a água é um triângulo com a ponta voltada… para baixo.

E durante o filme dirigido por Piperno, temos a água como representação da vida (Nilo dos Egípcios, Deus Isthar na Babilônia que buscava a água da vida, o Batismo Cristão) e também da morte (Os dilúvios apocalípticos, as águas que levam o barqueiro Caronte, a vinda de Leviatã). São inúmeras as vezes que a presença da água carrega um signo maior do que um elemento em cena.

As portas de Chico Ventana Também Queria Ter Seu Submarino são mais sobre o que carregamos do que aquilo que deixamos para trás. Que a melancolia pode ser uma inundação descontrolada e silenciosa, com pouca vista para virada da maré.

São sobre as nossas “Águas de Março”

Sobre “promessa de vida do teu coração”.


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