Mosquito – O outro lado não romantizado de 1917

Soldados ingleses ostentando suas vestimentas militares enquanto caminham entre as trincheiras, no compasso sequência da câmera para receber uma gloriosa missão de atravessar o flanco inimigo e entregar um recado ao seu contingente distante que mudará os rumos da Primeira Guerra Mundial. Esse é o início do famoso 1917 (2019) de Sam Mendes, que, com uma montagem detalhada mantendo todo um plano-sequência e cenas de tirar o fôlego, mantém a tradição dos filmes de guerra nesse recorte: o protagonismo inglês/francês contra a frente alemã.

O que encontramos em Mosquito (uma produção luso-brasil-franco-moçambicana. 2020) é o oposto dentro do mesmo cenário histórico no ano de 1917. Iniciando com a chegada dos soldados portugueses nas margens moçambicanas, sendo recepcionados por escravos negros com o objetivo de colocar os recém-chegados em suas costas e levá-los em terra seca sem molhá-los. Com essa abertura, o diretor João Nuno Pinto expõe que a escravidão legalmente abolida em seu país no final do século XIX, na prática, demorou bastante para acontecer. Mas não só isso: João Nuno nos leva para outros ares da Primeira Guerra Mundial, que os grandes blockbusters do cinema de guerra não se interessam.

Colecionando prêmios e exibições em grandes festivais, Mosquito entremeia o primeiro anseio de Portugal ao rebentar a Primeira Guerra: manter seu império colonial africano. Como Moçambique era um ponto importante que ligava a Índia com os portos lisboenses, a Alemanha tinha um interesse especial por ela e demais territórios coloniais lusitanos.

É nesse contexto que temos o protagonista Zacarias (com uma atuação vibrante do ator português João Nunes Monteiro), soldado português de 17 anos que, ao desembarcar em Moçambique, tem o desejo de tecer honras e glórias junto ao encontro de sua companhia rumo à França. É através dele que o filme quebra toda essa possível romantização, transformando Zacarias no reflexo histórico da realidade que a história oculta. Zacarias é o espelho juvenil de uma Portugal mal vista pela Inglaterra desde a crise de 1914 que reflete o laço mais frágil entre seus aliados, mesmo com importantes domínios.

Se pensarmos em Zacarias replicado, seria vinte mil vezes, representando os mais de vinte mil soldados enviados para Moçambique onde suas baixas foram maiores que seus pares na frente europeia, externando uma vergonha que somente é superada diante das lusas marcas deixadas no povo moçambicano. Pois não existe elo mais hostilizado e depreciado do que o país de Noemia de Souza, Mia Couto e Craveirinha.

O caminho de Zacarias desconstrói a fantasia do herói de guerra ou até menos com a honra do soldado em campo, apresentando que o dolo alemão junto aos portugueses não tem comparativo com o feito por anos à Moçambique e suas colônias.

Mosquito é a face da História Portuguesa que seu Estado Novo quis apagar dos livros. Por vergonha.

Vergonha não só de uma Portugal abatida. Mas de uma Portugal que bateu.


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