Mais um ciclo se fecha e uma das melhores animações da Netflix chega ao seu fim. No final de 2018, escrevi um texto sobre o arco do Drácula desenvolvido durante a primeira e a segunda temporadas, onde abordo os dilemas do personagem, a proposta da série e contextualizo historicamente a evolução dos vampiros no imaginário popular. Então, o texto a seguir conterá apenas spoilers dos dois primeiros anos da animação.
Com o encerramento da segunda temporada e a estreia da terceira, tornou-se evidente que o enredo precisava encontrar o seu rumo após a morte de Drácula. Para quem acompanha somente a série, imagino que o vilão principal ser derrotado em apenas 12 episódios foi uma surpresa. Por outro lado, os fãs dos jogos sabiam que é exatamente assim a história em que o programa se inspira. Nos games, após Drácula ser morto, a nova dinâmica é sempre trazê-lo de volta. Entretanto, essa repetição de narrativa funciona em uma mídia interativa, onde muitas vezes a mudança e aperfeiçoamento da jogabilidade impactam mais o jogador do que o enredo em si, principalmente nos consoles de antigamente. Contudo, um seriado precisa seguir certa linearidade, buscando sempre progredir no desenvolvimento dos personagens já estabelecidos, abordando as consequências dos seus atos.
Assim, chegamos à terceira temporada. Claramente uma temporada de transição e reorganização das peças no tabuleiro. Hector e Isaac assumem de vez o protagonismo dos seus respectivos arcos. A jornada de Isaac é fascinante. Sua descoberta a respeito das várias facetas da humanidade e da sua verdadeira natureza garantem um dos pontos altos da temporada. Ele sempre viveu em prol de alguém, nunca dedicando-se aos seus desejos, apenas seguindo ordens e autoflagelando-se quando alguma fraqueza aparecia. Então, com a perda do seu mestre, precisou decidir como iria viver o resto da sua vida, assim como todos os personagens impactados por Drácula.
Além disso, com a perspectiva de Hector, somos apresentados ao reino de Styria, lar do conselho das irmãs, composto por Carmilla, Lenore, Striga e Morana. O interessante desta nova dinâmica vampiresca é que cada irmã complementa a outra, sendo Carmilla a líder, Lenore a diplomata, Striga a general e Morana a responsável pela logística do território. Isso amplia o nosso olhar sobre a sociedade de vampiros, já que, até o momento, esses seres imortais pareciam ser reclusos e individualistas, incapazes de trabalhar em equipe, mesmo em uma guerra.
O trio de protagonistas se separa e Alucard permanece no castelo de seu pai, trilhando uma jornada mais introspectiva envolvendo solidão e arrependimentos. Já Trevor e Sypha seguem caçando criaturas da noite até chegarem na cidade de Lindenfeld, onde se desenvolve toda uma trama arrastada envolvendo os habitantes da cidade, o conde Saint Germain e o corredor infinito. Ao meu ver, esse núcleo da temporada poderia ser bem mais enxuto, assim, sobrando tempo para trabalhar melhor a relação de Alucard com os dois visitantes do seu castelo.
A produção da quarta temporada foi conturbada devido as várias denuncias de assédio sexual e abuso envolvendo Warren Ellis. O criador da série não foi afastado do projeto, porém a Netflix anunciou que essa seria a última temporada do seriado e caso Castlevania continue, terá uma nova história, novos personagens e uma nova pessoa liderando a produção. Por causa disso, esse último ano teve que solucionar todas as pontas soltas deixadas pela terceira temporada. Isso provocou uma mudança drástica de ritmo na narrativa, podendo ser percebida a partir da metade da temporada, com núcleos inteiros se encontrando e encerrando de repente. Sendo o arco de Carmilla o mais podado por esses cortes.
O conselho das irmãs exigia bem mais complexidade do que foi entregue. Visto que, mesmo com a execução de um plano de expansão territorial tão megalomaníaco, as consequências e dificuldades desta incursão mal puderam ser notadas. Carmilla e Lenore tiveram o seu desenvolvimento bem executado na segunda e terceira temporada, porém agora seria o momento de Striga e Morana assumirem o protagonismo, já que, em uma guerra, o comando de um general e a logística tornam-se essenciais. Ao invés disso, nós temos apenas uma passagem da dupla em um acampamento, antes da sua última cena importante na série. Esse núcleo tinha tudo para ser o ponto central da narrativa, com a batalha final ocorrendo em Styria e reunindo todos os personagens relevantes para a trama. Infelizmente, o quarteto de irmãs foi dissolvido no meio da temporada.
Por outro lado, o encontro dos ideais de Hector e Isaac foi bem satisfatório. Os dois mestres de forja movidos por vingança e remorso protagonizam boa parte das discussões e combates interessantes da temporada. Já Alucard tornou-se um personagem de uso pragmático nessa temporada. Os conflitos internos e a culpa do mestiço, apesar de ainda existirem, foram suprimidos para que a narrativa pudesse posicionar todas as peças no lugar, possibilitando que o plano final fosse executado. Eu gostei das decisões finais do personagem, mas as suas escolhas para chegar nelas poderiam ser menos abruptas e melhor trabalhadas.
A jornada de Trevor e Sypha mostrou-se interessantíssima. A introdução dos dois viajando combatendo seitas, vampiros e criaturas da noite à exaustão foi uma aula de como referenciar os jogos sem perder a fluidez da narrativa. O núcleo dos dois avança bem e o retorno da dupla para a cidade onde a ira de Drácula começou até que faz sentido, mas com o tempo nota-se que toda a história está sendo direcionada para os cenários da primeira temporada, na tentativa de mostrar que existe um ciclo e ele está sendo encerrado agora. Porém, essa escolha poderia ser interessante para alguns personagens, mas quando todos são tomados por essa decisão, mesmo que a sua jornada atual não exija isso, temos um problema.
No fim, um quarteto de vilãs foi substituído por bonecos que apesar de design e poderes visualmente interessantes, não possuíam nenhum desenvolvimento para estarem nesse desfecho da história e o único novo vilão que estava sendo minimamente construído foi descartado para que uma boss battle fosse travada.
Castlevania parecia estar sendo organizada para ter no mínimo 5 temporadas, sendo às duas primeiras sobre o Drácula, a terceira funcionando como uma transição e às seguintes resultando no desenvolvimento e conclusão das narrativas propostas no terceiro ano. Porém, a pressa para concluir uma história que não estava no seu fim resultou em um encerramento repleto de referências e fanservices com peso apenas para quem já possuía um embasamento prévio da história que estava sendo adaptada pela série.
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Autodidata de Youtube e ex valentão da escola. Hilário adora mitologias em geral, astronomia e desenhos animados, mas seu passatempo favorito é irritar as pessoas, geralmente ele consegue. Sonserina orgulhoso, ariano, otaku reprimido e chaotic evil.