Cadeia Alimentar – O homem no centro de todas as coisas?

Estrelado pelo global Mateus Solano, Cadeia Alimentar (2019) narra a história de uma humanóide, criatura remetendo aos famosos Ipupiara ou aqueles apresentados em O Monstro da Lagoa Negra (Creature from the Black Lagoon, 1954), A Forma da Água (The Shape of Water, 2017) e outros. Num cenário praiano de pescadores num mundo pós-apocalíptico amarelado, é o personagem de Solano que canaliza e expõe – ora exagerada pelo texto – a problemática que cerca o filme, mostrado pelo fundamentalismo religioso cristão a justificativa para o homem ser o topo da cadeia alimentar. Justificativa essa que é propositalmente paradoxal, não pelo erro explícito, mas por seu antagonismo balançar entre o antropocentrismo e teocentrismo.

Mas é a criatura de voz silenciada do ator Guilherme Ferraz que protagoniza o filme, sendo uma imagem da natureza flagelada e atacada. É através dele que os efeitos tomam forma, assim como os efeitos do homem visceral para o meio ambiente. Seu silêncio nos diz quem, na realidade, é o “monstro”. Mesmo com uma montagem que obstrui uma possibilidade mais poética e forte de mensagem, as lembranças da criatura e sua relação com os homens litorâneos vão formando os próximos passos e desfecho da narrativa.


Certos signos se repetem no filme de Raphael Medeiros para denunciar quantas “cabeças” da natureza foram cortadas para chegar até ali. Quem corta? Quem chancela esses cortes? Quem desdenha das decapitações diárias?

As ruínas de casas despedaçadas na beira do mar não são somente para ficcionar a história de um futuro mórbido, é um reflexo da realidade. As gravações do filme foram realizadas nas belas praias de Atafona, distrito de São João da Barra/RJ e, segundo pesquisadores, o mar avança três metros por ano em naquele lugar, devido a erosão costeira, consequência das ações humanas desde 1954 e intensificadas da década de 70 em diante. Assoreamentos, barragens, avanço habitacional só colaboram para mais deslocamentos ambientais na região. Enquanto o filme é um espelho da situação de Atafona nesse aspecto, Atafona representa as diversas cidades litorâneas que têm o mar na ânsia de ter seu devido espaço.

Se um dia nosso ecossistema cairá sobre nós com a lâmina da justiça é uma questão que só o tempo sobre todas as coisas dirá, caso a gente não parta de outra forma.

Cadeia Alimentar está em exibição na VII Mostra Curta Vazantes. Acesse aqui.


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