Abjetas 288 – Pane no sistema

Perguntaram a Spielberg porque A Lista de Schindler (Schindler’s List, 1993) foi gravado em preto e branco. Ele respondeu que “preto e branco são as cores da verdade”. Em Abjetas 288 (2020) nos deparamos com uma realidade onde duas jovens, Joana (Débora Arruda) e Valenza (Dandara Fernandes), empreitam uma jornada rumo a um El Dourado opaco no meio de uma Sergipe distópica, decorada do lixo retrofuturista de pedaços e adereços eletrônicos (rendendo um prêmio de Melhor Direção de Arte no VI Cine Festival).

A realidade do filme de Júlia Costa e Renata Mourão esbanja verdade dentro e fora das telas. Abjetas 288 é um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do curso de Cinema e Audiovisual do Departamento de Comunicação Social (DCOS) da UFS, apostando da colaboração mútua, em financiamento coletivo, expondo um cinema de resistência que representa a real situação de muitos artistas independentes. Um trabalho lapidado com mérito!

O resultado é um curta em preto e branco que absorve as facetas de uma dupla em busca de territorialidade, de identidade, num deserto onde areias são ruídos e os ventos são falhas em glitchs granulados. A veracidade em constante pane num mundo que expulsa qualquer tentativa de conserto. O aferro – mesmo em alguns delírios – das suas protagonistas em encarar essa discordância que as cercam é o que faz seguir os próprios pés desse percurso.

Nada de coelhos malucos ou estradas de tijolos amarelos. O mundo é plástico, descascado e remendado com restos de solda. Não há miragem e o que chamamos de ilusão é um sistema chamado Realidade que desconfigurou.


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