A Barca – O Caronte natalino alagoano

Noite de Natal. Ela entra. Seus olhos repousam nas únicas pessoas daquela embarcação: a barqueira, um bêbado em sono, uma mulher com seu filho recém-nascido. O silêncio só é rompido pelo motor que desatraca a barca. Para onde?

A Barca (2019) é um curta alagoano selecionado para diversos festivais, entre eles para mostra competitiva da 42ª edição do Festival Internacional do Novo Cinema Latino-Americano de Havana (conhecido como Festival de Havana), 10° Mostra Sururu de Cinema, Mostra Iguatu e o recente IV Cine Festival. É uma adaptação do conto “Natal da Barca” de Lygia Fagundes Telles feita pelo diretor Nilton Resende.

A atmosfera misteriosa toma conta do filme, tal qual o texto que o inspira. Enquanto a obra literária nos deixa poucos detalhes sobre sua narradora-personagem (só descobrimos que é uma solitária mulher quase ao final do texto), a protagonista vivida pela incrível Ane Oliva segue o tom fantasmagórico da narrativa. Silenciosos como mortos seguindo viagem em cima da Barca (este quase como uma efígie das barcas de Gil Vicente) no meio da escuridão das águas. Porém, os diálogos iniciam para o encanto e imersão do espectador.

Destaque para a incrível atuação de Wanderlândia Melo no papel da mãe, onde consegue entregar uma das melhores atuações brasileiras de 2020. É nela depositada quase todo protagonismo diante de sua vivência junto com seu diálogo com a personagem principal, onde tomamos emprestado a visão da história.

“Pelas águas do rio, o barqueiro Caronte apenas comanda o ritmo e indica a direção; o trabalho de remar é realizado pelas próprias almas. (…)” (Civita, 1976, p. 99)

Tal qual a citação da mitologia grega, o que conduz A Barca é o rico diálogo com remos revestidos de melodrama num compasso passivo, mas tenso. Coexiste certa vivacidade – mesmo discreta – de um conto de Natal. Histórias sobre caminhos, decepções, acertos, erros. Histórias sobre vida numa noite de 24 de dezembro que tentam sustentar-se para não afundar na melancolia.

Mas A Barca, assim como O Natal na Barca, é uma história sobre esperança. Desejar que o invisível engolidor dê lugar a uma fluente esmeralda. Sobre reativar o ânimo no meio de histórias que ondulam. Que podemos estar no mesmo barco em condições diferentes.

E como toda história de Natal, é uma história com mensagens. Quais mais? Dê uma moeda ao seu Caronte.


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