Idade avançada, problemas de memória, mobilidade prejudicada, são algumas características apresentadas por pessoas idosas e, por vezes, também o abandono da família, além dos problemas de saúde que vêm com a idade. Tudo isso é comum em idosos do mundo todo. O que nos faz ter um sentimento de piedade com qualquer pessoa nessa fase da vida, especialmente se ela sofre qualquer tipo de violência. Sempre temos conhecimento dos crimes contra o patrimônio de pessoas idosas. Fraudes financeiras: empréstimos ilegais, pagamentos por bens ou serviços inexistentes, etc. Crimes muito comuns no Brasil, inclusive. Portanto, sabemos do assédio sofrido por elas e nos compadecemos. E é por entendermos a vulnerabilidade dessa população que ficamos tão indignados ao nos depararmos com Marla Grayson (Rosamund Pike) e seu golpe em Eu Me Importo (I Care a Lot, 2020).
Marla é uma guardiã legal – também chamada de curadora – de pessoas idosas em situação de vulnerabilidade (incapazes de cuidar de si), atividade prevista na legislação dos Estados Unidos. Assim, amparada pela lei, ela tem acesso aos idosos, com o auxílio de uma rede de profissionais, também corruptos, e toma todos os seus bens enquanto os mantém em casas de repouso. Horrível, não é? Tudo bem assaltar bancos, roubar joias, obras de arte, mas roubar idosos indefesos? Aí já é demais! Infelizmente isso é (ou era) uma prática comum nos Estados Unidos, segundo constatou o próprio diretor e roteirista do filme Jonathan Blakeson. E foi por isso que ele resolveu escrever a estória. Blakesson uniu fatos e sua criatividade para escrever o roteiro do filme que, diferente da maioria dos casos reais, tem uma vítima que pode pôr tudo a perder para a vilã Marla Grayson.
Marla segue com sua atividade corriqueira de surrupiar os bens dos velhinhos, até que se depara com a “galinha dos ovos de ouro” Jennifer Peterson (Dianne Wiest), uma senhora que vive bem sozinha, aparentemente da própria aposentadoria e bens acumulados durante anos de trabalho e, (muito importante) não possui parentes vivos. Jennifer claramente está com a saúde perfeita, mas sua médica a Dra. Karen Amos (Alicia Witt), que faz parte da rede de corrupção de Marla, dá um jeitinho para que ela seja considerada incapaz de cuidar de si. E é só o que basta para que Marla dê seu golpe. Então, junto de Fran (Eiza González), sua parceira de crime e namorada, Marla dá o golpe que acredita garantir sua aposentadoria. Tudo isso acontece nos primeiros vinte minutos de filme. Ou seja, é a apresentação dos personagens e da estória.
Após essa apresentação, e a aparente vitória de Grayson, conquistando todas as posses da Sra. Peterson, temos um primeiro “plot point” (ponto de virada na narrativa) aos trinta minutos de filme, aproximadamente. E chamo a atenção para isso porque todo o filme segue um roteiro com estrutura clássica no sentido de que conduz a estória dispondo de “plot point” e “plot twist” (quando esse ponto de virada é mais radical e muda completamente a direção da estória) a cada trinta minutos aproximadamente. E surpreende o espectador. São duas horas de filme e em nenhum momento eu quis abandonar a narrativa. Tudo te mantém ali entretido: a estória, a imprevisibilidade dos acontecimentos, as personagens, toda a construção estética também (o que é aquele cabelo simétrico da Rosamund Pike?).
E falando sobre os excelentes motivos para ver esse filme, além de ser uma aula de roteiro (não vou dar spoiler, mas o desfecho é maravilhoso!), Dianne Wiest, que faz a vítima Jennifer Peterson, tem uma atuação sensacional com suas feições cheias de cinismo para Marla, durante as visitas. A gente realmente acredita que ela é mais uma velhinha indefesa até descobrir a verdadeira história pregressa dela. Peter Dinklage, que faz o mafioso Roman Lunyov, nem precisa dizer que é uma grata surpresa! Eu nunca sei o quanto do personagem é maldade e o quanto é humor. E não posso deixar de falar dela, a protagonista elegantíssima (e cruel) Marla Grayson, interpretada pela Rosamund Pike, uma mulher inteligente, determinada, disciplinada, com uma postura e aparência impecáveis e que, por isso tudo, só pode ser muito atraente. Seja para enganar velhinhos e juízes, seja para enganar o público de um país inteiro. O que há de motivador em Marla, também pode levar ao seu fim: sua ambição.
Por tudo isso Eu Me Importo é um filme completo que vai te causar muita raiva pela forma cruel como esses criminosos (não só os da ficção) agem e todo o sistema corrupto envolvido, vai te divertir em muitos momentos, te fazer comemorar pequenas vitórias, mas não vai te dar muito tempo para curti-las, porque as coisas mudam rápido, e te deixar encantado pela autoconfiança inabalável de Marla Grayson (Síndrome de impostora? Nunca ouviu falar!). Se isso tudo não é motivo suficiente para ver esse filme, eu nem sei! Vale muito! E pode juntar família ou amigos (que morem juntos) para ver que vocês vão gostar!
VEJA TAMBÉM
Amigas Para Sempre – Mas será mesmo?
Nomadland – Uma jornada rumo ao inóspito desconhecido
Bacharela em Cinema e audiovisual, adora maratonar séries e salvar vários filmes na lista da Netflix. Ama filmes clássicos e estórias com reflexões profundas. Às vezes escreve sobre audiovisual!