A animação italiana O Clube das Winx (Winx Club, 2004 -) ficou conhecida por trazer um grupo de fadas, chamadas de Winx, numa escola de magia conhecida como Alfea. Esse desenho, sinceramente, marcou uma geração, com suas belas cores e suas transformações. Toda a mitologia e enredo por trás das escolas mágicas eram muito bem planejados, mas eventualmente o foco da série se tornou dramas adolescentes centrados ao redor de interesses amorosos. Caso o desenho fosse mais trabalhado na mitologia e menos em dramas de casais e roupas novas e incrivelmente poluídas visualmente, poderia ter sido muito melhor.
Mas indo direto ao assunto em questão, há mais ou menos um ano o serviço de streaming Netflix revelou estar trabalhando numa adaptação live action de Winx. A adaptação ficou nas mãos de Brian Young, que desenvolveu e atuou como showrunner da série em sua primeira temporada. A temporada conta com roteiristas envolvidos em dramas adolescentes sobrenaturais como The Vampire Diaries (2009 – 2017) e o tom da série original Netflix não se distancia muito da série citada.
Assim como na animação, a protagonista do seriado é a fada Bloom, na série interpretada por Abgail Cohen – a bruxa Dorcas de O Mundo Sombrio de Sabrina (Chilling Adventures of Sabrina, 2018 – 2020). Bem, diferente de muitos seriados, a protagonista não parece ser uma personagem sem sal, cujo maior traço de personalidade é ser trouxa. Embora a fada do fogo possa ser imprudente, manipulável e egoísta, ela não se assemelha a outros protagonistas cujos enredos são sempre sobre não ferir os inimigos e serem manipulados. Bloom pode tomar várias atitudes erradas ao longo da temporada, mas ela se mostra uma protagonista bem fora da curva quando se trata de ações e motivações.
Tocando num ponto especial do arco desta primeira temporada da fada, as motivações de Bloom são até um tanto plausíveis. Seu passado e sua origem, enquanto parte do enredo, não são a parte integral da sua apresentação e se tornam detalhes introduzidos por meio de fragmentos ao longo dos primeiros episódios. Buscar a verdade por trás de seus poderes e como ela foi parar no nosso mundo se torna a prioridade de Bloom e termina a tirando do caminho certo ao longo da temporada. Mesmo sendo algo um tanto repetitivo, a forma como a personagem reage aos mistérios cercando seu passado se torna totalmente compreensível, especialmente se tratando de uma personagem de 16 anos.
Para um drama fantástico de adolescentes produzidos pela Netflix, a primeira temporada de Fate – The Winx Saga (2021 -) consegue ser uma introdução adequada. As protagonistas são todas apresentadas e temos um breve gosto de suas histórias e seus dramas, salvo algumas das nossas fadas prediletas, mas voltaremos a isso em breve. Ao apresentar um mundo fantástico e sua mitologia sempre é necessário estabelecer regras, história e ao mesmo tempo seus personagens, e a série consegue fazer isso de uma forma minimamente agradável. Além de tudo, por ter apenas seis episódios, a série não se demora demais com enredos e cenas desnecessárias.
Normalmente em narrrativas sobre fantasia, pessoas não brancas costumam ser excluídas ou então colocadas de lado. Mesmo assim, anos atrás o desenho O Clube das Winx nos trouxe três de suas seis protagonistas baseadas em mulheres não brancas. Eram elas Musa, Flora e Aisha (devido a dublagem brasileira ela também é conhecida por Layla) e eram baseadas em Lucy Liu, Jennifer Lopez e Beyoncé. Quando a adaptação foi anunciada, as atrizes anunciadas não possuíam a mesma diversidade étnica da obra original.
Sim, a atriz Precious Mustapha iria interpretar a versão live action da fada Aisha, que no desenho só foi surgir e se juntar ao grupo na segunda temporada. Mesmo assim, o papel desempenhado pela personagem no seriado é ser extremamente dependente do enredo de Bloom e cuidar para que a amiga não faça besteira. De todas as cinco ‘Winx’, a personagem cuja vida é menos explorada é a de Aisha, sem contar o fato de que quando ela descobriu seus poderes teve de nadar entre excrementos. Seu desenvolvimento é extremamente pautado em como a personagem se preocupa e está ao lado da protagonista branca, e pouco temos chance de mergulhar mais em seu desenvolvimento e sua história.
Como se não bastasse isso, a série nos apresenta a nova personagem Terra, interpretada por Elliot Salt. Essa nova personagem foi criada para o seriado e a atriz que a interpreta é branca, mas o seu elemento é o mesmo da querida personagem da animação Flora, baseada numa mulher latina. Ao longo da temporada fica extremamente claro como Terra não segue qualquer um dos enredos de Flora, inclusive fazendo menção a fada original como sua prima, mas isso não deixa de ser uma substituição de uma personagem não branca em detrimento de uma branca. Terra consegue ser uma boa personagem, mas não fugindo muito dos enredos dados a personagens gordas onde elas sofrem por um interesse amoroso e são constantemente insultadas sobre seu peso.
Falando em apagamento de personagens não brancos, podemos finalmente chegar até a cereja do bolo chamada Musa. Como dito previamente a personagem é baseada na aparência da Lucy Liu e sua cultura, história e enredo na animação seguem na mesma linha de uma origem oriental. Na série a personagem é uma fada da mente e não do som, embora a sua relação com a música esteja lá, e ela é interpretada por Elisha Applebaum sem qualquer menção à sua cultura oriental. O enredo e a personalidade da personagem são divertidos de se assistir, mas o peso de uma personagem asiática ter sua origem étnica apagada não deveria ser ignorado.
Como dito previamente, o enredo da série não é dos piores se tratando de uma série adolescente sobre fantasia, mas em 2021 a série consegue reproduzir inúmeros estereótipos narrativos racistas e apagar a etnia de personagens em detrimento da branquitude. Mais uma vez sinto a necessidade de ressaltar a importância de um bom entretenimento não recorrentemente se tornar a perpetuação da opressão a nenhuma minoria possível. É necessário continuarmos avançando e espero que em suas futuras temporadas as Winx possam abraçar mais a ideia de corrigir os erros aqui citados.
Existe na série a quebra de paradigmas sexistas criados pelo desenho como a relação de fadas com a feminilidade e a de especialistas com a masculinidade. Mas é importante que uma narrativa melhorada em relação aos papéis de gênero não signifique uma piora para questões de raça. Inclusive o próprio personagem original Dane, interpretado por Theo Graham, acaba tendo todo um arco dependente de dois outros personagens brancos muito semelhante à Aisha. Não parece ser acidente os personagens negros passarem por narrativas semelhantes nesse ponto. Os personagens não brancos merecem ser desenvolvidos e não apenas deixados na sombra como partes de apoio para a narrativa dos personagens brancos.
No demais, gostaria de pedir para quem se incomodou com a falta de fantasias brilhantes, música e outros elementos do desenho pudesse se permitir dar uma chance à obra. Como sempre acontece em adaptações, mudanças vão ser feitas, porque a animação é uma obra e o seriado é outra totalmente diferente. Nem todo mundo acha viável pegar uma animação e contratar atores pra fazer tudo idêntico à animação, como muitos dos live actions da Disney.
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Cineasta graduade em Cinema e Audiovisual, produtore do coletivo artístico independente Vesic Pis.
Não-binarie, fã de super heróis, de artistas trans, não-bináries e de ver essas pessoas conquistando cada vez mais o espaço. Pisciano com a meta de fazer alguma diferença no mundo.