O Mundo Sombrio de Sabrina: Parte 4 – É como se perder repetidas vezes

No ano de 2018 a Netflix estreou a primeira temporada da adaptação de The Chilling Adventures of Sabrina, quadrinhos macabros onde a protagonista Sabrina Spellman faz parte de um culto satânico, assim como suas tias, e tem o poder de enfrentar seres das profundezas dos maiores pesadelos. A série teve como protagonista Kiernan Shipka interpretando uma jovem bruxa de dezesseis anos entrando em contato com seu lado bruxo com laços satânicos e o conflito entre seus dois mundos. Com a progressão da série pudemos nos aprofundar no mundo fantástico e macabro cercando a magia e seus personagens.

Uma primeira temporada bem mediana perdida por problemas banais com um garoto humano seguida por uma segunda temporada capaz de estabelecer bem a mitologia da série e seus personagens. Na terceira pouco de bom aconteceu, só foi tudo por água abaixo. Isso se deve a um enredo fraco demais, sem capacidade de estabelecer uma força antagônica convincente para a audiência. Além do mais, a temporada mais uma vez perde seu tempo com problemas da sua protagonista com garotos e dramas adolescente muito mal pensados e desenvolvidos. Houveram muitos burburinhos sobre uma quarta temporada pior do que suas três precedentes, diria que a mesma estaria empatada com a primeira ou ao menos empatada em terceiro.

Afinal, os Terrores Sobrenaturais (no original, Eldrich Terrors) são mil vezes melhores como forças antagônicas do que a confusão apresentada durante a terceira temporada. Quando se trata de uma abordagem episódica, os oito episódios finais da série tomam forma com um enredo principal bem mais consistente do que a temporada anterior. Talvez a mistura entre conflitos episódicos e procedurais seja um pouco enfadonha, pois a vinda de cada um dos oito terrores sobrenaturais ao longo dos oito episódios tornam tudo um tanto previsível. Isso, aliado ao cancelamento da série, fazem a temporada perder muita força a níveis narrativos. Muitos enredos foram tratados de forma mediana e resolvidos rapidamente, como se estivéssemos correndo contra o tempo.

Infelizmente não parecia ser uma corrida contra o tempo a nível narrativo, mas sim porque a série tenta encher todas as histórias e desenvolver de tudo um pouco antes de seu final. Isso não deu muito certo, mas apesar de muitos problemas ao longo da temporada conclusiva, preferi, através deste texto, ressaltar alguns pontos bons na conclusão da série de terror original Netflix. Falando em terror, a parte de horror da série começa bem estabelecida, voltando mais às raízes da primeira temporada e causando certos calafrios. 

É necessário ressaltar que mesmo sendo uma série de terror, ainda é uma série focada em dramas adolescentes e eventualmente no meio da temporada a veia do terror é perdida. Toda uma atmosfera criada pela lenta chegada dos Terrores Sobrenaturais remete ao gênero de terror e horror, algo muitas vezes perdido ou abandonado ao longo da série. Como muitas outras obras seriadas, o terror não consegue se sustentar por muito tempo e vamos viajando mais para o lado da fantasia. Ao menos na primeira metade da temporada (sim, exatamente os quatro primeiros episódios) é possível sentir uma maior presença de escolhas de roteiro, trilha e fotografia remetentes a alguns clássicos do terror.

Escolhas feitas pela personagem de Jaz Sinclair, Roz, conseguiram ser um tanto decepcionantes ao longo das últimas temporadas. Não podemos culpar a personagem, pelo fato da mesma ser fruto das pessoas responsáveis pelos roteiros da série. Bem, nesta parte final a personagem ganha um destaque mais digno e nada relacionado a alguma maldição ou totalmente focada em algum rapaz branco ex de sua amiga (embora haja um certo drama adolescente envolvendo um rapaz branco ex de sua amiga). Sem aprofundar muito, o enredo envolvendo a personagem consegue romper muitas das falhas ocorridas com a mesma em temporadas anteriores. Ainda assim, seria interessante um maior desenvolvimento de sua narrativa, mas isso não foi possibilitado pelo iminente encerramento da série na conclusão desta temporada.

Apresentadas na primeira parte do seriado, as Irmãs Estranhas eram compostas por Prudence (Tati Grabrielle, uma das maiores estrelas da série), Agatha (Adeline Rudolph) e Dorcas (Abigail Cowen, a nova Bloom da adaptação da Netflix do Clube das Winx). Desde o começo da obra as irmãs não passaram de mais um grupo de mean girls aminimigas da protagonista. O título de Irmãs Estranhas faz parte da peça de Shakespeare, Macbeth, em si fazendo uma referência às três Oráculos. Nessa temporada o título dado às irmãs, assim como sua missão para com toda a realidade é explorado e aprofundado. Mais uma vez, isso parece ser feito de forma corrida e não desenvolvida o suficiente pelo curto período de tempo para concluir as narrativas da série. Caso em algum momento seja possível um spin off, de alguma forma, mesmo não em formato de audiovisual, seria extremamente interessante explorar mais as aventuras e missões das diferentes gerações de Irmãs Estranhas.

Quando se trata de dramas adolescentes sobre romance as coisas podem ficar extremamente melosas e exageradas, isso aqui não é uma exceção. Todos os relacionamentos adolescentes, exceto o previamente estabelecido na temporada anterior e também o único afrocentrado entre Prudence Night e Ambrose Spellman (Chance Perdomo), tem uma dose pesada de drama. Aqui vemos a razão de esse detalhe estar incluso na parte de coisas positivas: o relacionamento entre Theo (garoto trans interpretado pelu não binarie Lachlan Watson) e seu namorado Robin Godfellow (baseado no elfo Puck também visto em Sonho de Uma Noite de Verão, interpretado por Jonathan Whitesell) recebem a mesma dose de drama desnecessário de casais héteros.

Isso não colocando a homossexualidade, bissexualidade ou pansexualidade como drama, pois a série aborda questões de sexualidade com uma visão ‘cega’ (em teoria). Mediocridade para casais aquileanos (relacionamentos entre pessoas alinhadas ao masculino) é algo não muito visto na mídia, sempre é dramático demais, pesado demais, envolvendo traição, morte, não se aceitar. Aqui não, mas para saber o quão medíocre são os dramas de relacionamento é necessário assistir ao seriado.

Para os fãs da sitcom original de Sabrina a Bruxa Adolescente (Sabrina the Teenage Witch, 1996 – 2003), o seriado reserva um episódio muito especial para vocês. Em particular me incomodo desde o começo pelas críticas ao gato Salem de Sabrina não falar, pois os enredos do seriado da Netflix e da sitcom são extremamente diferentes, além de seus tons. A forma como o seriado escolhe encerrar sua curta vida ainda assim homenageando o seu passado é extremamente inteligente e divertida.

Breves ressalvas vão para a personagem principal, Sabrina Morningstar, que não teve o desenvolvimento necessário. O seriado nos apresentou uma possibilidade de desenvolver duas vidas de Sabrina diferente e sua versão coroada Rainha do Inferno apenas serviu como convidada especial, ganhando apenas protagonismo em um episódio. Uma grande chance perdida, mas agora não adianta chorar pelo leite derramado. O Estranho Mundo de Sabrina se conclui com uma narrativa mediana, algum potencial, mas tempo perdido em enredos nem tão interessantes. 

Um salve para a família Spellman, cujos finais e enredos não puderam se desenvolver tão grandiosamente como o bando de adolescentes sofrendo por coisas bestas ao longo da série. Miranda Otto e seu enredo, especialmente seu relacionamento com a personagem Mambo Marie (Skye Marshall) foram totalmente colocados de lado e mal desenvolvidos. 

Você pode assistir todas as quatro partes de O Estranho Mundo de Sabrinha na Netflix.


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