2020 Nunca Mais – Tá tudo bem (humor e piadas)

2020. O que foi isso, heim, minha gente? Alguém anotou a placa?

Uma das granes tradições de fim de ano do mundo moderno, junto com Especial de Roberto Carlos na Globo e Simone perguntando o que a gente fez, são as retrospectivas. É sempre interessante olhar pra trás e recapitularmos o que aconteceu nesses 12 meses que passaram em nossas vidas (ou pelos quais nossas vidas passaram, dependendo do ponto de vista). Acontecimentos que ficarão na história, outros fadados ao esquecimento, tragédias, vitórias, mudanças estruturais e quebras de paradigmas. Muita coisa cabe em um único ano, não é mesmo? Mas como já é comum em textos e falas que se propõem a resumir sobre Vinte Vinte, este foi um ano completamente atípico – o que eu acho de um eufemismo sem vergonha. 2020 foi uma desgraça sem tamanho, desses anos que temos certeza que vai ganhar destaque nos livros de História muito em breve e que, no futuro, quando nossos filhos, sobrinhos e netos estiverem reclamando da vida, nós iremos dizer “meu amor, você não sabe o que é desgraça não. Desgraça foi 2020”. Ainda por volta de julho eu já estava pensando no trabalho infernal que roteiristas e editores das retrospectivas deste ano teriam, ainda mais se falando de Brasil.

Eu, assim como muitos brasileiros racionais (não que ainda restem tantos), decidi não assistir à retrospectiva. A nenhuma delas, em canal algum. Mas eis que um banner na locadora vermelha me chama a atenção e, assim como várias coisas que estampam a imagem de Samuel L. Jackson, me instigou a curiosidade. 2020 Nunca Mais (Death to 2020, 2020) é um especial de comédia da Netflix, em formato de falso (?) documentário, uma espécie de retrospectiva “bem humorada” do que foi este ano distópico, criado pro Annabel Jones e Charlie Brooker, o que parece ideal, já que a dupla ficou conhecida por também criarem a série distópica Black Mirror (2011 -).

Contando com vários atores conhecidos de Hollywood interpretando entrevistados que vão de cientistas e historiadores a empresários do vale do silício e influenciadores digitais, e com uma narração na voz marcante de Laurence Fishburne, o especial traz o típico humor britânico, aquele com piadas aparentemente inteligentes, mas nem tanto, que não nos fazem exatamente dar gaitadas, mas só aquele sorrisinho culpado de canto de boca. Um humor que eu particularmente aprecio (mas nem sempre). O filme passa por alguns acontecimentos que, para um ano comum, poderiam ser grandes, como as queimadas na Austrália, o Fórum Econômico Mundial em Davos e o Oscar de Parasita, mas acaba focando muito mais em três assuntos principais: as eleições presidenciais americanas, as manifestações antirracistas do #BlackLivesMatter e, claro, a pandemia global do novo Coronavírus, o que é justo, já que dentre tantos são os assuntos que mais influenciaram nossa vida este ano e que certamente ainda influenciarão permanentemente.

Tendo em vista que o intuito do especial é basicamente divertir tirando sarro da nossa própria desgraça e não exatamente informar, os roteiristas tiveram em mente que o público já conheceria a maioria dos fatos mencionados e aposta quase que inteiramente na ironia do absurdo, o que, convenhamos, não é tarefa fácil de se fazer no ano em que tínhamos líderes das maiores potências mundiais que pareciam ter saído dos mais inspirados episódios de Os Simpsons (ou de Ricky and Morty, dependendo do ponto de vista). O ano da piada pronto deu trabalho a humoristas e comediantes, em vários sentidos da palavra, e talvez isso tenha atrapalhado um pouco o objetivo do roteiro, algo parecido com o que rolou em Borat 2 (2020), mas talvez seja apenas eu que esteja amargo demais este fim de ano e custe a achar graça da DESgraça. Ou pior, talvez tenhamos passado um pouco da fase de fazer piada com o estranhamento e apenas estranhá-lo mesmo. Enfim.

O grande mérito de 2020 Nunca Mais talvez esteja mesmo em seus entrevistados e nos atores que os interpretam. Meus preferidos são o Historiador britânico liberal de Hugh Grant e a psicóloga cansada da humanidade de Leslie Jones (provavelmente a que mais me representou), mas preciso destacar também as hilárias Diane Morgan e Cristin Milioti, respectivamente como uma cidadã britânica comum e uma mãe de família americana de classe média alta, a típica cidadã de bem, facilmente reconhecível também aqui no Brasil. E claro, Samuel L. Jackson praticamente interpretando ele mesmo.

O especial deixa a desejar em muitos aspectos, com algumas piadas pouco inspiradas, especialmente no texto da narração. Talvez um Ricky Gervais ou um John Oliver tivessem sido mais certeiros no roteiro (pra ficar só nos britânicos), mas é um bom entretenimento autodepreciativo para um fim de ano que nos depreciou pra ca*****. O importante é que 2020 está acabando… tá, isso é o que eu diria se eu fosse a pessoa positiva que eu gostaria, mas o mais provável é que 2021 seja apenas uma continuação deste ano e enquanto não tentarmos nós mesmos fazer alguma diferença todos os anos seguintes vão chutar esse cachorro atropelado que 2020 nos transformou.

Feliz ano novo a todos!


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