His Dark Materials: Fronteiras do Universo – 2×02: The Cave

Depois de um gancho desgraçado e aterrorizante, aparentemente o espectro que vimos no primeiro episódio decidiu só dar uma cheiradinha no cangote do Will (Amir Wilson) e deixar o garoto em paz. Mas, por quanto tempo eles vão se contentar em apenas dar uma leve stalkeada no garoto?

Mas entrando no segundo episódio da temporada, dirigido por Jamie Childs e escrito por Jack Thorne, assim como o primeiro, dessa vez com a colaboração de Francesca Gardiner, nossas crianças vão para Oxford, mas dessa vez é a Oxford de Will, ou a nossa Oxford. Vamos ter muitas informações que talvez sejam um pouco difíceis de entender, pois a montagem do episódio alterna de núcleos de forma um tanto errática, nem sempre existe uma ligação entre a cena que acaba e a que começa.

O elenco novamente se sai muito bem, a ligação entre Lyra (Dafne Keen) e Will fica mais forte, e a química entre Dafne Keen e Amir Wilson não poderia ser melhor, além de termos um momento bem introspectivo da Sra. Coulter (Ruth Wilson). As novidades do episódio são Ariyon Bakare reaparecendo como Boreal, que não tinha dado as caras no primeiro episódio, e Simone Kirby, atriz de Peaky Blinders (2013 -), debutando como Mary Malone, e ela é perfeita, sendo ao mesmo tempo parecida e diferente com sua contraparte dos livros. A atriz, por sinal, é fã da saga literária.

Tecnicamente tudo no episódio segue impecável, mas eu gostaria de dar um destaque para a composição, que claramente se sobressaiu junto com a direção de arte para nos passar belas e importantes mensagens sem dizer uma palavra.

Antes de começar, queria deixar claro que a HBO poderia, mas não patrocina nosso site. Assistindo esse episódio eu fiz bastante uso do HBO Extras, uma aplicativo da emissora que é interessante, porém muito travado e lento, mas que basicamente, sincronizando com o áudio do episódio da série que você está assistindo, vai passar informações sobre ela, podendo ser usado com qualquer série que seja exibida pelo canal.

Tanto o primeiro como este segundo de His Dark Materials tiveram 52 informações das mais variadas. Curiosidades sobre a produção, sobre a história, piadinhas, comparações com o livro e até mesmo entrega algumas referências e spoilers. Como as informações são dadas enquanto se assiste, pode atrapalhar a imersão de alguns, então talvez alguns prefiram usar em uma segunda assistida ou esperar o episódio acabar para ler tudo que foi mostrado.

No primeiro episódio o app bugou completamente e eu não consegui usar, só consegui ler as informações depois, e não funciona apenas para episódios que estão estreando, se você for assistir algo na HBO GO (e eu disse HBO GO, crianças) também é possível fazer a sincronização. Algumas coisas que vou falar aqui vieram inclusive deste app.

Chega de merchan gratuito agora, primeiramente vou fazer justiça aqui, o problema que eu apontei no episódio anterior de Pantalaimon (Kit Connor) não querer se esconder foi resolvido com uma mochila para colocarem o coitado, enquanto nossos protagonistas se separam para resolver suas questões. Começamos então com Lyra bastante abalada ao descobrir que a Jordan não existe no nosso mundo. É um momento em que lembramos que, apesar de envolvida em uma trama séria e complicada, ela ainda é uma criança com saudade de casa e do melhor amigo. Mas muitas coisas ainda são parecidas e foi o momento perfeito para se incluir uma campanha real para preservação ambiental e dos ursos polares.

Com sua ida ao museu Pitt Rivers, que realmente existe, para ver uma exposição sobre o Norte e com uma leve consulta ao aletiômetro dentro deste, ela descobre onde está o catedrático que ela precisa encontrar, mas, além disso, lhe é dito que ela precisa ajudar Will a encontrar o pai, e não ele quem precisa ajuda-la como a garota pensava. Também é lá que Boreal faz sua primeira aproximação. Aproveitando que ele se encontrou com Lyra apenas em um breve momento uma temporada atrás e ela não o reconhece, ele chega simpático e atencioso, mas não se enganem, a cobra não chega assim em sua presa sem querer algo em troca – algo que ainda não sabemos o que é -, já que posteriormente na narrativa ele não conta para Marisa que sabe onde sua filha está. Porém, foi com outros objetos do museu reagindo à consulta de Lyra que eu me arrepiei, foi um detalhe perfeito que vamos entender um pouquinho mais para frente.

A conversa de Lyra e Boreal, ou Charles como ele é chamado aqui, nos remete ao primeiro episódio da série, enquanto os dois conversam sobre crânios trepanados (um procedimento que existe inclusive) e nos lembram da suposta cabeça de Stanislaus Grumman que Lorde Asriel (James McAvoy) levou para Oxford. A trama de Will é bem mais preenchida do que no livro, até para poder render sete episódios de quase uma hora. Depois de uma leve visita a sua mãe, depois de ela ter lhe enviado mensagens (e a série tem usado as novas tecnologias de modo inteligente já que obviamente em pleno 2019-2020, Will vai ter sim um celular, ao contrário do livro que, salvo engano, se passa em 1985), ele continua sua busca e começa indo até a advogada de seu pai, mas precisa de um responsável adulto para que as informações que quer lhe sejam dadas, o que o leva para seus avós, que ele sequer sabia que existiam. Porém, estes não parecem ser das melhores pessoas, e mostram para ele, de um modo muito pessoal, que não se pode confiar em adultos e talvez em ninguém. No entanto, o roteiro perde a chance de, através do casal de idosos, passar fotos e artigos de jornal sobre John Parry (Andrew Scott), pai de Will.

A diferença entre nossos protagonistas ficou bem mais clara agora. Lyra é claramente aquele tipo de pessoa que se joga sem pensar duas vezes enquanto Will é cuidadoso e planeja seus passos. A cena dos dois no Jardim Botânico de Oxford – mais um lugar real -, sentados no banco com Pan entre eles, foi simplesmente tudo e mais um pouco para mim. Além da química dos atores, é naquela cena que os dois percebem que sim, estão sozinho, mas tem um ao outro e são as pessoas em quem mais podem confiar. O momento também é um enorme e maravilhoso foreshadowing, um prenúncio do que vai vir a seguir, além de fortalecer uma analogia que com o tempo não será tão analogia assim e que eu adoraria spoilar, mas vou evitar. Não é algo difícil de notar quando se percebe que a história fala bastante de religião. Eu percebi, mas já tinha lido os livros e apenas esquecido. Até o final da temporada vão deixar isso mais claro, então, vou ficar quieta e deixar vocês pensando sobre pessoas e jardins.

Como dito anteriormente, conhecemos agora Mary Malone, física que é quem o aletiômetro diz para Lyra encontrar, e é nossa terceira protagonista de certo modo. Ela tem um papel muito importante para cumprir na história como um todo. Orientada a não mentir, nossa protagonista acaba se abrindo e mostrando toda sua fragilidade para a cientista, que, comovida, decide contar para a garota sobre sua pesquisa. O que pessoalmente, não me convence muito. As duas conversam e somos apresentades a dita caverna do título. Nesse ponto, de fato, fica cada vez mais clara a mistura de ciência e religião que é a essência de Fronteiras do Universo, mas vamos aos poucos.

Mary estuda matéria escura,, que para quem não sabe, é o que compõe 85% do nosso universo e nós NÃO FAZEMOS IDEIA do que isso seja, mas, para a série, matéria escura é o Pó. Se é que isso responde alguma coisa, mas com certeza é melhor do que a explicação do Magisterium de que o Pó “é o pecado físico que chove do céu e se instala na humanidade, contaminando nossas almas com o mal” e a maior revelação, o Pó é consciente e por algum motivo reage a interferência humana.

A caverna de Mary é um computador, um computador quântico, que ela usa para analisar as partículas da matéria escura que ela chama de sombras e, sim, temos aqui uma referência a Caverna de Platão, onde as sombras projetadas na caverna correspondem apenas a uma projeção da realidade. Fiquem com isso em mente, especialmente porque nunca vamos ter todas as repostas que queremos. O dispositivo é basicamente como o aletiômetro, responde ao mesmo estado mental, mas lembra ironicamente a máquina de seccionar de Bolvangar.

Nessa sequência temos muitos momentos satisfatórios, como ver que Lyra já decorou a posição dos símbolos do aletiômetro, somos introduzidos a caixa de I Ching de Mary (I Ching é um livro ou método filosófico de adivinhação e autoconhecimento chinês) e temos mais um belo foreshadowing, com Mary segurando um pedaço de âmbar, o que me tirou um gritinho. Além disso, descobrimos um pouco mais adiante, durante uma conversa com Oliver (Robin Pearce), chefe da cientista, que o projeto ficará sem financiamento se a pesquisa não der resultados, o que com a ajuda de Lyra, agora eles tem, mas como explicar aquilo?

No núcleo do mundo de Lyra a situação é bem mais tensa.

O Magisterium agora está perfeitamente na mão da Sra. Coulter, agora que MacPhail (Will Keen) se tornou cardeal e é completamente controlado por ela. A instituição agora também parece que vai adotar uma postura mais bélica, agora que descobrimos que ela possui um exército e armas de guerra. MacPhail inclusive se pune previamente por esse pecado de violência, algo que só é apresentado no terceiro livro, e me leva a pensar se não veremos mais disso até o fim da série como anúncios das ações dele.

Seu primeiro alvo são as feiticeiras, já que decidiram considerar a trégua terminada e que o crime de uma única feiticeira é um crime de todas. Algo que o app apontou é que o que se desenrola é muito parecido com o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando que, se você prestou atenção as aulas de História, sabe que foi o que detonou a Primeira Guerra Mundial. Será uma referência para o roteiro? Levanta questões sobre que rumos esse núcleo pode tomar.

A série não tem poupado esforços para aproximar o Magisterium com a nossa Igreja Católica, tanto com a semelhança entre o conclave (eleição para um novo Papa) e a eleição para o novo cardeal, como com o ato de destruir e atacar um povo que possui uma cultura e deuses diferente da deles. Com a proximidade de Sra. Coulter e Boreal durante todo esse conflito, já é entregue (e na verdade já o havia sido no trailer) que veremos Marisa caminhando pelo nosso mundo. Ela que continua uma maravilhosa dissimulada chorando pela morte do Cardeal Sturrock (Ian Peck), mas o episódio perde a chance de mostrar a forte ligação entre ela e seu daemon macaco, que nos livros possuem uma sincronia perfeita, com ele sempre em seu braço ou ombro. Importante também lembrar que, até agora, ele é o único daemon símio que vemos, inteligente e belo.

Mas é durante o julgamento de Dr. Lanselius (Omid Djalili), enviado por Serafina Pekkala (Ruta Gedmintas) para tentar apaziguar os ânimos com o Magisterium, depois de Ruta Skadi (Jade Anouka) assassinar o Cardeal anterior que o show de Ruth Wilson acontece. Durante toda a cena, Sra. Coulter se identifica e leva para o lado pessoal todas as acusações contra as feiticeiras, já que a instituição considera uma mãe deixar um filhe aos cuidados do pai uma perversão antinatural, sendo um dos motivos de Marisa não revelar que Lyra é na verdade sua filha, e que além disso também foi concebida fora do casamento. Ademais, fica no ar se ela teria realizado o mesmo ritual das feiticeiras para conseguir se afastar de seu daemon sem romper o elo, já que claramente ela não foi seccionada.

O julgamento, mesmo sendo uma armadilha do Magisterium na qual as feiticeiras caíram sem nem perceber e que levou a prisão de Lanselius, nos revela aspectos da cultura destas, como os filhos homens serem deixados com seus pais quando seus daemons se fixam e o ritual no extremo norte onde elas vão para um lugar onde daemons não podem isso. Já outra informação plantada que será útil para a série.

Adorei que as feiticeiras tiveram mais conflitos, já que no livro elas são super complacentes e simplesmente aceitam as decisões umas das outras, ainda mais se tratando das rainhas, ninguém discute nada. A briga entre Ruta e Serafina deixa claro que Ruta não apenas espera, como pretende lutar essa guerra contra o Magisterium, enquanto Serafina não parece entender que a trégua estava ameaçada muito antes, quando ela ajudou Lyra e os gípcios a libertarem as crianças de Bolvangar, já que o Conselho de Oblação era parte da instituição. Ruta ter matado o Cardeal para salvar e feiticeira sem nome foi apenas uma gota d’agua. Essa guerra torna as motivações das feiticeiras muito mais interessantes e difíceis do que apenas seguir uma profecia. Sendo aliás algo anunciado já no momento da própria trégua, afinal, as feiticeiras funcionam como amazonas e o Magisterium é machista e conservador, eles não admitiriam a existência delas por tanto tempo assim.

Quanto aos daemons, eles continuam escondidos em muitas situações, apesar de serem mostradas suas relações com outras pessoas, além de seus humanos, e só agora, nesta temporada, eu notei que todos os daemons de membros do Magisterium são insetos, aracnídeos e répteis. Criaturas pequenas, escorregadias, muitas vezes venenosas e que causam medo em muitas pessoas apesar de seu tamanho.

Momento comparação com o livro!

  • No livro, é Serafina quem encontra com Thorold e para quem ele conta que Lyra está em outro mundo ao invés da Sra. Coulter.
  • Will nunca vai visitar a mãe, e seus avós sequer são mencionados. Ele apenas confia quando Lyra consulta o aletiômetro e ele informa que sua mãe está bem.
  • A jornada dele também é diferente. Primeiro ele investiga o pai ligando para o advogado, depois vai até uma biblioteca e em seguida para o instituto de arqueologia, para, só depois, cogitar ver o advogado pessoalmente, mas desistindo ao ver os homens que invadiram sua casa no escritório deste.
  • Boreal no original tem um comportamento muito estranho e invasivo com Lyra que não contribui para acreditar em coisas que acontecem depois. A opção da série em deixa-lo simpático é bem melhor.
  • Senti falta na cena do museu de Lyra descobrindo com o aletiômetro a idade real dos crânios trepanados. A informação do museu estava errada, e é uma importante informação para quando ela vai falar com Mary, demonstrando um conhecimento estranho e parecido com a pesquisa da mulher.
  • O encontro das duas no livro é, inclusive, totalmente diferente. Mary parece muito mais uma cientista maluca, por estar a dias sem dormir e trabalhando sem parar porque seu financiamento será cortado no final da semana e ela precisa apresentar resultados se quiser continuar recebendo verba. Quando Lyra chega falando várias coisas estranhas, por estar uma pilha de estresse e sem dormir, Mary fica confusa e acaba soltando a língua sem entender bem o porque, e em diversos momentos parando para pensar em quem é aquela garotinha mesmo?
  • MacPhail é um personagem do terceiro livro, então fiquei curiosa para saber como vai ser sua construção até chegar no ponto que os leitores o conhecem.
  • E o conflito das feiticeiras e do Magisterium não existe. É uma das várias ações dos livros que não têm consequências, fica por isso mesmo e tudo bem. Destruiram Bolvangar e mataram nosso líder, mas vamos deixar elas em paz, fazer o quê? Sendo que feiticeiras interferirem em assuntos humanos já seria motivo para acabar a trégua.

Momento informação interessante do HBO Extras!

(Seçãozinha criada para falar de algumas coisas interessantes que o app dá, mas que não são necessariamente ligados à narrativa).

  • Na cena do jardim, é dito que no lá existe uma estátua de Pantalaimon e do Gato de Alice no País das Maravilhas, sendo que no primeiro episódio relacionam Will e Alice por entrarem em outro mundo seguindo um animal.
  • Também foi apontado que a inspiração de Philip Pullman para os daemons veio de quadros como Dama com Arminho de Leonardo da Vinci, Retrato de uma Senhora com um Esquilo e Estorninho de Hans Holbeins e Um Jovem Mulher com uma Arara de Giovanni Battista Tiepolo.

Com a caverna, agora a ligação entre ciência e religião, que torna Fronteiras do Universo a incrível obra que é, está mais evidente.  A trama agora começa a crescer de verdade, uma guerra foi declarada e a partir daqui não existe mais volta.


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