O tão esperado – e temido – desfecho finalmente chegou. Tendo em vista o quão esta temporada decepcionou e se perdeu aos montes, o sentimento mais plausível para o público era de receio pelo que o final de The 100 (2014-2020) nos reservava. E, para nossa surpresa, foi lindo. De todos os efeitos inesperados, a series finale conseguiu ser satisfatória e surpreender. Para a despedida desta jornada de 100 capítulos, The Last War se fez memorável.
Casando exatamente com o que The Dying of the Light (7×15) dialogou sobre o esgotamento de todas as esperanças, eis que nossa trupe chega no fim da linha com muitas perdas para a última guerra. O momento decisivo da construção desse universo de sacrifícios e sobrevivência, com a ameaça do sádico Bill (John Pyper-Ferguson) indo representar a transcendência da humanidade. E tendo a direção e roteiro assinado pelo polêmico Jason Rothenberg, a finale não escapou de fraquejar em alguns momentos.
Os primeiros nove minutos do episódio foram um exemplo misto de acertos e erros numa decupagem frenética, onde nem todas as escolhas fizeram muito bem para o ritmo. Já abrimos a narrativa com a cena de Raven (Lindsey Morgan), Murphy (Richard Harmon) e Jackson (Sachin Sahel) chegando em Bardo para salvar a vida de Emori (Luisa d’Oliveira), o que sinalizou, ali, para nos prepararmos pro adeus. Depois, Clarke (Eliza Taylor), com sangue nos olhos detonando tudo pela frente para chegar até Bill, e mais adiante, a confirmação de que a última guerra se tratava mesmo de um teste (coisa entendida pelos personagens e público graças a Jordan), e só Cadogan esperava que seguido de seu egoísmo fatal, levaria a humanidade para uma batalha e por fim, alcançariam a transcendência.
A falta de explicação do que é a divindade que sustenta a transcendência, compensa pela sua representação certeira e coerente para o que show vem construindo. Funcionando por uma personificação do que a “cobaia” no teste mais zelava, uma figura se manifesta para determinar ou não a aprovação. No caso de Bill, a imagem que surgiu para ele foi de sua filha Callie (Iola Evans) e antes que pudesse responder o porquê de representar a humanidade depois de anular sentimentos afetivos e os guiarem para uma guerra, Clarke o atingiu com vários tiros, se tornando, então, a cobaia no julgamento.
Isso tudo em um tempo de seis minutos, para encaixar uma pausa destoante e forçada do que o ritmo tinha alcançado: pra que diabos Hope (Shelby Flannery) e Jordan (Shannon Kook) em momentos íntimos? E mais na frente, a sequência pouco convincente para efeitos emotivos dos ex-prisioneiros de Eligius III convocados por Raven para resgatar os que ficaram no bunker. Se pra ser emocionante cabiam umas falas caricatas e bregas de Nikki (Alaina Huffman), parece mais viável do que outras polêmicas de última hora.
Mas felizmente, a narrativa logo retoma o comando, se afasta do convencional e direciona para a melhor escolha e mais significativa para a série. A começar pelo teste de Clarke, onde defendeu tudo o que fez e ainda contestou os parâmetros da transcendência (que quer purificar da discórdia, mas pela tradução errada, ainda levou a guerra). E, como esperado pelo público, a última temporada guardava, sim, retornos de personagens importantes, e personificando alguém especial para nossa Griffin, Lexa (Alycia Debnam-Carey) “voltou” e não foi para mínimos minutos em tela. A cena do julgamento em questão mostrou um peso de consequência horrível para Wanheda (até por matar Bellamy, pela primeira vez, soou coerente para o desenvolvimento), e a humanidade tinha como representante alguém afogado em sentimentos recentes de perdas e ecos de fúria, sem falar nas feridas inflamadas do passado, o que resultou na reprovação.
O que abriu espaço para a série celebrar e honrar um dos pontos que trouxeram seus méritos: mulheres em papéis fortes, de destaque e empoderadas. Levantando essa nota, o foco dessa finale foi para as personagens femininas – ainda que algumas em um plano astral – Callie, Lexa (relembrando o quanto o casal formado com Clarke sempre será importante) e agora o belo “retorno” de Abby no teste de Raven, depois que Clarke falhou. E nessa mesma linha, enquanto Raven tentava fazer valer seu juízo e provar que ela e seus amigos estavam prontos, Octavia (Marie Avgeropoulos) e Indra (Adina Porter) brilharam.
Assim, o roteiro de Rothenberg não se apoiou em como Clarke reagiria para fazer o esperado, mas optou por aproveitar e reafirmar a importância dos personagens que acompanhamos e não deixá-los como meros coadjuvantes em pontos específicos e, por fim, encaixar uma sensação de emoção disparada para a audiência; porque o último episódio precisava ser épico e ter esses aspectos para causar tal efeito.
Como outra prova de que The 100 sabe bater na mesma tecla sem cansar, foi a cena do discurso poderoso de Octavia, unificando todo argumento que o programa vem desenvolvendo com acertos e erros: se ainda estão se salvando em um ciclo de violência, não há o que ser salvo. Se ainda há de ter guerra, é uma luta perdida. Transcender é uma escolha – e estando Wonkru, os membros de Eligius III vs os Bardanos – eles precisaram escolher serem um só. Humanidade é isso. Unidade, o trabalho em conjunto de todas partes por um propósito; serem um povo, um clã. Nisso, ao não lutar, transcenderam.
Entre muitos simbolismos e feitos louváveis para este final, é compensador ter a derradeira luta como viés do que os define como sociedade. E o espelhamento da transcendência funcionar como um senso de autorreflexão e questionamento do que os trouxeram até aqui e como ainda estavam agindo – por isso a pergunta no teste sempre puxava de uma atitude recente: se estão desse jeito, por que transcender?
É incrível que, mesmo com uma temporada inconsistente para um plano de dezesseis episódios, The 100 conseguiu fazer valer sua despedida e não nos deixar com um sabor amargo.
Últimos comentários:
100: Pior do que a solidão vista na quinta temporada, a sentença para Clarke foi ficar só; foi para Sanctum, correu pelas florestas da Terra e apenas a companhia da cadela Picasso preenchendo um vazio. Parecia cruel e injusto, Wanheda ter por último esse eco de consequência por decidir para que seus amigos não precisassem. Contudo, transcender se tratava de uma escolha, e trazendo um final belo por toda trajetória que tiveram, eles escolheram ser uma família junto com ela, restando, então, o fim depois da morte como todos os outros personagens tiveram, sendo únicos, sem descendência.
99: segundo episódio da temporada onde Miller (Jarod Joseph) teve mais participação no texto.
98: ainda que Emori continuasse morta, foi linda a escolha de Murphy implantar o chip em sua cabeça para serem “eternos”.
97: o antigo povo em Bardo foi petrificado porque não passaram no teste, e não por perderem uma guerra. Engraçado Levitt (Jason Diaz) só falar isso agora.
96: certamente, essa cena ficará para o provável spin-off, mas faz sentido Becca ter impedido Bill de saber os códigos para acessar o teste: o que ela viu foi ela mesma sendo julgada e entendeu que ele não poderia representar a humanidade, pois ali seria o fim. Se naquele momento não estava pronto, anos depois seguiu sendo escroto. Ou seja, humanidade condenada do mesmo jeito.
95: outra coisa que ficará para o spin-off, mas entendo agora que as viagens através da pedra tinham um significado de preparar o/a cobaia para o teste final. Vejamos. A passagem de Octavia entre Sanctum e Penitência colaborou para sua fase de redenção, e relembro aqui que ela foi ferida pela “anomalia” e curada pela mesma chama verde. Já Bellamy, em Etherea, foi convertido – ainda que pelo pelas influências indiretas de Bill – porém, enxergou a transcendência. A diferença é que tanto ele, como os Bardanos, receberam as informações que Bill moldou com seus mandamentos e acreditava ser necessário para última guerra.
94: se Bellamy estava certo sobre a transcendência, continua errado porque concordava com os ideais de Bill, e também, a maneira que tudo aconteceu foi tosca, certo?
93: seguraram Sheidheda para ele incitar o ódio na entrada de Bardo, nossa. Nem esperava que Indra ia atirar; ela disse tanto “sua luta acabou” para ele, e só pensei que a luta dela acabaria.
92: além das diferentes personificações “divinas”, a luz de ponte para o teste, assim como o local de ilustração depende de quem está sendo testado. No caso de Bill, uma luz branca e a doca onde ele e Callie estiveram; para Raven, a cor ficou vermelha e o cenário se tornou a arca.
91: como a Terra ficou bonita só saberemos na provável série derivada?
90: may we meet again se o spin-off for aprovado. Tomara que seja, pois há muito material interessante a ser explorado, principalmente o passado de Becca e o protagonismo de Callie.
Ama ouvir músicas, e especialmente, não cansa de ouvir Unkle Bob. Por mais que critique, é sempre atraído por filmes de terror massacrados. Sua capacidade de assistir a tanto conteúdo aleatório surpreende a ele mesmo, e ainda que tenha a procrastinação sempre por perto, talvez escrevendo seja o seu momento que mais se arrisca.