Em 2015 foi dado início ao processo de desenvolvimento do filme Os Novos Mutantes como parte da franquia dos X-Men da Fox. Em Maio deste mesmo ano o diretor Josh Boone oficialmente ficou encarregado do projeto, com planos para uma trilogia da equipe de heróis. O filme teve suas filmagens acontecendo no ano de 2017 com uma data de lançamento para 2018.
De acordo com as informações, seria um filme de quadrinhos navegando pelo gênero do terror. Os primeiros trailers mostravam uma atmosfera sombria para estes jovens mutantes presos num tipo de hospital psiquiátrico, onde eram assombrados por estranhas criaturas. Antes mesmo da compra da Fox pela Disney, o filme passou por refilmagens e sua data de lançamento deixou de ser em Abril de 2018.
Após a compra da Disney, junto de vários outros imprevistos, do lançamento do nada aclamado X-Men: Fênix Negra (Dark Phoenix , 2019), e com uma pandemia nas costas, o filme acabou sendo lançado no mês de Agosto de 2020 nos Estados Unidos. Por uns dois anos esse filme esteve nesse limbo figurativo de lançamento sem um destino exato. Pouco se sabia sobre o enredo, mas as críticas quanto ao material adaptado sempre estiveram presentes. Em particular pelo embranquecimento de personagens étnicos (Roberto da Costa e Cecilia Reyes), e quanto o apagamento de uma mutante asiática presente na equipe desde seu início: Xi’an Coy Manh, a Karma, uma das primeiras personagens lésbicas em quadrinhos americanos.
Recentemente, durante a divulgação do filme, o diretor falou sobre a escolha de Henry Zaga como Roberto da Costa, um mutante negro e brasileiro com poderes relacionados ao sol. O diretor afirmou não se importar com racismo no Brasil e falou sobre o desejo de incorporar no personagem a ideia de que ele era de uma das famílias mais ricas do Brasil, e Henry Zaga foi perfeito para o papel. Ao meu ver não existe uma razão plausível para que o personagem não fosse negro e assim fosse respeitada a existência de personagens negros muito apagados e ignorados nos quadrinhos.
A escolha da atriz brasileira Alice Braga para interpretar Cecilia Reyes parte de um mesmo lugar comum, pois a personagem no material de origem é negra e latina (originalmente de Porto Rico). No final a personagem mantém suas habilidades de gerar campos de força e sua conexão com a medicina, mas sua negritude é completamente ignorada. Além da mesma não ter motivações ou desenvolvimento reais em seu período em tela. Desde sua apresentação o filme não tenta esconder o fato da mesma ter motivações ocultas e um propósito não tão bom para os jovens.
Mesmo com um elenco de peso, com nomes como Anya Taylor-Joy e Maisie Williams, o mesmo termina sendo uma obra que falha em os aproveitar. Seus personagens terminam por ser tão rasos quanto os seus medos. No final a ideia de mergulhar nos medos e traumas de seus personagens é boa em teoria, mas termina sendo desperdiçada em meio a diálogos desconexos e pouco críveis. É como se o filme se prendesse a estereótipos de personagens jovens de anos atrás e não tentasse minimamente fugir deles.
O terror presente no filme não passa de cenas escuras e gritos, com barulhos para causar desconforto mas a real razão do desconforto é como o filme é tão curto, tão simples, mas ainda assim não consegue ter nenhuma consistência. Os personagens passam de um ponto para outro sem qualquer desenvolvimentos após curtas conversas e formam assim laços pelos quais arriscam suas vidas. Existem inúmeras referências à personagens e obras do terror dentro do filme, mas não passam apenas de uma tentativa de homenagem muito mal elaborada.
Apesar da enorme inconsistência, o filme pode até minimamente se sustentar como um ‘coming of age’ cuja pegada de terror não cola. Muito semelhante a produções feitas para a televisão com um baixo orçamento, o filme não tenta ser muito. Por vezes podemos sentir a ideia de um terror se formando mas não há atmosfera ou desenvolvimento suficiente para o mesmo. As atuações são incrivelmente rasas e pouco surpreendentes, nenhum dos personagens, fora a protagonista, tem o tempo suficiente para brilhar.
Isso, inclusive, me trouxe mais uma vez o questionamento da importância de ter Henry Zaga como Roberto, um mauricinho brasileiro rico que tem poucas falas e é o estereótipo de atleta. Talvez Boone apenas não acredite que um jovem negro possa vir de uma das famílias mais ricas do país. Sabe a personagem brasileira negra colocada no filme? A namorada morta de Roberto, fonte de seus pesadelos. O que será que podemos falar sobre isso?
Muito foi apostado na tentativa de se estabelecer o filme como o primeiro capítulo de uma possível trilogia, algo impossível após a compra da FOX pela Disney e do fracasso de crítica e bilheteria. As referências dentro do filme funcionam bem, trazendo um pouco do gosto de antigos filmes dos X-Men, onde sentíamos a conexão com um universo maior. Mas é apenas isso.
Se fosse tirado o nome ‘mutantes’ do filme, pouco se perderia. Especialmente pelo fato do material de origem ter sido majoritariamente ignorado pela equipe responsável pelo longa. Até o nome do criador dos Novos Mutantes, Bob McLeod, foi escrito de forma errada nos créditos do filme, e o mesmo publicou uma carta sobre como o filme e seus personagens não tem muito a ver com sua obra.
Uma das melhores coisas do filme é a sua protagonista, Blu Hunt, interpretando a Danielle Moonstar – a Miragem, nos quadrinhos. Existem muitos questionamentos a serem feitos quando uma personagem nativa-americana é tratada da forma como o enredo trata Dani, mas ao mesmo tempo a atriz carrega o filme nas costas. Isso pois o próprio enredo a obriga a fazer isso. Se existe uma personagem explorada dentro do filme, infelizmente bebendo muito de estereótipos sobre nativos americanos, é a personagem de Blu. Esse é o primeiro longa da atriz e ela é protagonista, seria interessante ver a mesma como uma personagem nativa cujas origens são mais respeitadas e exploradas.
Os Novos Mutantes levou muito tempo para sair e não deveria ter ido aos cinemas com uma história meia boca, mais parecendo um episódio filler de uma série com efeitos bem duvidosos. Comparando com Fênix Negra o filme não consegue ser pior, porque nem consegue ao certo ser um filme direito. A melhor parte do filme, o único romance presente, pode ser uma das maiores razões de boicote ao mesmo e isso é realmente triste.
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Cineasta graduade em Cinema e Audiovisual, produtore do coletivo artístico independente Vesic Pis.
Não-binarie, fã de super heróis, de artistas trans, não-bináries e de ver essas pessoas conquistando cada vez mais o espaço. Pisciano com a meta de fazer alguma diferença no mundo.