A série Siren (2018 -) começou a ir ao ar em 2018, sua primeira temporada conta com 10 episódios e foi ao ar pelo canal Freeform lá fora. Criada por Eric Wald e Dean White, a série conta a história de Bristol Cove, uma cidade conhecida pelas suas lendas sobre sereias, e como ela é afetada pela chegada de uma jovem moça. Capaz não apenas de beber dos mitos sobre sereias, Siren apresenta em sua primeira temporada novas possibilidades em nível de enredo nos mais diversos sentidos possíveis.
Quando se pensa em séries sobrenaturais sobre criaturas míticas, se torna muito fácil pensar em lugares comuns frequentemente usados em suas tramas. Não é como se Siren reinventasse o gênero, mas a série consegue desviar de muitas oportunidades de se tornar apenas mais uma série sobre seres mitológicos. Em particular, por não lidar com um elenco de jovens adultos (ou adolescentes interpretados por atores de trinta anos) a trama se permite ser mais madura. As muitas motivações dos personagens da obra passam longe de serem rasas, os tornando mais críveis.
Saindo de um local comum frequente em muitas mídias e narrativas, não apenas se tratando sobre seres sobrenaturais, a série lida com um triângulo amoroso de uma forma bem inovadora. Bem, chamar de triângulo amoroso pode inclusive não ser o caso aqui. Os personagens envolvidos, os três protagonistas, não disputam uns pelos outros e nem mesmo são separados pelos seus sentimentos. Na forma de Ryn (Eline Powell), a jovem sereia buscando sua irmã, e Ben (Alex Roe) e Maddie (Fola Evans-Akingbola), biólogos marinhos que passam a ajudar, e que terminam sendo “encantados” por ela.
Nem sequer mergulhando em como se trata de uma forma inovadora de representar uma relação, a série permite ocupar espaços não antes ocupados por séries místicas de ficção. A série permite não só contar a história dos três como trisal dentro de uma trama onde isso não é o foco, ela o faz de uma forma natural. Afinal, sereias não são seres humanos aqui, então por que seguiriam costumes e padrões? É muito sobre isso, a forma onde criaturas mágicas e imortais constantemente são escritas para reproduzir a heteronormatividade da sociedade.
Os arcos da história não são nem de perto construídos em cima disso, pois existem coisas bem mais importantes acontecendo na história do que a vida amorosa dos protagonistas. Talvez muitas outras séries possam beber mais dessa ideia e da forma como ela é executada. Não é como se os personagens não devessem se relacionar, mas em meio a descoberta de sereias e organizações do governo perigosas existem coisas mais importantes nas quais uma narrativa deveria focar.
Se tratando de criaturas subaquáticas e extremamente ferozes, o enredo apresentado pela obra se afasta muito da maioria das versões de sereias presentes na cultura popular. Ryn mesma não é nenhuma Ariel, ela é uma jovem com instintos ferozes que aos poucos vem a conhecer o lado bom da humanidade e também se adaptar. A forma como a transformação das sereias é mostrada com foco na dor causada nas criaturas, seus ossos quebrando e coisas do tipo.
Outro fator que muito ajuda a trama da série é o fato de sua história se concentrar em poucos personagens. Isso não deixa com que a narrativa fique muito confusa ou se perca dentro dos próprios arcos de história. Mesmo assim, isso não significa pouco desenvolvimento para os personagens apresentados. Gil Birmingham interpreta o padrasto de Maddie, Dale Bishop, que atua como xerife na cidade e descendente do povo Hada. Suas investigações sobre ataques ocorridos na cidade eventualmente terminam por o levar até o rastro das sereias presentes em Bristol Cove.
Com o passar dos episódios a questão sobre a linha entre diferenças de sereias e humanos é questionada. Embora os humanos da série considerem as criaturas subaquáticas seres monstruosos e selvagens, a trama trata de focar na capacidade humana de sermos monstruosos. No episódio 8 da temporada ‘Being Human’, dirigido por Amanda Tapping, o questionamento sobre o que seria ‘ser humano’ é mais presente. Existe em particular na série uma história por trás da relação violenta entre os humanos e o povo submarino pela área de Bristol Cove que se dá pela monstruosidade particular do ser humano.
Explorando os poucos personagens e as ligações entre eles, criando laços complexos para muito além de clássicos estereótipos, a temporada faz bom proveito do seu elenco. Por exemplo, através de um cientista maluco cujo tempo de estudo duma sereia o tenha feito se ‘encantar’ pela mesma. As nuances dadas ao personagem interpretado por Ron Yuan se cruzam muito com o mito das sereias e como seu canto atraía homens para sua morte. O ator em particular executa isso de forma extremamente criativa.
Das muitas relações e interações da série a mais bonita, poética e complexa se dá pelas duas personagens regulares que são sereias. Ryn e Donna (Sibongile Mlambo) são irmãs, e é a captura de Donna o motivo de Ryn vir a terra firme em primeiro lugar. Particularmente a performance de Sibongile merece uma grande aclamação aqui, por sua personagem extremamente multifacetada marcada por traumas, mas ainda capaz de mostrar um lado sensível. A relação das duas, em particular com a mentora, passando até a ser uma forma de figura materna para ambas as órfãs, Helen Hawkings (Rena Owen) é extremamente bonita de se assistir.
A primeira temporada de Siren está disponível no Globo Play e vai ao ar no anal Sony aqui no Brasil. Além de uma trama bem explorada e escrita, a série consegue misturar bem a ação e o terror sem tornar as coisas rasas e estereotipadas. Com dez episódios, a temporada garante apresentar personagens e tramas capazes de prender bem a atenção do público, assim como manter o interesse. Ainda existe muito da mitologia por trás das sereias para ser explorada pela série, que em 2020 entra em sua terceira temporada.
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Cineasta graduade em Cinema e Audiovisual, produtore do coletivo artístico independente Vesic Pis.
Não-binarie, fã de super heróis, de artistas trans, não-bináries e de ver essas pessoas conquistando cada vez mais o espaço. Pisciano com a meta de fazer alguma diferença no mundo.