Warrior Nun – Sem pretensão, mas divertida e profunda

Uma série sobre freiras combatendo demônios na Espanha dificilmente daria errado, e já começamos este texto falando que não deu. Warrior Nun (2020 -) ou, como eu carinhosamente apelidei, ‘Freira Guerreira’, é uma série de ficção capaz de misturar drama adolescente, teorias da conspiração, religião, ciência e magia. Apesar de parecer uma mistura bem aleatória, a série consegue se estruturar muito bem sob esses pilares e entregar uma temporada de dez episódios extremamente consistente.

A série é baseada num quadrinho americano chamado Warrior Nun Areala onde uma valquíria renúncia suas crenças pagãs e se torna uma freira resultando no nascimento de uma organização global a serviço da Igreja Católica. O quadrinho é protagonizado pela atual ‘Areala’ – título dado a freira com a energia divina responsável por liderar a missão – chamada Irmã Shannon Masters. Na história da série, a Irmã Shannon aparece no começo, interpretada por Melina Matthews, mas ela não é a protagonista da história.

Além de outras mudanças, sobre a relação da história com o paganismo, o protagonismo é da jovem Ava Silva – interpretada pela talentosa Alba Baptista. A jovem passou boa parte da sua vida paraplégica, e quando o primeiro episódio se inicia a vemos morta num necrotério. Ao ser “presenteada” com um item divino nas suas costas ela se torna a próxima na linha de sucessão e herda a missão de ser a nova Areala. Só que diferente de todas antes dela, Ava não é freira, não foi treinada, nem sequer sabia da existência da organização trabalhando para a Igreja Católica ou de demônios.

Começando pelo fato de Alba ser luso-brasileira e estar protagonizando uma série internacional de um grande serviço de streaming já faz a obra ganhar pontos. A inclusão de uma narração introspectiva da mesma é outro bônus da série, por ser uma jovem sem muita experiência no geral, é muito divertido acompanhar seus pensamentos. Aqui a obra se difere muito, por exemplo, de Arrow (2012 – 2020), com uma narração feita para fazer a obra parecer mais séria e madura e termina servindo para colocar a perspectiva de uma real jovem de 19 anos sob o sobrenatural e místico.

Sinceramente, Alba é uma personagem bem típica, a garota jovem num mundo de aventuras, e a narrativa da série abraça isso muito bem, além de fazer muitas piadas com o fato. Normalmente essas tramas sempre vem acompanhadas de um romance, onde a jovem de 19 anos conhece alguém – normalmente um cara – e é o amor da vida dela. Alba acredita nisso, mas as palavras de Irmã Mary (Troya Turner) são bem claras quando Alba diz amar alguém: “Você não ama.”

O romance é tratado como algo bonito, interessante, mas também uma visão mais realista de amor jovem e em situações sobrenaturais. É humoroso, mas sem deixar de ser bonito de se assistir. O próprio elenco de apoio jovem da série, cuja participação é mais limitada, é muito interessante, especialmente Mary Simón Lifschitz que interpreta Chanel. O currículo da mesma conta com ela ter sido a segunda modelo abertamente trans a ser contratada pela Victoria Secret.

Importante ressaltar o fato de que todos os pilares da série são personagens femininas, mesmo com alguns personagens masculinos em destaque. Cada uma de suas personagens é tratada com uma maior profundidade, mesmo sendo devotas a uma fé e a uma missão em nome de Deus. Suas origens e motivações para terem ingressado na Ordem da Espada Cruciforme são únicas e particulares, além de suas personalidades e visão de mundo. Em destaque temos Irmã Mary, já citada, com uma relação especial com a falecida Irmã Shannon, e cujo arco não é apenas descobrir a verdade sobre a morte de Shannon, mas também ser uma mentora de Ava. A interpretação de Troya Turner é mais um dos pontos altos dessa série. Shotgun Mary é uma incrível personagem para se acompanhar ao longo da temporada. 

Dentro de uma história sobre religião ainda foram capaz de se introduzir todo o conceito de magia e ciência por trás dos acontecimentos. A série trata os assuntos de forma bem criativa, sendo capaz de usar dos dois conceitos sem completamente negar nenhum deles. Outras personagens, como Irmã Lilith (Lorena Andrea) e Irmã Beatrice (Kristina Tonteri-Young), adicionam não apenas camadas na dramaturgia e na história da série, mas nos múltiplos e profundos temas abordados. Dentre eles a fé e o poder da Igreja Católica, usado por muito tempo não para seguir a palavra de Deus, mas para matar. 

Ao longo desta primeira temporada, de dez episódios, a série original Netflix teve cinco diferentes diretores, cada um responsável pela direção de dois episódios. Mais da metade dos episódios da série teve no cargo de direção mulheres, seus nomes são Jet Wilkinson, Sarah Walker e Agnieszka Smoczynska. A série foi criada por Simon Barry.