A Química que Há Entre Nós – Um conto melancólico sobre amadurecimento

Você sabe o que é o amor? Não sabe, nem eu sei – ou sabemos? Falar disso causa aquela sensação de algo predestinado à todos, basta a mágica para fazer a coisa acontecer. É pensar que não é como se fosse uma escolha de querer ou não dirigir algum dia, e sim que há vaga reservada para tal experimentação. Em sua segunda aposta num longa-metragem, Richard Tanne vem com A Química que Há Entre Nós (Chemical Hearts, 2020) para falar de primeiros amores e segundas chances, ensaiando em um diálogo melancólico que poderia ir mais fundo.

Aplicando-se no velho clichê de adolescentes sem nenhum grandiosíssimo caso vivido, temos Henry Page (Austin Abrams), atado em elementos essenciais que faz dele um jovem de 17 anos bem sucedido: bons amigos, lar e pais harmoniosos, e finalmente conseguiu o almejado cargo de escritor no jornal colegial, mas pera, falta se apaixonar, falta o amor… e chega Grace Town (Lili Reinhart), a excêntrica garota convidada a participar também do jornal, e ele logo fica babando. A razão desse encontro é provocar o choque de vivências distintas.

Apesar desse início tão comum, a produção diz desde o primeiro momento: sou indie. O que é evidente na narrativa empregada, no filtro amarelado, na fotografia, nos enquadramentos e condução minuciosa para captar o universo opaco e complicado das realidades apresentadas. Adaptar o livro homônimo de Krystal Sutherland, parecia ser a faca e o queijo na mão, porém, a condução de Tanne indica ter seguido por um atalho e, na confiança do que poderia explorar, acaba fraquejando nas muitas possibilidades apontadas. É a dita expressão “o apressado come cru”, e no exemplo aqui, encheu os olhos da audiência dando um prato um pouco fora do ponto.

Ao menos, ao traduzir as páginas de Sutherland para um roteiro, Tanne evitou a adaptação não oficial de alguma obra do John Green e compôs um texto mais maduro, direcionando foco a tratar de relacionamentos, traumas, descobertas, e principalmente, o turbilhão de emoções que norteiam a adolescência. Claro que a sacada principal é proposta através de Grace e Henry, mas o cineasta desenhou (inicialmente) a intenção de conversar sobre o lado doce e amargo de se apaixonar em outras nuances além dos protagonistas, o que encontraria mais êxito se o desenvolvimento tivesse o mesmo consenso que as intenções. Ser excêntrica é só a ponta chamativa, até pela maneira que se veste, mas Grace detém um quê de mistério: na medida que encanta, assusta ao agir na defensiva para não ser sondada. Mas Henry não se importa, ele quer beber dessa fonte apaixonado, nem que siga o estranho percurso da escola até o carro da jovem e seja levado para casa, como desculpa perfeita para se verem.

O intuito de mostrar uma relação de altos e baixos, que ora esbanja fascínio e paixão, e depois um complicado jogo de emoções intensas por motivos desconhecidos, vai se perdendo ao tempo que se molda: quando insere pontes sobre Grace pensando em aproveitar informações do livro, acaba as tornando peças vagas por não se relacionar com o desenvolvimento contido e preciso da adaptação, o que categoriza o aspecto fraco e falho do filme: não se aprofundar, ser breve em algumas demonstrações.

A ironia de não querer ser mais um título genérico de romances para jovens adultos, foi pintar muitas nuances e não refletir a maneira que a execução tomaria forma e faria as conversas e o exemplo ser mais crível. Grace é uma personagem interessante e de muito potencial, mas Tanne conseguiu mantê-la numa névoa que bloqueia o desenvolvimento – ter contado os fatos pela ótica de Henry não foi o problema -, de cuja figura é parte das principais representações do filme, mas há seus acertos. Se na posição inexperiente de Henry, Grace surge como convite de desafio, é nesse meio que o trecho do poema de Pablo Neruda “amo-te como se amam certas coisas obscuras, secretamente entre a sombra e alma” sintetiza essa injetada para o jovem Page atraído e apaixonado, mesmo tendo motivos de retroceder. A outra ponta desse “romance”, se dá ao que Henry é para Grace na frase “se você me salvar, eu vou salvá-lo” (boa inserção do roteiro de Tanne): entre a reação de se apaixonar pela primeira vez, procede também a chance para Grace se permitir a isso, se dando uma nova chance.

A perspectiva de Henry, era do amor arrebatador e durável que supera tudo, já Grace, se encontrava abalada pelos eventos marcados em seu passado, mas ambos resgatam um ao outro de jeitos inesperados e que não percebiam. Mesmo falhando em estruturar isso em alguns momentos – ainda que as atuações de Lili e Austin sustentem bem os personagens – a produção surpreende ao exemplificar com carisma, de tal semelhante mensagem, as reparações que há de ter para o amor. Nesse caso, as presenças de La (Kara Young), Cora (Coral Peña) e Suds (Sarah Jones) – que inclusive reforça a lógica do filme sobre apoio mútuo – promovem essas nuances, com outras validações das primeiras paixões e de alguém tentando se recompor, isso num espaço interessante na concisão de Tanne.

Com tom melancólico – ganhando pontos pela câmera focando o máximo nos rostos dos protagonistas, extraindo, ali, o carinho e a estranheza que há entre eles e seus dilemas, como Henry falando da revista que enterrou – e um diálogo que visa não se limitar no raso para seu público alvo, Chemical Hearts deu muita sorte pela montagem ainda sublinhar o que a execução pecou na trilha precoce. Se a química da direção não é ponto forte, o elenco potencializa o seu apelo.


VEJA TAMBÉM

RESENHA | A Química Que Há Entre Nós, de Krystal Sutherland

Você Nem Imagina – Deixa o tempo falar de amor