Expandindo seu leque de grandes produções, a Netflix sabe muito bem no que investir. Se em 2018 a streaming vermelha explorou o nicho das comédias românticas despontando vários longas e suas respectivas sequências, agora é a vez do gênero da ação receber os holofotes, tendo já o nicho dos namoritos consolidado. Apesar de contar com nomes como Troco em Dobro (Spenser Confidential, 2020), Bala Perdida (Lost Bullet, 2020), The Last Days of American Crime (2020), são títulos como Resgate (Extraction, 2020) que detém o apelo maior para fisgar o público, mirando compromisso. Depois de Chris Hemsworth se unir ao clube dos brucutus, chegou a hora de The Old Guard (2020) mostrar a que veio. Adaptação homônima de uma HQ lançada em 2017, pode ser uma experiência esquecível na sua dança de boas intenções.
Nos apresentando a Velha Guarda, conhecemos um grupo de quatro guerreiros imortais que há séculos vem protegendo o mundo de inúmeras ameaças. Junto a descoberta de um novo membro, a irmandade precisa defender seus valores contra uma organização milionária que almeja explorar tais habilidade na indústria farmacêutica.
Do que adianta ter poderes se não puder usar em algo maior? Praticar empatia, não significa gritar aos quatro cantos o que fez com as mãos. Qual o valor de fazer o impossível numa realidade que tanto cobra exposição e justificativas? Em The Old Guard, o dilema do herói contra vilão é contraposto ao refletir se poderão lutar suas batalhas, com a mesma essência de tempos, em uma linha que não se atenta mais para o que faziam e seguem a fazer, mas no que o poder tem a dizer. É sobre sacrificar e obter mais poder em troca.
Apesar do interessante background, o longa dirigido por Gina Prince-Bythewood nos joga numa estrutura trivial para contar esta história. A chegada de um novo imortal é só uma ponta para se introduzir ao universo de imortalidade, mas ao mesmo tempo, a trama se prende no que tem sem se preocupar em nos convencer mais acerca dos personagens e seu passado. Ter um elenco encabeçado por Charlize Theron vivendo uma líder leal, conflituosa com o medo, insegurança, buscando manter a integridade do que acredita, engrena a película e é a que recebe um tratamento mais cuidadoso. Assim, obviamente, o papel de Kiki Layne é desenvolvido a par da guerreira Andrômaca ‘Andy’ de Cita, combinando um dueto que dialoga com o reencontro de suas virtudes. Se o mundo já não te motiva a lutar, perceber que há pelo que lutar, renova muita coisa.
Contudo, mesmo acertando na representatividade feminina, os demais integrantes terminam sendo coadjuvantes, distribuídos no que o roteiro convenientemente pedia. Há um desenho sobre um grupo que permanece unido, se apoiando pelo que têm em comum, e a trama deixa a desejar ao não trabalhar com mais substância nas suas personalidades, trocando momentos contundentes a tentativas perdidas de inserir humor. E por seguir uma estrutura usual, a consequência foi tornar o desenrolar previsível, sem nem mesmo alcançar a nota para o clímax que pretendia.
Ao menos falhando nisso, a direção encontrou um equilíbrio que se destaca a respeito das cenas de ação. Foram poucas, mas que provaram despontar de uma inspiração contida de coreografias corpo a corpo que não tentavam parecer grandiosas e frenética. Dispondo de planos abertos que valorizam o movimento físico nos cenários e também, as discretas técnicas de movimentos de câmera (na cena do prédio, por exemplo) assim, deu um vislumbre enxuto nas sequências.
No fim, The Old Guard deu partida ao que se pretende um plano maior de uma possível trilogia. Apelando para uma abordagem metódica e comum de introdução, trilha sonora descolada (o que foram aquelas músicas pop nada a ver?) frases de efeito brega (como na cena do avião tentando ser original), a produção usou do jeito mais seguro e batido possível para garantir o interesse de um segundo round. A parte mais difícil foi começar e ter a proeza de convencer, e mesmo com apatia, agora é se soltar e vestir a velha guarda de personalidade além do que um bom elenco pode oferecer.
Ama ouvir músicas, e especialmente, não cansa de ouvir Unkle Bob. Por mais que critique, é sempre atraído por filmes de terror massacrados. Sua capacidade de assistir a tanto conteúdo aleatório surpreende a ele mesmo, e ainda que tenha a procrastinação sempre por perto, talvez escrevendo seja o seu momento que mais se arrisca.