Quem não viveu os anos 90 talvez nunca vá entender o que eram as horas gastas de pé na frente de uma máquina de Arcade e o dinheiro do lanche da escola da semana inteira investido em fichas de fliperama, seja na tentativa de finalizar um jogo, seja enfrentando outros jogadores que sofriam com essa mesma dor: ser um gamer de jogos de luta.
Não é novidade que eu sou old school. Tá no meu textinho de perfil quando você rola a tela até o final da página. Eu fui esse adolescente que passava tardes e mais tardes enfrentando os rivais de locadora e cresci acompanhando as sagas The King of Fighters, Street Fighter, Street Fighter vs (insira aqui um grupo de heróis aleatórios), Samurai Shodown e, claro, Mortal Kombat.
Os jogos de luta se tornaram uma “coqueluche” – outra gíria que entrega minha idade – e, com o sucesso que eles estavam fazendo, claro que Hollywood enxergaria aqui um mercado promissor. Acho até que demorou bastante. Mas, levando em consideração que eram os anos 90, sagas baseadas em super gente e em personagens saídos de telas coloridas que faziam barulhos esquisitos e estragavam a TV da sua mãe, nunca eram levadas muito a sério.
Não se acreditava no potencial cinematográfico desses personagens. A tecnologia disponível à época não era lá grande coisa e pensar em novas técnicas para dar vida a poderes e golpes especiais que fossem fiéis à obra original não era um investimento que os empresários consideravam que valesse à pena. Só pra você saber, o filme que iniciou a nova era de super-heróis no cinema, X-Men: O Filme (X-Men, 2000), só foi aprovado no seu 4º orçamento, dada a descrença que se atrelava a esse tipo de entretenimento. Para Hollywood isso ainda era visto como “coisa de criança”. Então, só servia pra vender pra esse público e, se era pra criança, tinha que ser infantil.
No entanto, havia uma categoria de filmes que era “a queridinha do momento” naquela década: os filmes de ação e luta. Foi a ascensão de atores desse nicho: Jean-Claude Van Damme, Steven Seagal, Jackie Chan, Cynthia Rothrock (essa que, inclusive, inspirou a personagem Sonya Blade, da saga MK). Era filme de pancada atrás de filme de pancada, sem contar que nunca era muito caro fazer esse tipo de filme. Talvez o valor mais alto gasto seria o cachê da estrela que atuaria como protagonista porque, pfff, quem precisa de um bom roteiro, efeitos especiais ou bons atores coadjuvantes? As pessoas queriam ver socos, chutes, ossos quebrados – e um espacate de vez em quando.
Então, se tínhamos entre a juventude da época esse crescimento de público para jogos de luta e, no cinema, uma fatia considerável de pessoas lotando salas para ver filmes de, ora, lutas… Vocês já perceberam onde eu quero chegar, né?
Agora imagina a nossa felicidade ao saber que veríamos no cinema filmes como Super Mario Bros. (1993), Street Fighter: A Última Batalha (Street Fighter, 1994) e, claro, Mortal Kombat (1995) e Mortal Kombat: A Aniquilação (Mortal Kombat: Annihilation, 1997). Imaginou? Pois pode imaginar também o tamanho da nossa frustração.
Esse rodeio todo é pra deixar claro aqui que qualquer produto que tentasse estender o universo dos video games para fora dos video games, dificilmente dava certo. Os quadrinhos de MK e SF eram ruins, os filmes eram piores e as animações eram horríveis! Tinha desenho ruim de Fatal Fury (Fatal Fury: Rei dos Lutadores, 1992), de Art Of Fighting (Battle Spirits Ryûko no Ken, 1993), de Samurai Shodown (Samurai Spirits, 1994), e as sofríveis séries animadas americanas de Street Fighter: The Animated Series (1995-1997) e Mortal Kombat: Os Defensores da Terra (Mortal Kombat: Defenders of the Realm, 1995-1996). Era muita lágrima pra chorar! A única exceção, talvez, seja o longa Street Fighter II: O Filme (1994), que mais se aproximava do game e tem aquela cena maravilhosa da Chun Li destruindo a cara do Balrog. E pronto!
É com esse péssimo histórico que a gente chega nos dias de hoje. Quando eu soube que Mortal Kombat Legends: A Vingança de Scorpion (Mortal Kombat Legends: Scorpion’s Revenge, 2020) seria lançado no Brasil no finzinho de abril eu senti vontade de chorar de novo. Eu pensei: “Esse pessoal não cansa de estragar essa franquia”. Ainda mais que, desde que a Warner Bros. adquiriu a Midway Games os jogos de MK melhoraram bastante. Voltaram às sua origens violentas, os gráficos ficaram cada vez melhores e a jogabilidade, graças à Hera, ficou cada vez mais inteligente, fluida e mais acessível – cara, tava um saco jogar MK desde o 5º jogo, o que mudou no “reboot”, quando ele perdeu a contagem (mesmo que o seguinte viesse a se chamar Mortal Kombat X).
E foi aqui onde eu queimei minha língua! A Warner já tem um bom histórico com animações. E temos que lembrar que, embora ela tenha errado a mão nos filmes live action da DC no cinema, ela tem acertado bastante nesses anos em que ela toca as animações com os personagens da editora. Vou nem listar aqui porque eu passaria dias pra colocar todos os títulos… O fato é que, assim como fez com a DC, a produção de MK Legends pesquisou fortemente sobre a história que serve como pano de fundo pros games de luta da franquia MK e fez um trabalho primoroso!
Acertaram a mão na violência, principal característica do jogo. Trouxe os efeitos especiais dos consoles pras lutas do desenho e podemos ver os ossos quebrando em efeito “Raios X” e câmera lenta. Um deleite! Sem contar as cabeças decepadas, dentes voando e gente sendo empalada a cada três minutos! É espada, lança e explosões! E você assiste pensando: “Caraca, que nojo!”, e ao menos tempo: “Nossa! Que foda!”.
Nesse longa, acompanhamos a saga de Hanzo Hasashi. Pra quem não conhece, esse é o nome do Scorpion quando ele ainda era um ser humano com vida. Sim: o “Sub-Zero amarelo” é um personagem que voltou do inferno em busca de se vingar do ninja que matou seu clã e sua família: o “Sub-Zero azul” original, cujo nome é Bi-han. Claro que esse é apenas um dos plots do game, uma vez que cada personagem tem seu próprio enredo. Mas a produção acertou em cheio ao fugir do óbvio e focar na história de um dos personagens mais queridos do público, ao invés de apostar no clichê e contar, mais uma vez, a estória do protagonista, Liu Kang.
Todos os personagens do primeiro MK estão presentes, assim como os dois chefes: Goro e Shang Tsung. e ainda contamos com algumas participações especiais como Jax Briggs, Kitana, Quan Chi, Skarlet e um suposto Baraka – digo “suposto” porque é sabido que Baraka é um personagem que faz parte de uma raça chamada Tarkatan onde, assim como ele mesmo, todos possuem espadas retráteis nos antebraços e dentes afiados sempre à mostra. Então pode ser o próprio, como pode ser qualquer outro de sua raça.
A animação tem ação do início ao fim e lutas muito bem elaboradas. O visual exótico pode causar um pouco de estranheza no início e em alguns momentos os movimentos perdem um pouco da fluidez. Mas isso não diminuiu em nada meu divertimento. E foi muito, mas muito gratificante ver os lutadores repetindo seus golpes durante as lutas.
O roteiro não decepciona. Apesar de termos Scorpion como protagonista, ainda temos o torneio Mortal Kombat como pano de fundo, onde Raiden reúne os maiores lutadores do planeta para defender a Terra no que seria o décimo e derradeiro torneio que, uma vez que fosse vencido pelo feiticeiro Shang Tsung, daria a Shao Kahn o direito de reivindicar nosso planeta como sendo dele, o que acarretaria na invasão pelos seres de Outworld e a destruição de nosso povo. Então temos Sonya, Johnny Cage e Liu Kang defendendo a Terra, enquanto Kano, Sub Zero, Reptile, Goro e Shang Tsung estão no exército de Shao Kahn. E o Scorpion, bem, ele quer só vingança mesmo.
Um roteiro simples, mas bem fiel ao jogo de 1992. Sem contar que o final é uma gratíssima surpresa. A direção ficou por conta de Ethan Spaulding, que já havia trabalhado em animações como Liga da Justiça: Trono de Atlântida (Justice League: Throne of Atlantis, 2015), Batman: Assalto em Arkham (Batman: Assault on Arkham, 2014) e O Filho do Batman (Son of Batman, 2014). A animação também contou com algumas das vozes originais como Patrick Seitz, que havia feito o ninja Scorpion, Dave B. Mitchell, que interpretou Geras e Sektor, está como Raiden, Ike Amadi, que foi Shao Kahn e Cyrax em MK 11, aqui é Jax e, o melhor de tudo, Kevin Michael Richardson, que deu voz ao Goro do filme de 1995, retorna para o mesmo papel.
O longa tem duração de 80 minutos, nota 7,5 no IMDB e está disponível nas plataformas de streaming por aluguel. Para quem é old school, assim como eu, já não era sem tempo de uma animação fazer jus ao jogo de luta mais violento da história – e ainda fazer um monte de referências ao filme dos anos 1990, como a cena do barco onde os protagonistas se conhecem, ou a luta de Liu Kang contra Kitana. Quando for assistir, fica a recomendação: melhor forrar o chão da sala com plástico!
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Gay, Nerd, jornalista e podcaster. Chato o suficiente pra achar que pode se resumir em apenas quatro palavras. Fã de X-Men e especialista em Mulher-Maravilha. Oldschool – não usa máquina de escrever, mas bem que poderia. There’s only one queen, and that’s Madonna!