Sam Raimi. Falar no seu nome causa um efeito nostálgico e que rapidamente remete a dois de seus trabalhos mais memoráveis como diretor: primeiro Uma Noite Alucinante: A Morte do Demônio (Evil Dead, 1981), e a segunda, é seu amigo da vizinhança, o Homem-Aranha (Spider-Man, 2002). Esta não foi a primeira adaptação em live-action, mas foi a responsável por marcar na história uma grande estreia do aracnídeo nas telonas. Quem é o melhor Peter Parker vivido nos cinemas é uma discussão que sempre estará no papo, mas é inegável o reconhecimento clássico que a obra carrega, tendo indicações para Melhor Som e Melhores Efeitos Especiais no Oscar de 2003, e sendo vencedor de Melhor Trilha no Prêmio Saturno no mesmo ano. O longa é a prova de que com carisma podemos ir longe.
Ele é Peter Parker (Tobey Maguire), o que tinha a apresentar era sua paixão por Mary Jane Watson (Kirsten Dunst), garota mais linda aos seus olhos, e o carinho harmonioso que nutria pelos seus tios Ben (Cliff Robertson) e May (Rosemary Harris), até ser picado por uma aranha e adquirir força, resistência e habilidades que nunca imaginou. Ele é o Aranha Humana.
São inúmeros os pontos facilmente memoráveis a qualquer pessoa sobre a produção e quase que imediata é a frase dita por Ben ao seu sobrinho: “com grandes poderes, há grandes responsabilidades”. A sua intenção foi de proteger e aconselhar alguém que ele viu crescer, mudar bruscamente, e que não se perdesse nessa nova trilha. Não sabendo ele que o Peter, que costumava se atrasar para pegar o ônibus escolar, que era contrariado por Flash Thompson (Joe Manganiello), tinha recebido a dádiva poderosa através de uma aranha radioativa. Por mais que seja tão natural ser lembrada, as palavras proferidas para o Michelangelo é o que define bem esse início de jornada e descoberta.
Para ser tão bem lembrado, não basta ser o filme do Aranha dirigido por Sam Raimi, mas também pela destreza de ser executado com carisma e elegância. Tivemos ali o nascimento da nova fase para Peter, e o empenho dos realizadores foi criar uma transição mais natural possível, casada com a conclusão memorável de transpor a história de um super herói querido e de identificação calorosa dos fãs para as telas. O resultado é algo devidamente bem feito, a ponto de, não importa o quanto seja visto, não perde o encanto que causa aos espectador.
É engraçado como a maneira que crescemos, evoluímos e aprendemos com nossas experiências tende a ser fascinante e assustadora. A transição é inevitável, e em certo ponto, todos esperamos para quando teremos o salto de mudança. Para cada nova emoção, no fim, a responsabilidade não poderá ser ignorada. É o que vem junto ao pacote de crescer e aflorar. Na ótica de Raimi, tudo aconteceu muito rápido. Parecia seguir uma cartela de como uma história de origem deve ser contada, ao tempo que não era sobre alguém qualquer, era sobre Peter Parker. Em poucos minutos somos apresentados à paixão da sua vida, ao melhor amigo Harry (James Franco), seu pai Norman Osborn (Willem Dafoe) e ao turbilhão que Peter é jogado ao descobrir o que a aranha o tornou depois da picada: corpo sarado, visão ampliada, capacidade de lançar teia direto do pulso (shazam!), escalar paredes, sensor de perigos, reflexos para lutas. Resumindo, as novidades indicavam fazer parte de um amontoado de coisas que faria uma pessoa se sentir especial. Mas o tio Ben avisou.
Tendo tantos poderes assim, o carinha não perdeu tempo para usar da dádiva para surpreender MJ. Mas foi naquela cena, após a fala “e quem disse que isso é problema meu?”, que Peter percebe que precisava encarar seu potencial de maneira diferente. Diante da lista ordenada de acontecimentos, ao menos a visão de Raimi estava clara: havia um objetivo especial. Do talento lúdico de Tobey Maguire ao seu personagem desengonçado, gentil, apaixonado e confiante, que transita entre a descoberta de agarrar com sensatez o que ganhou, o cineasta traçou o icônico vilão que serviria de balanço para o Aranha: o Duende Verde. Enquanto o poder desceu por uma teia à mão de Peter, com Norman, ao ver a possibilidade de perder o investimento do ambicioso projeto de sua empresa, movido pelo desespero e altivez, recebeu por consequência o controle encarnado num traje verde.
Ainda que a edição do longa tenha empurrado acontecimentos sem muita cadência, a obra desenvolveu muito bem os personagens centrais da trama: Peter e Norman. O primeiro, ascendendo com os perigos oriundos de ser um herói, e o outro, agarrando o sadismo irônico da figura que se veste. Assim, Spider-Man brilhava com a encarnação inocente de Tobey para com Peter, e também ao conceder o duelo de Norman e seu alter-ego sacana que divertia com as sacadas escrotas de suas falas, ao tempo que buscava tirar do caminho a ameaça para sua vilania: o Homem-Aranha.
Apesar de utilizar muito do fundo azul (com algumas limitações da época), as cenas de ação entregues no filme foram satisfatórias e contagiantes: o Aranha escalando paredes, enfrentando o Duende à luz do dia (e MJ em perigo), mais uma vez combatendo o inimigo, agora num prédio em chamas, e, por fim, na sequência em que o herói começava a ganhar seu reconhecimento pela cidade a medida que lutava sua última batalha com Norman — e MJ em perigo. Todo esse processo findou como um ótimo início, a apresentação de origem de um personagem consagrado, seguidos dos elementos que acompanham sua trajetória: o amor, a amizade, os entes queridos e integridade.
Com grandes poderes, são grandes as responsabilidades. Por ser um herói, então, a chacoalhada da realidade vem em peso. Seja ao rejeitar alguém que ama para proteger, perder uma pessoa importante pela injustiça e impunidade, crescer sempre vem acompanhado de um conflito.
Ama ouvir músicas, e especialmente, não cansa de ouvir Unkle Bob. Por mais que critique, é sempre atraído por filmes de terror massacrados. Sua capacidade de assistir a tanto conteúdo aleatório surpreende a ele mesmo, e ainda que tenha a procrastinação sempre por perto, talvez escrevendo seja o seu momento que mais se arrisca.