Quando li sobre a adaptação de Snowpiercer, torci o nariz, porque tenho um carinho especial pelo filme adaptado por Bong Joon Ho e Kelly Masterson, dirigido também pelo próprio Bong Joon Ho antes de tomar um mundo para si em 2020 com a obra prima Parasita (Gisaengchung, 2019) no Oscar. O longa Expresso do Amanhã (Snowpiercer, 2013) é um drama pesado, que traz uma luta de classe bastante forte em um trem futurista que foi responsável por salvar alguns sortudos do apocalipse glacial que atingiu o planeta Terra. Assim como a direção, o elenco deste filme é ótimo e bastante diversificado, tendo Chris Evans, Tilda Swinton, Octavia Spencer, Kang-Ho Song, Jamie Bell, John Hurt e Ed Harris como destaques.
Ou seja, o longa já era aclamado o suficiente no cinema, lembrando que “Expresso do Amanhã” era baseado na aclamada graphic novel francesa Le Transperceneige, de Jacques Lob, Benjamin Legrand e Jean-Marc Rochette. Então quando a série foi anunciada em meados de 2019 pela TNT dos EUA, minhas desconfiança era compartilhada por muitos fã mundo afora, porque o filme era bastante competente em expor toda a complexidade da história e tinha um desfecho bastante consistente, mas o problema era saber como isso seria adaptado em formato de série, teria como uma trama aparentemente limitada durar muitos episódios?
Após assistir os dez episódios da primeira temporada da série (que também foi exibida semanalmente pela Netflix internacionalmente), que finalizou no último dia 13 de julho, devo dizer que por mais que tenha minhas ressalvas, consegui me manter fiel assistindo a trama que estava sendo contada, e por diversos momentos consegui apreciar essa nova pegada mais frenética e menos polida que os criadores John Friedman e Graeme Manson tentaram colocar na série.
A premissa se mantém a mesma, depois de uma drástica mudança no clima do planeta Terra, que congelou, se tornando inabitável, o resto da raça humana tenta sobreviver a essa nova realidade dentro do trem Snowpiecer que possui 1001 vagões, sendo cada um deles com uma função especifica e aqueles habitados por humanos, são divididos por classe social. O contexto da série mantém o foco na desigualdade social dentro do trem numa constante luta de classes, mas sempre mostrando uma hierarquia capitalista dos pobres sempre servindo aos ricos.
A série até tenta dar certa profundidade a história através do seu cunho social, mas infelizmente o roteiro não consegue estabelecer um aprofundamento de ideias na narrativa, então certos personagens e parte dos plots são desenvolvidos de uma forma bastante apressada para chegar em um determinado ponto. Isto é bastante sentindo no piloto First, the Weather Changed (1×01), que é frenético e pouco desenvolvido apesar de apresentar alguns personagens com potencial na trama.
Falando em potencial, o elenco é um dos diferenciais que atrai o expectador a investir na série, porque ele é muito bom. O protagonista da série é Andre Layton vivido pelo ator Daveed Diggs, que faz parte do grupo da calda, que constantemente tem que lutar pela própria sobrevivência nas piores condições possíveis. Em oposição ao personagem, temos a bela e fria Melanie Cavill interpretada pela ótima Jennifer Connelly, a personagem é a voz do trem e representante do criador do “Snowpiercer”, o misterioso senhor Wilford. A personagem é crucial para manter a ordem entre as classes e a harmonia entre os vagões. O resto do elenco ainda conta com figuras conhecidas do mundo das séries como: Alison Wright, Mike O’Malley, Susan Park e Kerry O’Malley.
O roteiro de Expresso do Amanhã enxuga o tom mais pesado (apesar de ter uma violência gráfica bastante intensa) do longa e transforma a trama em algo mais comercial e acessível ao público de massa. O seriado então cria um arco inicial focando no mistério de um assassinato dentro do trem, onde Layton precisa investigar e descobrir o autor do crime em troca de melhores condições para seus companheiros fundistas.
A história deste arco inicial dura exatamente quatro episódios, se o piloto não captura a atenção devida de quem assiste, isso começa a mudar nos três episódios seguintes, em Prepare To Brace (1×02), Access Is Power (1×03) e Without Their Maker (1×04) a trama se assenta melhor com o plot principal da investigação do Layton servindo para mostrar a dinâmica e a vida dentro do trem, com diversos vagões diferentes e como funciona a hierarquia entre estes, além de apresentar novos personagens. O roteiro ainda abre espaço para plots menores, sendo alimentados em paralelo, muitos deles regados a muita conspiração dos fundistas e alguns personagens da primeira classe, isto mantém toda a história aquecida deixando o público interessado.
O gancho estabelecido no quarto episódio, ajuda a potencializar o resto da temporada, que começa um novo arco que vai se desenvolvendo até o season finale. Em Justice Never Boarded (1×05), a história já está interessante o suficiente e personagens menores começam a ganhar destaque mostrando bastante potencial dentro da trama. A partir de Trouble Come Sideways (1×06) e The Universe Is Indifferent (1×07), as consequências do julgamento do autor do assassinato que deu início a trama, a série começa a trabalhar a construção de uma revolução dentro do trem em tramas bastante consistentes que, apesar de alguns furos aqui e ali, entregam no suspense e na ação, sempre sabendo utilizar ganchos de episódio para episódio de forma empolgante.
Os três últimos episódios da temporada, são também os melhores. Até chegar nesse ponto, o expectador irá perceber que “Expresso do Amanhã” não tem nenhum compromisso de ser um drama refinado, com atuações fortes, e apesar de ter algumas boas críticas sociais pinceladas em determinados pontos da narrativa, a série não tem nenhuma pretensão de ser algo que cause impacto. Ao abrir mão desses preceitos, o seriado foca no que realmente sabe fazer melhor, que é entregar uma boa tensão, ação e aventura. E nesse ponto a série se sai muito bem, se transformando num entretenimento despretensioso, divertido que empolga apesar do texto mediano.
Tudo isso é representado de uma forma bem direta no episódio These Are His Revolutions (1×08) com as tramas chegando num ponto de ebulição com a explosão da revolução dos fundistas e a conspiração envolvendo o segredo de Melanie. Tudo é muito bem dosado e muito bem trabalhado de forma a consolidar a série como uma das boas surpresas do ano, mesmo que ainda se perceba algumas limitações narrativas.
De uma forma geral, “Expresso do Amanhã” é um produto que não engana seu público, mas entrega aquilo se propõe desde seu piloto, uma narrativa bastante dinâmica e urgente, que muitas vezes falha em desenvolver melhor seus personagens, mas tem atuações que conseguem segurar a trama no decorrer dos episódios e arcos que conseguem envolver quem assiste. A temporada oscila no começo, mas a partir da metade tem uma crescente bem vinda de bons episódios conseguindo entregar dois ótimos no desfecho do seu primeiro ano. Em The Train Demanded Blood (1×09) e 994 Cars Long (1×10), a série consegue unir todas as suas qualidades num desfecho sangrento, com muita ação e boas reviravoltas mostrando um tremendo potencial para seu próximo ano (a série já está renovada para segunda temporada). Ainda que seja inferior a adaptação feita para o cinema, a série se mostra divertida e consistente o suficiente para encontrar seu próprio caminho e personalidade neste novo formato.
Engenheiro Eletricista de profissão, amante de cinema e séries em tempo integral, escrevendo criticas e resenhas por gosto. Fã de Star Wars, Senhor dos Anéis, Homem Aranha, Pantera Negra e tudo que seja bom envolvendo cultura pop. As vezes positivista demais, isso pode irritar iniciantes os que não o conhecem.