Jafar Panahi é um dos mais conhecidos e aclamados diretores iranianos. Sua carreira começa ainda na década de 1980, mas seu reconhecimento internacional se dá a partir da década de 90, principalmente depois do sucesso de seu filme O Balão Branco (Badkonake Sefid, 1995), vencedor de diversos prêmios internacionais. Seu cinema sempre teve uma veia poética e política, ao mesmo tempo que as imagens são bem construídas, com uma delicadeza e precisão, elas também são fortes e traduzem a realidade de um dos países que mais censura as artes e o cinema.
Em 2010, Panahi foi condenado a passar 20 anos sem poder dirigir um filme e sem poder sair do país, mesmo assim já realizou pelo menos 3 filmes após sua condenação. Ele assumidamente corre os riscos para produzir sua arte e passar uma mensagem que talvez o mundo precise ver. Em 2015, seu filme Táxi Teerã (Taxi, 2015) foi o vencedor do Urso de Ouro em Berlim. Impedido de ir receber o prêmio, sua sobrinha Hana foi em seu lugar. Táxi Teerã é um filme sem um gênero preciso, ele parece brincar com a experiência do público, ora brinca entre documentário, mas deixa no ar que algumas cenas são compostas por atores e há uma clara mise-en-scene na composição de seus quadros. Isso, contudo, engrandece ainda mais o filme, pois para além da estética o mais importante aqui é o subtexto e os diálogos entre os personagens que entram no Táxi.
Existe de tudo, desde o ladrão que é uma espécie de Robin Hood, que só vê necessidade de roubar de quem não precisa, mas que mesmo assim condena outros ladrões e acha que eles merecem sofrer, inclusive com pena de morte. A professora que alimenta uma visão mais justa do mundo, embora em certos graus essa visão seja por demais idealizada e que seria necessário muita luta para que isso acontecesse. A sobrinha de Panahi, a mesma que recebeu o prêmio em seu lugar, também aparece no filme. Aqui ela surge logo após o fim de sua aula e pede dicas ao Tio sobre como fazer filmes, lendo para ele a cartilha que sua professora havia lhe entregado, sobre o que era ou não era um filme exibível dentro das novas normas impostas pelo governo iraniano ao cinema do país.
Claramente, o filme fala sobre censura e sobre o clima conspiratório e incerto que se tem nos ares de Teerã. Panahi em seu passeio como taxista mostra de uma forma singela o clima conservador e de forte repressão que seu país prega aos artistas. Essa “denúncia” do diretor vem por meio de diálogos simples e que aos olhos mais desatentos podem parecer banais ou por expressões faciais que são tão importantes para um cinema contemporâneo. Esse clima se acentua nos momentos em que Jafar sai do carro, seja para conversar com o amigo que não vê há sete anos ou para ir até um posto de gasolina, ao sabermos de sua condenação e de como ele é perseguido pelo governo, essas suas ausências geram uma enorme expectativa se ele será pego ou não.
É impossível ver esse filme nos dias de hoje no Brasil e não se identificar ao menos um pouco, se ainda não vivemos um período de censura tão clara aos artistas quanto no Irã, percebemos um semelhante ambiente conspiratório e golpista. O Brasil que se encaminha para um governo fundamentalista de caráter conservador e cristão, aproxima-se cada vez mais do Irã nesse sentido. Extinguir a ANCINE e o Ministério da Cultura, órgãos do Estado para alimentar o cinema brasileiro, mostra o caminho que o governo conservador quer. Fazer cinema por aqui nunca foi tão perigoso.
Contudo, tal qual a moça das rosas do filme de Panahi, que dedica uma rosa aos amantes do cinema, e que veem uma ponta de esperança no futuro, a nossa esperança não pode dar lugar ao medo, mesmo que a censura bata. Táxi Terrã é um triste retrato de um país onde a censura reina, ele serve como um espelho para mostrar ao mundo os terrores de um estado conservador, mas também dá a esperança que a arte deve e irá resistir aos mais ardentes carrascos do autoritarismo. No fim, venceremos.
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3 Faces – Poesia e resistência
Atual Vice-presidente da Aceccine e sócio da Abraccine. Mestrando em Comunicação. Bacharel em Cinema e formado em Letras Apaixonado por cinema, literatura, histórias em quadrinhos, doramas e animes. Ama os filmes do Bruce Lee, do Martin Scorsese e do Sergio Leone e gosta de cinema latino-americano e asiático. Escreve sobre jogos, cinema, quadrinhos e animes. Considera The Last of Us e Ocarina of Time os melhores jogos já feitos e acredita que a vida seria muito melhor ao som de uma trilha musical de Ennio Morricone ou de Nobuo Uematsu.