Por um longo tempo o romance foi um gênero perpetuado como pertencente aos héteros e aos brancos, porque eram obras sobre eles sendo feitas. Filmes, livros, peças, séries, tudo tinha sempre um romance hétero e personagens héteros. Quando se fala de filmes sobre romance e personagens LGBTQ+ é um cinema bem menos visto como mercadológico, ao mesmo tempo envolvendo constantemente narrativas de sofrimento e dificilmente com direito a um final feliz.
Por isso existe uma enorme importância na existência de um filme como Com Amor, Simon (Love, Simon) lançado em 2018. Além de contar uma história sobre se aceitar e se assumir de um jovem gay, o filme também apresenta ao público um final feliz. Fazer isso é uma forma de comunicar sobre o potencial de felicidade existir sendo gay, de se viver um romance e ser aceito pela família. Pessoas LGBTQ+ existem muito antes de suas aparições em filmes de Hollywood, mas ainda assim raramente tem direito a serem protagonistas de histórias felizes.
E então chegamos ao assunto principal desse texto, a série feita pela Disney e disponível no Hulu: Love, Victor (2020 -). O seriado conta com dez episódios e é protagonizado pelo jovem Victor (Michael Cimino), de família colombiana e se mudando para Atlanta. Após anos de vida no Texas, o jovem acredita que sua nova cidade possa o permitir explorar sobre si mesmo e se conhecer melhor em termos de sua sexualidade. Ao ouvir sobre a história de um graduado de sua escola, Simon Spier (Nick Robinson), que conheceu seu namorado e os dois foram aplaudidos pela escola, ele acredita na possibilidade de poder viver algo parecido.
Cada história é sua história e é uma das qualidades da série, capaz de mostrar o quão diferente as vidas e as histórias de Simon e de Victor são. Mas não é por isso que uma história terá um final feliz e outra não, são trajetos a serem atravessados. Ainda existe muito na nossa sociedade (não na ficção) perpetuando múltiplas formas de preconceitos e ideias sobre certo e errado se tratando de sexualidade.
Por se tratar de uma série, a trama consegue mergulhar mais nessas problemáticas cercando os jovens não heterossexuais vivendo nessa sociedade. É importante a forma como a série pega três gerações da família num episódio do aniversário de Victor e reflete sobre as ideologias do certo e errado quanto a pessoas homossexuais. O pai de Victor é interpretado por James Martinez, o mesmo ator que interpretou o pai homofóbico em One Day at a Time (2017 -).
Aqui a relação familiar é uma parte essencial para a construção da narrativa do personagem e seu medo de não ser hétero. Sua família se mudou por razões muito particulares, desconhecidas de início por Victor e sua irmã Pilar (Isabella Ferrera). É toda uma nuance dada ao personagem em relação a sua família, por como ele se sente responsável por manter o bem estar da casa. Diferente de outros protagonistas, são raros os momentos onde Victor é egoísta. Isso cativa muito no personagem, embora seja um grande malefício a ele sempre reduzir suas lutas e necessidades pelo bem dos outros.
Ana Ortiz é quem vive na série a matriarca da família, Isabel Salazar, e a história de sua personagem perpassa muitas discussões sobre família, casamento, amor. Sua narrativa não é a narrativa esperada ou muito utilizada de uma dona de casa e a mãe cujo papel é só apoiar. Os problemas de seu casamento e a forma como os seus filhos são afetados pelo mesmo levantam importantes discussões. Além de tudo reflete sobre como não deve ser o papel de um filho se diminuir e se esforçar para manter todos de um lar bem. Ana entrega uma carismática personagem, uma mãe amorosa e mulher se esforçando muito para manter sua família junta.
Além de todo o núcleo familiar da série, o núcleo dos amigos de Victor é bem melhor desenvolvido do que os do longa precedente. Uma das tarefas da série foi criar um ambiente onde mesmo se sentindo apoiado, Victor não se sentisse seguro para se assumir. Então são pequenos comentários, assim como os laços estabelecidos entre ele e seus amigos fazendo o medo do personagem não ser algo sem sentido. Ao mesmo tempo ao longo dos episódios os personagens são cada vez mais aprofundados, suas histórias e suas vidas.
Dramas adolescentes recorrentemente costumam criar personagens e histórias rasas. No seriado as coisas funcionam com uma nuance bem diferente. Mia, a personagem de Rachel Naomi Hilson, é uma das provas disso. A garota mais bonita e popular da escola, cuja relação com sua família é extremamente complicada especialmente pelos traumas causados pela sua mãe. Sair dos padrões narrativos rasos de personagens se faz essencial e a série consegue seguir fazendo isso de forma apropriada.
Para além de seus personagens e seu enredo, o seriado também conta com a metade de seus episódios dirigido por mulheres. Sempre bom ressaltar a importância desse tipo de inclusão e empregabilidade para diretoras na indústria audiovisual, especialmente se tratando de uma história sobre a jornada de aceitação de descoberta de um jovem latino sobre sua sexualidade. Diversidade e inclusão pode e deve ser feita de várias formas.
A série foi criada por Isaac Aptaker e Elizabeth Berger e lançada dia 17 de Junho no serviço Hulu. Sua primeira temporada conta com dez episódios.
Cineasta graduade em Cinema e Audiovisual, produtore do coletivo artístico independente Vesic Pis.
Não-binarie, fã de super heróis, de artistas trans, não-bináries e de ver essas pessoas conquistando cada vez mais o espaço. Pisciano com a meta de fazer alguma diferença no mundo.