Cosmos – Entendendo nosso lugar no Universo

“Se o mundo não corresponde em todos os aspectos a nossos desejos é culpa da ciência ou dos que querem impor seus desejos ao mundo?”Carl Sagan

Cosmos é uma série documental que teve a sua primeira versão exibida nos anos 80 com roteiro e apresentação de Carl Sagan, este que foi o maior comunicador científico do século 20. A série foi referência de divulgação científica para o grande público por anos, porém com as novas descobertas acadêmicas e o avanço dos efeitos especiais o National Geographic resolveu lançar um remake mais atualizado em 2014, apresentado desta vez por Neil Degrasse Tyson. Neil, por ser astrofísico, divulgador científico, já ter conhecido pessoalmente Sagan e ter escrito mais de 10 livros voltados para o grande público, como o Astrofísica para Apressados, tinha tudo para tornar-se o apresentador carismático e didático que o programa exigia, assim seguindo adiante com o legado de Cosmos. No final, o projeto foi tão bem aceito que ganhou uma segunda temporada em 2020.

Possuindo dois roteiristas da série original na equipe, Cosmos tem 26 episódios e busca discutir e explicar os fenômenos das diversas áreas científicas de maneira simples e  visualmente atrativa.

Como as áreas da ciência conversam entre si a série é um amálgama de todo o conhecimento obtido pela humanidade. Os episódios, mesmo que em menor grau, são compostos por biologia, geografia, física, química, história, filosofia, sociologia e, além disso, através da “nave da imaginação” pilotada pelo apresentador, também possui episódios direcionados a futurologia, com questionamentos a respeito de como será o futuro da espécie humana e abordagens de conceitos ainda nebulosos da ciência, sem nenhuma confirmação de fato, como o que acontece dentro de um buraco negro,  por exemplo, ou os seres que poderiam habitar Júpiter e a colonização de outros planetas. 

Com a temática bem estruturada, a narrativa sustenta-se através das explicações de Neil, utilizando o CGI para personificar o tema abordado e as animações para retratar a vida de cientistas e pesquisadores importantes da história. Isso tudo, acompanhado por uma ótima trilha sonora, oferece aos episódio um dinamismo único, assim, saindo do estereótipo de mais um documentário com um narrador e paisagens lindas de fauna e flora ao fundo.

Ao longo das temporadas, o roteiro aprofunda conhecimentos básicos da natureza ao mesmo tempo em que apresenta informações desconhecidas sobre a humanidade perdidas na história. Existe um episódio inteiro focado nas abelhas onde é discutida as consequências do desaparecimento desses insetos, mas também a sua complexidade como ser vivo, mostrando que esses animais possuem entendimento de agricultura, arquitetura, linguagem e política. 

Outro ponto alto é o momento em que Neil visita a civilização do vale do Indo, onde hoje é a Nigéria. Há cerca de 2500 A.C, Mohenjo Daro era composta por uma rede de cidades com população de 5 milhões de pessoas, com redes de esgoto, água corrente na cozinha, dentistas, unidades de medida padrão, escrita, jogos de azar e de tabuleiro. Isso tudo no período onde os gregos eram apenas tribos e comerciantes itinerantes. Essa noção histórica permite questionarmos a nossa visão de África.

Um dos maiores méritos do programa é traduzir conceitos abstratos para o nosso cotidiano, sendo o Calendário Cósmico e o do Hall das Extinções os dois exemplos mais marcantes. O primeiro, popularizado por Carl Sagan em seu livro Os Dragões do Éden, é uma escala cósmica que abriga toda a história do universo em um único ano terrestre. Nesse calendário cada mês tem mais de 1 bilhão de anos, cada dia possui quase 40 milhões, uma hora retrata quase 2 milhões e um único segundo equivale a 500 anos terrestres. O Big Bang acontece às 00h do primeiro dia de janeiro e a espécie humana só existe a uma fração mínima desse tempo, por volta das 23h do dia 31 de dezembro. O segundo, é um museu construído para abrigar todas às grandes extinções em massa que já aconteceram na Terra, cada uma posta em um corredor distinto. Neil entra no monumento e mostra ao público a existência de cinco corredores, percorrendo eles enquanto descreve às grandes catástrofes naturais ao longo das eras e quais eram a fauna e flora daquele período. Porém, existe um sexto corredor que está em construção e ele é protagonizado pela nossa espécie.

No livro Sapiens, o professor Yuval Harari complementa essa questão detalhando o aspecto destrutivo da humanidade ao contar como ocorreu o desaparecimento da megafauna existente nos continentes, depois que os humanos chegaram. Além disso, essa crise do Antropoceno, que nós estamos presenciando atualmente, já foi prevista com precisão em 1967. Os cientistas Maname e Richard Wetherald previram como a temperatura global subiria em função do efeito estufa. A comunidade de climatologistas previram a inundação de cidades costeiras devido ao aumento do nível do mar ocasionado pelo derretimento das calotas polares, a morte em massa dos recifes de corais pelo aquecimento do oceano, o aumento de tempestades catastróficas, ondas de calor letais, secas e incêndios florestais de magnitude sem precedentes. Os cientistas nos alertaram e agora basta observar acontecer.

O Calendário e o Memorial permitem ao telespectador vislumbrar a irrelevância e pequenez do ser humano, mas também às consequências de suas ações. A terra é apenas um ponto azul no espaço e mesmo que nós continuemos destruindo a biosfera, o resultado máximo disso será a extinção da própria humanidade. O planeta irá se recuperar e depois que partirmos ele ainda continuará girando em torno do sol aguardando a próxima espécie surgir.

Por outro lado, mesmo com esse cenário pessimista,  Cosmos constantemente se propõe a abordar o futuro da raça humana com otimismo, dedicando o último episódio inteiro da segunda temporada na exploração das possibilidades que a mudança de mentalidade e o investimento na ciência tem a nos oferecer. Sonhar é importante e quando a série conta a trajetória de uma nova descoberta ou as conquistas de um grande cientista ela tem como intuito despertar admiração e esperança no espectador. A ciência é uma iniciativa de cooperação que cobre gerações, então um pesquisador sempre está dando continuidade ao trabalho de outro, para assim, expandir a fronteira do conhecimento perante a ignorância. Então para termos sucesso é preciso abandonar esse delírio de que somos separados da natureza. A árvore da vida é composta por muitos galhos e nós somos um frágil ramo que não pode sobreviver sem a árvore.

No quadrinho Sandman, Neil Gaiman apresenta para os leitores a Biblioteca do Sonhar. Esse lugar é composto de bilhões de livros nunca escritos, todos pertencentes a imaginação dos autores, nunca materializados no mundo físico. Esse é um conceito ficcional, mas nos permite pensar que antes de algo existir, precisa ser imaginado. Nós já sabemos o que nos aguarda no futuro, mas por enquanto isso é apenas uma possibilidade, então depende exclusivamente de nós aprender com nossos ancestrais, não perder a esperança de mudança e sonhar com novos mundos possíveis.