Faz mais de um ano desde a estreia da primeira temporada de Coisa Mais Linda (2019 -), mas enfim e no meio da quarentena, eis que a Netflix nos brinda com a segunda temporada da série, que estreou no último dia 20 de junho trazendo grandes expectativas devido ao explosivo final da temporada passada. O que será que aconteceu com Lígia (Fernanda Vasconcellos)? Será que Malú (Maria Casadevall) sobreviveu? Será que Augusto (Gustavo Vaz) irá pagar pelos seus crimes? Muitas perguntas e todas elas respondidas ao longo dos seis episódios dessa nova temporada que chega cheia de surpresas e boas revelações.
Alerta de SPOILERS (Não siga caso não tenha assistido a segunda temporada)
A crítica que fiz da temporada passada, ressaltava que a série tinha um tom bem lúdico em seu piloto, que dava uma sensação de artificialidade que atrapalhava o desenvolvimento e a impressão que você tinha das personagens principais e do universo carioca onde a trama era ambientada. Quando o episódio “Sobre Viver” (2×01) dá início a esta temporada, o mesmo mecanismo do piloto de certa forma é utilizado, mas aqui é feito de uma forma que realmente encaixou com a história que estavam contando, passando pelo ponto de vista de Malu, estamos vivendo momentos interessantes em que a personagem compartilha com suas amigas como se fosse um sonho distorcido. A direção deste episódio é bastante sutil, o suficiente para o expectador perceba aos poucos algo errado naquela realidade estranha, é através de Malu que nós descobrimos o destino trágico de uma das personagens da trama.
Este primeiro episódio traz Malu de volta do coma, e é através dela que descobrimos o quanto tudo mudou desde aquele fatídico dia na praia. Augusto fugiu e ninguém sabe o paradeiro. Thereza (Mel Lisboa) desistiu do seu trabalho como editora e agora trabalha em casa escrevendo livros. Adélia (Patty De Jesus) virou subordinada no próprio clube que criou com a amiga, ainda que finalmente tenha noivado com Capitão (Ícaro Silva). Pedro (Kiko Bertholini), o marido sumido de Malu volta tomando conta de tudo. Chico (Leandro Lima) foi embora e Roberto (Gustavo Machado) foi o único que permaneceu tocando seus negócios. A temporada de Coisa Mais Linda começa falando de luto e acomodação, mas seu cerne bate muito na tecla da mudança. A morte de Lígia abriu uma lacuna para Malu, Adélia e Thereza, a primeira ainda processando seu próprio luto, enquanto as duas últimas se culpavam por não ter protegido a amiga do marido violento e abusivo.
A série começa forte, bem dosada e aproveitando para humanizar ainda mais suas protagonistas, mostrando a fragilidade dessas mulheres diante de uma perda. É possível ver aqui um amadurecimento gritante do drama, mas sem perder o que fez dela um sucesso antes, mostrando seu lado brasileiro através da música carioca misturando samba e bossa nova, tudo muito glamouroso e refinado, sempre renderizado por uma fotografia solar meio dourada, mostrando que a parte técnica ainda continua sendo puro luxo. O roteiro deste episódio escrito por Heather Roth, Giuliano Cedroni e Luna Grimberg, aproveita para mostrar que o machismo e a dominação masculina é um fator ainda mais forte que essas mulheres da década de 60 precisam enfrentar, desta vez evidenciado pela figura detestável de Pedro, que entra na série para ser a pedra no sapato de Malu.
Em “Compromissos” (2×02), a série ganha corpo e começa a foca na temporada, agora com a Malu fora do coma, o enredo começa a andar. O roteiro aqui começa a moldar o futuro de suas protagonistas e aproveita o casamento de Adélia e Capitão, para trazer um pouco de negritude para série. Uma das minhas críticas na temporada passada, foi que a série poderia aproveitar a presença de personagens como Adélia e Ivone explorando mais as questões raciais vividos por personagens negros na década de 60. Devo dizer que este episódio cumpre em parte exatamente essa questão, o casamento de Adélia é lindo, trazendo não só novos personagens pretos para o enredo da série como: Dona Elza (Eliana Pittman), Miltinho (Breno Ferreira) e Duque (Val Perré), mas também reforçando o núcleo dando mais histórias e dramas para esses personagens, trazendo inclusive muito samba e uma exaltação a religião afro na cerimônia de casamento, realmente um episódio caprichado e belo de assistir. O roteiro de Coisa Mais Linda abre espaço para diversidades, porém ainda peca quando trata de preconceitos sociais e racismo estrutural, trazendo a velha figura do “branco salvador” uma vez ou outra para salvar o dia, ainda falta aprofundamento nessas questões apesar de não deixarem de evidenciá-las através de Adélia e sua filha Conceição (Sarah Vitória).
A narrativa por outro lado desenvolve bem suas protagonistas, a parte do feminismo, empoderamento e atitudes dessas personagens ainda é o ponto forte da trama, que ganha uma boa adição com a saída de Ligia, aspirante a cantora Ivone, a irmã de Adélia, que completa o quarteto nesta temporada. A atriz Larissa Nunes soube aproveitar o espaço dado para ela na trama, sendo uma grata surpresa, não só porque seu arco em que tenta ser uma cantora profissional rende (sua voz é belíssima), mas também porque serve como ponte para unir os núcleos de Malu e Adélia. Assim como Ivone, Thereza ganha seu próprio arco, mas desta vez bastante diferente da primeira temporada. Depois de um tempo em casa, começa a trabalhar na rádio como locutora, dividindo espaço com o machista Wagner Pessanha (Alejandro Claveaux). Por mais que este núcleo seja interessante para personagem, acredito que perde um pouco dos desafios que ela enfrentava quando trabalhava na revista, aqui Mel Lisboa ainda tira de letra suas cenas, porém as intrigas de Thereza com Wagner soam repetitivas em termos narrativos e o lado liberal da personagem que parecia aflorar mais, parece que se limitou um pouco dentro deste núcleo.
Um dos pontos positivos de Coisa Mais Linda é sua capacidade de construir arcos de uma forma dinâmica e resolvê-los sem muita demora, para quem não gosta de séries muito cadenciadas, os episódios desta temporada caíram como uma luva. Um bom exemplo é a presença de Pedro na série em um arco que dura poucos episódios, inclusive no episódio “Jeitinho Carioca” (2×03) traz um plano bolado por Malu e Adélia para resolver a questão. O episódio inclusive é um bom exemplar de meio de temporada, eficiente em finalizar e iniciar novas histórias.
Se a série tem um dinamismo bastante consistente e os episódios passam de uma forma muito rápida, isso também evidencia alguns problemas e acaba por dar a série poucos momentos de respiro, necessários para que o expectador sinta e viva o drama apresentado, isso fica muito claro no arco de meio de temporada centrado em Adélia, que entre três episódios é resolvido tão rápido que parece que nem aconteceu, o impacto deste arco posteriormente na trama é sentido de uma forma que faz o público ficar dividido sobre as ações da personagem, isso com certeza é positivo em termos narrativos, mas fica claro que falta mais polimento nas motivações da personagem e um certo cuidado de preparar o público para suas mudanças.
Tirando estas pequenas ressalvas, há muito o que falar de positivo de Coisa Mais Linda, uma delas é um episódio todo focado na força, liberdade e poder feminino no ótimo “Só Para Mulheres” (2×04), um episódio que mostra o quão glamouroso, interessante e libertador ver essas mulheres sem a pressão de agradar o patriarcado vivendo suas vidas como se não houvesse amanhã, numa noite especial no clube Coisa Mais Linda apenas para o público feminino organizado por Malu. O episódio ainda conta com a personagem de Maria Cassadevall (desta vez bem mais segura dentro da personagem) dividida entre dois amores, ao mesmo tempo em que tem que lidar com um vereador inescrupuloso trazendo à tona a pauta do assédio para trama, vale salientar que Malu nesta temporada coloca qualquer personagem masculino no chão, mostrando uma fibra, esperteza e determinação muito bem vinda para sua já ousada personalidade.
Em sua reta final, Coisa Mais Linda começa a fazer preparação para mudanças na trama ao mesmo tempo que coloca suas personagens para enfrentar um antigo desafeto. A verdade é que o fantasma da morte de Lígia paira sobre a temporada, a personagem de Fernanda Vasconcelos deixou uma marca na história e é usada na reta final para mostrar que a vítima em casos de violência feminina sempre é a mais prejudicada, mesmo que não tenha dúvidas das provas que condenem o culpado, isso tudo é bastante acentuado já que nos anos 60 a sociedade é ainda muito presa a padrões conservadores que hoje são considerados ultrapassados. A narrativa de “Segunda Chance” (2×05), é focado na sua maior parte no julgamento dos crimes cometidos por Augusto no final da primeira temporada, onde os roteiristas conseguem trazer a pauta das injustiças sociais em relação a violência contra a mulher de uma forma bastante direta e crível, mesmo que tramas de julgamentos sejam batidas, aqui o roteiro ainda consegue envolver, mesmo que as vezes possa se notar algumas atuações acima do tom e um didatismo no texto.
No final das contas, a segunda temporada de Coisa Mais Linda expande bem a trama dessas mulheres que se mostram ainda mais complexas, cheias de personalidade, dúvidas, receios, capazes de tomar decisões inesperadas visando sua própria felicidade, ou seja, completamente donas de si. Ainda que não goste de todos os direcionamentos abertos em “Escolhas” (2×06), este final de temporada traz muitos conflitos entre alguns personagens e mudanças drásticas para outros. A série apela para um gancho final digno de novela e não sei se isso é algo bom, já que é uma trama batida usada exaustivamente em folhetins da Globo e que aqui soa como mais do mesmo. Ainda assim, a série se consolida como um produto nacional de qualidade, com um elenco mais afinado, principalmente o quarteto principal que conta com atuações consistentes e um bom ritmo ao longo de seus seis episódios. É claro que a trama de Malu, Adélia, Thereza e Ivone deixa um gostinho de quero mais e isso é um bom sinal de que a série tem muito a render, desde que busque algo além do clichê, só espero que a terceira temporada tenha mais episódios, pois esta história merece mais espaço para se desenvolver.
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Engenheiro Eletricista de profissão, amante de cinema e séries em tempo integral, escrevendo criticas e resenhas por gosto. Fã de Star Wars, Senhor dos Anéis, Homem Aranha, Pantera Negra e tudo que seja bom envolvendo cultura pop. As vezes positivista demais, isso pode irritar iniciantes os que não o conhecem.