The Witcher 3: Wild Hunt – 5 anos da aventura final

Jogar videogame é uma atividade vista – ironicamente, porém de forma consistente ao longo de décadas de mal-entendido cultural – como infantil. Consequentemente, jogos considerados “adultos” são primordialmente jogos com cenas de nudez, sexo e violência, desconsiderando temas que exigem maturidade real ao serem abordados, como luto, depressão, suicídio, abuso físico e psicológico, e questionamentos sobre moralidade e justiça.

Paralelamente, jogos de RPG são populares por seus universos e aventuras épicas, pelo gameplay característico do gênero, pela variedade das quests, e ocasionalmente pela possibilidade de fazer escolhas que alteram o progresso da história, mas raros são os RPGs que trazem temáticas maduras ou mesmo crescimento de personagens em um nível mais pessoal.

Nesse contexto, entra The Witcher.

O primeiro jogo da série foi lançado em 2007 – uma década depois de Diablo (1996) ter revolucionado o conceito de RPGs de ação -, com um roteiro criado a partir da série de livros homônima de Andrzej Sapkowski, e apesar de não ter sido necessariamente um ponto marcante dentro da indústria, o jogo trazia logo de cara algo relativamente novo: uma abordagem bem explícita de vários temas mais pesados como opressão e marginalização de minorias e posicionamento político em um mundo brutal que beira o pós-apocalíptico. Além disso, The Witcher abria mão dos heroísmos e objetivos grandiosos que são ponto comum em jogos de RPG, optando por uma jornada mais pessoal que se tornaria parte de um arco maior desenvolvido ao longo da série como um todo. Essa abordagem era obviamente limitada pelo contexto tecnológico e mercadológico da geração, e foi evoluída apropriadamente em The Witcher 2: Assassins of Kings (2011), mas foi o terceiro jogo da série que finalmente mostrou ao público todo o potencial escondido dentro desse universo fantástico.

The WItcher 3: Wild Hunt (2015) tinha sido planejado desde o começo como o fim da jornada de Geralt, personagem principal da série, mas para que esse encerramento fosse executado de forma satisfatória, muitas pontas soltas da narrativa precisavam ser amarradas. O resultado disso é um jogo verdadeiramente imenso, não só em termos de história mas também de construção de universo. Estamos falando aqui de um mapa gigantesco, preenchido com quests, inimigos e eventos diversos que fazem a exploração valer a pena, mas também povoado por uma variedade de personagens magnificamente escritos, com personalidades e histórias distintas, que diminuem drasticamente a sensação de repetitividade que geralmente acompanha missões de RPG, e transformam as mais de 100 horas de caça aos monstros em uma aventura extremamente cativante.

Esse leque de personagens, aliado ao sistema de decisões empregado no jogo, expõe o jogador a situações que variam desde casos mais simples em que é preciso escolher entre matar ou não uma criatura, aceitar ou não uma recompensa, usar ou não violência para resolver um problema, até casos mais complexos em que é necessário tomar partido em questões de ambiguidade ética em que suas decisões podem ter consequências devastadoras. As escolhas se tornam progressivamente mais difíceis, os conceitos de bom e mau/certo e errado se confundem e, algumas vezes, ir pelo caminho que você acredita ser o correto pode levar a um resultado extremo e completamente oposto daquilo que você tinha em mente. 

É possível, num primeiro momento, perceber essas linhas de história paralelas como sendo sem importância: elas não necessariamente fazem parte da história principal, e uma boa parte delas oferece pouca ou nenhuma recompensa relevante além de ouro e XP, mas é através dessas histórias que se torna possível não apenas aprofundar e evoluir a personalidade de Geralt – em um dos formatos mais brilhantes de desenvolvimento de personagem que eu já vi e que, pessoalmente, perde apenas para o trabalho excepcional da BioWare nas séries Mass Effect e Dragon Age – mas também se afeiçoar a personagens secundários e ao próprio universo do jogo. Como é possível observar em alguns dos títulos menos bem sucedidos da franquia Final Fantasy, é muito difícil se afeiçoar a um jogo no formato de RPG quando os personagens e/ou universo não são cativantes.

Outro fator que contribui para um envolvimento maior do jogador com a narrativa é a mudança de ponto de vista que acontece em alguns momentos da jornada. The Witcher 3 tem como plot base a busca um tanto urgente de Geralt por sua filha adotiva que está fugindo da Wild Hunt – a grande ameaça do jogo – e parece estar correndo grande perigo. No processo de rastrear a garota e reconstruir seus passos, Geralt escuta partes da jornada dela recontadas por pessoas que estiveram diretamente envolvidas nos eventos, e quando isso acontece, o jogador é surpreendido ao se encontrar observando o mundo pelos olhos da atrevida, impaciente e ousada Ciri.

A troca de personagens é novidade na série, e traz consigo – além de uma personagem nova e fascinante – uma variada leve na jogabilidade e uma mudança drástica na interação com NPCs: por ser mulher, e principalmente, não-witcher, Ciri é tratada com mais gentileza e cuidado, e as pessoas se propõem a auxiliar sua jornada muito mais facilmente – um contraste gritante com a quantidade ridícula de dificuldades encontradas por Geralt -, ao passo que, por estar sendo caçada pela Wild Hunt, os perigos que encontra são mais letais, e por não possuir a mesma gama de habilidades que um witcher teria para lutar, ela se vê com muita frequência em uma posição de desvantagem. Ciri também traz um frescor ao jogo que é quase difícil de explicar. Mesmo que os segmentos jogados com ela sejam curtos, eles são diferentes o suficiente do resto do jogo para despertar interesse e deixar o jogador ansioso pela próxima parte da história, e o fato de que a personalidade de Ciri é drasticamente diferente da de Geralt transforma a experiência de jogo de um jeito muito positivo.

Além disso, Ciri é apenas uma das várias personagens femininas maravilhosas de The Witcher 3, o que, pelo menos pra mim, é um dos grandes charmes do jogo: num mundo que tem sua própria versão de misoginia, são mulheres em posições de poder que tomam as rédeas de algumas situações particularmente complicadas, e elas são a força necessária pra virar a balança e mudar o rumo da história. E eu não falo apenas de Yennefer – minha favorita pessoal, com sua personalidade ácida e sagacidade – ou Triss, as duas opções principais de interesse romântico de Geralt, que são personagens de apoio e portanto tem aparições mais longas, mas também de personagens menores, como Tamara Strenger, que foge de um pai abusivo e consegue levar caçadores de bruxas a um pântano sombrio para resgatar sua mãe, Philippa Eilhart, que apesar de ter perdido sua visão e influência na corte, continua em uma busca ávida e incessante por conhecimento, poder e vingança, ou mesmo Priscila, uma poeta, cantora, musicista e diretora de teatro com talento suficiente para ser considerada rival do grande bardo Dandelion.

No mais, para aqueles que se apegam a seus personagens cativantes e histórias fantásticas, The Witcher 3 é um jogo de grande carga emocional. Por se tratar do fechamento do arco de Geralt, existem algumas coisas que são inevitáveis: é hora de dizer adeus a alguns amigos, decidir o destino de outros, revisitar memórias do passado, quebrar vínculos antigos e criar outros para serem levados até o fim da vida. A ideia de que witchers não tem sentimentos é reforçada dezenas de vezes ao longo do jogo, apenas para ser contradita repetidamente toda vez que nos deparamos com um momento decisivo na história, em que Geralt se emociona, chora, lamenta, se enfurece, ama e sofre, e o jogo faz um trabalho excepcional ao levar o jogador para dentro de cada um desses momentos, cada uma dessas emoções.

Se eu tiver que apontar defeitos no jogo, a lista seria bem pequena. Os controles são desnecessariamente complicados e nem um pouco intuitivos – como já é de se esperar da franquia – e nem mesmo um tutorial de mais de duas horas de duração é suficiente pra se acostumar com eles; as escolhas do jogo são um pouco confusas, e nem sempre é possível determinar qual rota você escolheu baseado apenas no texto dos diálogos, fazendo com que seja preciso voltar pra um save anterior e tentar de novo algumas vezes antes de chegar no resultado desejado; o jogo tem algumas animações estranhas e bugs gerais – como o MALDITO cavalo que nunca aparece quando/onde você precisa -, além das ocasionais quedas de framerate que tendem a incomodar jogadores mais exigentes. Entretanto, nenhum desses detalhes técnicos é defeito suficiente para ofuscar a obra como um todo.

Com mais de 30 finais possíveis, The Witcher 3 tem muitas escolhas a serem feitas e muitos caminhos a percorrer, mas no fim, o que altera de forma mais marcante o rumo que a história toma é o modo como o jogador decide desenvolver a personalidade de Geralt. Independente da escolha que se faça, um witcher nunca será um herói, mas rotas mais sensatas de jogo vão levar você o mais próximo possível disso, e pela primeira vez na história da trilogia, um final épico é uma possibilidade real. 

The Witcher 3: Wild Hunt voltou aos holofotes recentemente com o lançamento da série da Netflix também baseada nos livros, e é até difícil acreditar que já fazem cinco anos que o jogo foi lançado. Existe um certo  conforto em observar grandes franquias se movendo de uma geração para a próxima e perceber que a essência dos jogos se mantém, mas a experiência de jogo está sendo constantemente expandida, e nesse caso específico, o aprimoramento notável transforma o título numa obra indispensável para fãs de RPG.