The Witcher – Destino e Família

Propriedades intelectuais já pré estabelecidas estão cada vez mais sendo adaptadas para o audiovisual. Por terem um público já estabelecido, investir em séries e filmes baseados em livros/HQs/games é bem menos arriscado e mais interessante para as empresas do que começar um projeto do zero e ir conquistando a audiência com o passar do tempo.

Um gênero que funciona muito bem no mercado é a Fantasia. Com os derivados de Game of Thrones (2011 – 2019) sendo produzidos pela HBO e a série de O Senhor dos Anéis anunciada pela Amazon, os outros serviços de streaming precisam correr atrás do seu próprio universo de Fantasia com fãs já estabelecidos. No meio de inúmeros títulos, como Eragon e Nárnia, a escolha de The Witcher pela Netflix foi bem promissora já que por ser uma obra polonesa, o storytelling pode sair das já habituais escritas inglesas e americanas, trazendo novidades narrativas para esse produto de mídia. 

Contudo, apesar de promissora, a escolha desta obra pela gigante do streaming foi uma jogada bem segura, afinal, essa propriedade intelectual já foi testada com o grande público antes, possuindo uma adaptação para a TV polonesa de 2001 e também três jogos de video game.

A série da Netflix, lançada nos últimos dias de 2019, tem como criadora Lauren Schmidt, que produziu alguns episódios de Daredevil (2015 – 2018) e The Umbrella Academy (2019 -). Baseada nos livros do autor polonês Andrzej Sapkowski, a série conta a história de Geralt de Rívia (Henry Cavill), um bruxo mutante que viaja o mundo aceitando contratos para matar monstros que estão importunando os humanos de uma região. 

No decorrer da série vemos diversos trechos e acontecimentos da vida de Geralt, enquanto acompanhamos a formação de Yennefer (Anya Chalotra) como uma bruxa e a jornada da princesa Cirila (Freya Allan) tentando sobreviver num mundo hostil devastado pela guerra. Infelizmente, a história é na maior parte do tempo muito confusa. O espectador se perde nos  incontáveis nomes de lugares, personagens, magias, criaturas, eventos… levando alguns episódios para situar-se minimamente naquele rico universo. Entretanto, isso pode ser até justificável já que a adaptação baseia-se nos dois primeiros livros, estes que são livros de contos isolados, porém a constante mudança de linhas temporais entre os três personagens principais juntamente com a pouquíssima explicação das regras e da história daquele universo, obriga ao público buscar entender, por mídias externas, o que está acontecendo para ter pleno proveito da história.

Pessoalmente, adorei a atuação do Cavill vivendo um homem amargurado, solitário, cheio de culpa que se fechou para o mundo desde a sua infância, tendo como único objetivo a realização do seu trabalho. Entretanto as outras duas personagens principais, apesar de boas, sofrem muito com a falta de exploração dos seus núcleos. 

Geralt por estar constantemente em uma nova aventura,  tem o suporte de diversos personagens e histórias para ajudar no seu desenvolvimento. Mesmo que não conheçamos nada a respeito da sua infância, treinando em Kaer Morhen, o espectador está sempre descobrindo novas informações sobre ele e o continente. 

Porém, em contrapartida, a escola de bruxaria de Yennefer é pouquíssimo explorada, tendo alguns personagens, aparentemente, já conhecidos pela protagonista, jogados apenas para realizar determinado feito, sem o público sequer saber o contexto e a sua existência prévia no local. Yennefer fica décadas estudando em Aretusa e o seriado não consegue mostrar essa passagem de tempo com clareza. Porém, quando a personagem começa a viver as suas próprias aventuras, o seu arco narrativo de auto aceitação e busca pelo poder e pelo amor que nunca recebeu obtém uma melhor fluidez.

O núcleo da princesa Cirila sofre com essa mesma falta de explicação, entretanto, por parte dela e não do seu exterior, afinal, nós acreditamos que a princesa é especial porque todos os personagens falam que ela tem um propósito grande e querem protegê-la. Em nenhum momento é mostrado ao público o porquê do sangue ancestral que Ciri carrega consigo ser tão importante para o desenrolar da trama.

Por fim, a série consegue utilizar muito bem a estrutura de RPG para manter o público engajado durante todos os episódios. Apesar do maniqueísmo por parte de Nilfgaard e dos diálogos expositivos, a temporada propõe ótimas discussões sobre destino e família, sendo estes a força motriz dos três personagens principais, personificados através da lei da surpresa e da busca pela maternidade. Além de ser a base para todos os conflito mostrados no decorrer dos 8 episódios. 

The Witcher, com seus personagens cativantes, trilha sonora viciante, cenas de lutas excelentes e a caracterização do cenário medieval bem elaborada consegue despertar o interesse do público logo de imediato. Porém, a falta de clareza na hora de transmitir a complexidade do material base para o espectador que nunca teve contato com os livros e nem com os jogos tirou muito do impacto que a primeira temporada poderia ter por si só, fazendo assim que esta dependa de uma segunda temporada para terminar de moldar os alicerces bases deste universo. Aparentemente, a Netflix e os produtores estão dispostos  a fazer 7 temporadas, adaptando todo o material literário de The Witcher, então nos resta apenas sentar e esperar o que o destino nos trará.