Poucos jogos me deram uma sensação de imersão tão grande quanto Shenmue (1999), eu sou daquelas pessoas que gostam de “viver” aquele universo de um jogo de mundo aberto. Eu respeito as leis do trânsito em GTA ou Saint’s Row, gosto de ir visitando lojinhas e outros estabelecimentos. Às vezes, acho – se não, com toda certeza – que quem despertou isso em mim foi Shenmue no antigo Dreamcast. Lá, você seguia o jovem Ryo numa vingança contra quem matou o seu pai, Iwao, mas também tinha muitos afazeres em lojinhas do bairro, cuidar do dojô, e até mesmo,um emprego de meio período. Para o seu tempo, Shenmue I e II eram algo espetacular, ainda não há um jogo que se preocupe com esse nível de detalhe em que o universo, basicamente, controlava o quanto de tempo que era investido e gasto no jogo. Eu estou me apegando para esses detalhes porque em tempos atuais, eles não realmente importam mais, e aí, me vem a primeira pergunta: O que Shenmue tem para oferecer em pleno 2020?
Vamos tirar logo isso do caminho: Shenmue III (2019) é para os fãs de Shenmue. Não é um ponto de partida para a série, e a pequena cutscene no começo não ajuda muito as pessoas que estão se aventurando neste conto de mistério e vingança pela primeira vez. Shenmue III é obviamente uma carta de amor para aqueles que esperaram décadas para ver o retorno da série e a continuação da história de Ryo Hazuki. Então, Shenmue III é o retorno triunfante que os fãs da série esperam décadas?
A minha resposta honesta é: não. Porque eu realmente esperava ver melhorias e avanços, passados todos esses anos. Mas minha resposta como fã safada de Shenmue é: sim. Nunca me senti tão “em casa” com um jogo (tirando The Sims que você realmente joga dentro de uma casa).
Shenmue III retoma imediatamente após a conclusão do segundo título. Ryo Hazuki ainda está tentando encontrar o assassino de seu pai, mas a trilha fica fria quando o pai de Shenhua desaparece. O jogo faz você explorar a pequena cidade rural da vila de Bailu, bem como a cidade de Niaowu, tentando descobrir para onde Yaun foi levado, o elo entre os espelhos e o assassinato do pai de Ryo. O fato é que, para uma série que está adormecida há quase vinte anos, parece que Yu Suzuki, diretor da série, não está preocupado em chegar ao final da história de Ryo. A trama de Shenmue III se move no ritmo de um caracol, e o final é outro trunfo que oferece pouco encerramento da história. É uma jogada arriscada, com certeza, pois Shenmue III precisaria ser popular o suficiente para continuar a série por conta própria, mas, ao mesmo tempo, o título não atrai ninguém, a não ser os fãs mais hardcore da série.
Todo ponto da trama em Shenmue III é envolvido em montanhas de tarefas medíocres. Você precisa descobrir o que aconteceu com Yuan e outros pedreiros, mas também precisa trabalhar no mercado local para ganhar dinheiro. Há uma mulher claramente em perigo por alguns bandidos, mas você precisa ir buscar a canela no campo ali. Você está sempre perdendo resistência e precisa comer, mas comer custa dinheiro e dinheiro custa tempo para fazer. Eu diria que é até bastante realista.
Curiosamente, porém, eu me senti um pouco atraída pelas tarefas mundanas do jogo. Claro, a maioria dos mini-jogos se resumia a um passatempo monótona ou a pressionar botões, mas é uma boa maneira de desligar sua mente e realizar alguma coisa. Mas uma coisa que Shenmue III não consegue fazer é aprender com os jogos lançados nos últimos 20 anos. Muitas das decisões de design do jogo, desde o sistema de resistência acima mencionado, à falta de um mapa significativo para descobrir o que fazer a seguir, estão desatualizadas e obtusas. Não há modernização da mecânica aqui, o que pode tornar o Shenmue III mais frustrante e tedioso de se jogar do que precisa.
É quase como se Suzuki tivesse retirado o Shenmue III de um cofre do Dreamcast, espanado, atualizado o motor gráfico e encerrado o dia. Enquanto era apenas, um projeto do Kickstarter e não se esperava que tivesse um orçamento total para um AAA, a flagrante desconsideração com os jogos, após o Shenmue II, mudaram e atualizaram o gênero, o que torna esse novo título absolutamente doloroso de ser jogado às vezes.
A jogabilidade também não é o único aspecto que sofre com o design desatualizado. As cenas e a voz de Shenmue III são absolutamente horríveis. É de imaginar que agora iriam consertar o áudio do jogo, que sempre foi seu ponto fraco, mas não, deixaram exatamente do jeito que era. Cortes desnecessários na câmera dificultam o diálogo, o que é bastante condenatório para um título em que você precisa conversar muito com as pessoas para progredir. Às vezes, as conversas são absolutamente sem noção, com cada pessoa falando claramente sobre assuntos diferentes. Mais do que em qualquer outra parte do Shenmue III, os gráficos são de extrema qualidade. A paisagem é linda, mesmo que nem toda folha de grama seja renderizada. Eu gostei de ir até Verdant Bridge e o belo campo de flores que a rodeia. Mas, ao mesmo tempo, esse nível de cuidado não foi estendido às pessoas que vivem neste mundo bonito. Os personagens são tão rígidos quanto as falas que eles entregam, e eles possuem essa estranha qualidade impassível, o que faz com que observá-los, enquanto se movem e interagem com o mundo, seja um tanto perturbador.
Shenmue III é um jogo de meias-medidas. Em última análise, cumpre sua promessa de continuação da história de Shenmue para os fãs que a esperam há anos, mas isso não significa que cumpra bem essa promessa. Meu maior ponto de desgosto, é não conseguir entregar um jogo que sirva para todos. Quem nunca jogou Shenmue, talvez, não tenha nem vontade de se aproximar da série. Shenmue III poderia ter sido muito mais, ou pelo menos tentar encerrar a história de Ryo, mas, em vez disso, ficamos com cliffhanger. Deep Silver e Ys Net entregaram um jogo que funciona, mas é tão desambicioso e sem graça quanto o diálogo de Ryo.
Nerd que formada em Cinema por razões cósmicas do universo. Também faz parte do site Tapioca Mecânica e adora dividir seus conhecimentos em cultura pop com tudo e todos. Só queria ter mais tempo para acompanhar tudo.